No estado de necessidade a que o país
chegou existe uma preocupação, que é compreensível, com tudo o que envolve
despesa com impacto na vertente pública. E como corolário desta constatação uma
espécie de culto dos números em que se olha para o país como se de uma empresa
se tratasse. De um lado a despesa e do outro os proveitos. O resultado,
positivo ou negativo, definirá as políticas e o rumo a seguir. Neste exercício
o risco de ficarmos pela evidência superficial dos factos é enorme. Acresce que
os momentos de crise não são os mais disponíveis para a reflexão e a
interpretação dos problemas. Transformar coisas complexas em equações
simplistas é, por isso, um perigo que nos persegue.
Ciclicamente somos abalados pelos
nossos resultados olímpicos. Consciências adormecidas durante quatro anos
acordam e descobrem que não somos tão competitivos quanto devíamos. E toca de
apresentar soluções. E para que as soluções sejam credibilizadas nada melhor
que alinhar números, despesas, rankings e comparar resultados. E se a tudo isso
se juntar o selo de uma qualquer entidade externa, mesmo pouco habituada a
lidar com o desporto, mas que manobra números, cria-se a ideia de que o sucesso,
afinal, está ali ao dobrar da esquina. É só querermos. O que trocado por miúdos
quer dizer ir aos Jogos Olímpicos e regressar de lá com umas medalhas. Se assim
é, então que assim se faça. Só que o problema não fica pelo simplismo do seu
enunciado.
Desde logo porque o conceito de
competitividade externa em matéria desportiva se não circunscreve à
participação olímpica. Se assim fosse o ranking
internacional da nossa modalidade mais cotada internacionalmente, o futebol,
não podia ser o que é. Por outro lado, a maioria das modalidades desportivas
não fazem parte do programa olímpico. E as que fazem participam em outros
quadros competitivos internacionais. Medir o nosso grau de competitividade
externa requer necessariamente uma extensão do cenário avaliativo para além da
participação olímpica. Mas o assunto não fica por aqui. Qualquer pessoa minimamente
informada e esclarecida sabe que o conceito de competitividade é multifatorial
e a vertente financeira é apenas uma das suas variáveis. E uma variável que não
pode ser medida exclusivamente por aquilo que é despendido na chamada preparação olímpica.
Nos sistemas desportivos estabilizados
a relação sistémica entre os diferentes subsistemas explica o sucesso
desportivo do alto rendimento e a respetiva competitividade externa. Em
sistemas onde os diferentes subsistemas estão dispersos e sem relações de
complementaridade é sempre possível o êxito temporário através de soluções mais
ou menos imediatas: naturalização de atletas por razões de interesse
desportivo; afrouxamento nos processos de despistagem da dopagem; processos
intensivos de preparação desportiva; deslocação/emigração de atletas para
outros sistemas de preparação; contratação de especialistas externos; etc. Ou até
o êxito em alguns segmentos competitivos por razões culturais, de historia
desportiva local ou até contingenciais sem que esses resultados sejam o reflexo
de qualquer sistema desportivo minimamente sustentado. Isto para dizer que se
pode procurar produzir resultados desportivos de elevado nível através de
várias soluções. Para todas é preciso dinheiro, podemo-lo dizer simplificando a
argumentação, mas para nenhuma delas basta o dinheiro.
É um equívoco a ideia de que tudo se
resolve arrumando de forma diferente a despesa, concentrando porventura mais
meios financeiros em modalidades desportivas que potencialmente apresentem
indicadores de maior grau de competitividade externa. Porque a simples
definição de prioridades competitivas e
alocação de meios financeiros não é um imperativo de sucesso. O resultado
desportivo é o reflexo do talento dos atletas com as condições sociais e
desportivas disponibilizadas para o poder exprimir ao mais elevado nível
competitivo. E essas condições estão para além da vertente financeira embora,
muitas delas, por ela sejam condicionadas. Os números,que nestas ocasiões se alinhavam, ajudam a fazer perguntas.
Mas não constituem respostas. Porque existe um lado oculto dos números. Seria,
por isso, prudente não ficar refém de uma perspectiva contabilística e entender que o sucesso desportivo requer o
aperfeiçoamento de outros factores críticos
abundantemente descritos na literatura da especialidade.
Uma nota final: não é o governo que decreta qual é estratégia para aumentar
a competitividade desportiva internacional. Não é para o desporto, como não é
para a cultura, para a investigação, sequer para a economia. No desporto são as
organizações desportivas; na cultura os agentes e produtores culturais;na
investigação as agências do setor; na economia os empresários. Mas os governos
devem articular as suas políticas públicas no sentido de convergirem com as
necessidades e expectativas desses parceiros. Outra coisa não faz sentido. O
que requer capacidade de diálogo e de construção de soluções. Nestes casos não
basta ouvir. É mesmo preciso entender o que se ouve.
1 comentário:
No país com maior sucesso desportivo da História, os Estados Unidos da América, o Estado Central não intervém.
O sistema baseia-se na sequência High School, College and Professional Leagues or Championships.
O Comité Olímpico e as Federações são de pequena dimensão e servem apenas para selecionar e organizar as Seleções Nacionais para as competições internacionais.
O desporto universitário e profissional é auto-regulado e financia-se recorrendo exclusivamente ao MERCADO.
As Ligas profissionais, em todas as modalidades, são negócios privados e lucrativos.
O sistema não é perfeito.
Mas é o mais perfeito que existe.
Baseia-se na existência de uma atividade económica liberal muito forte (iniciativa privada), que valoriza o mérito e o sucesso, em detrimento de uma política inclusiva igualitária, pretensamente democrática, que não leva a nada, como está provado por estes lados.
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