terça-feira, 13 de novembro de 2012

Semear ilusões



Um antigo professor dizia aos seus jovens alunos, futuros profissionais, que não era possível ser professor de educação física sem ler o Jornal A BOLA. Referia esse jornal, porque à época era o mais significativo na imprensa desportiva, mas o que pretendia transmitir era o facto de nenhum aluno poder levar a sério o seu professor de educação física se ele não demonstrasse uma cultura de conhecimento que o colocasse ao corrente do que sobre as incidências do desporto ia sendo noticiado. Esse professor chamava-se (….ainda se chama) José Esteves.
As coisas ditas assim podem parecer irrelevantes. Mas se tivermos presente a história da educação física e as suas diferentes conflitualidades com o desporto, percebemos que é importante. Não tenho elementos comparativos entre o que se passava na altura e o que se passa hoje. Recordo este facto por a educação física e o desporto escolar por um lado, e o desporto federado (ou de rendimento) por outro, terem sempre mantido um conflito, com raízes profundas na filosofia da educação nos países do Sul da Europa em que a escola, tradicionalmente, olha com pouca simpatia e alguma reserva para o que se passava para além dela. E embora o desporto e o ter praticado desporto fosse a motivação essencial para optar pela formação em educação física, a partir de determinada época ser formado em educação física era criticar o desporto e os seus dirigentes.Exagero? É verdade que não terá sido assim em muitos casos. Mas foi-o em muitos outros. Algumas escolas de formação, então já com o estatuto de escolas superiores e universitárias, como que se instituíram como as primeiras e principais críticas do desporto, elencando outros temas mais nobres do universo da motricidade humana.
Abandonei a profissão há muitos anos e o ultimo contacto que tive com a disciplina foi na qualidade de pai. Ignoro por isso o que é hoje a realidade concreta da educação física nas escolas portugueses salvo que o tema da saúde tem sido elencado como uma das principais preocupações do grupo profissional ou, pelo menos, das suas estruturas representativas. Mas esse afastamento não significa desinteresse. Apenas prudência de modo a que não construa raciocínios assentes em falsas evidências.
Entre o apelo do velho professor e hoje decorreram quase quarenta anos. Em que todo mudou. O mundo e o país. A educação física e o desporto. Saber o que dessa mudança é definitivo ou transitório ou o que apesar da mudança permanece é um exercício complexo. Mas tem de ser feito. Sob pena de sucumbirmos à aparente severidade de argumentos que se constroem no culto dos custos e dos números. O que é uma ilusão para a qual temos de estar preparados.
O governo iniciou os trabalhos tendentes à elaboração de um Plano Nacional do Desporto para o período 2012-2024 (três ciclos olímpicos).Encomendou a uma consultora externa a avaliação dos impactos financeiros respeitantes aos últimos três ciclos olímpicos. E distribuiu pelos seus conselheiros diversa documentação sobre como o governo brasileiro está a programar os próximos ciclos olímpicos. Independentemente do mérito destas iniciativas e qualquer que seja o desfecho dos trabalhos uma pergunta se coloca desde logo: qual o contributo que se espera da escola com vista à elevação da qualidade do desporto nacional? Que o mesmo é perguntar qual o papel reservado à educação física e ao desporto na escola? Vai a escola participar nos processos de mobilização e deteção de jovens com aptidões especiais para o desporto? Pode a escola ser um local de valorização desportiva? Ou o desporto nacional não pode contar com a escola?
Da resposta às perguntas anteriores depende, em parte significativa, o sucesso de qualquer plano (uso o termo mas desconfio do conceito) cujo objetivo seja articular meios e harmonizar programas com vista á elevação da qualidade desportiva nacional. Escrevo em parte significativa porque não penso que a resposta da escola seja imperativa para ultrapassar todos os fatores de constrangimento desportivo. Mas é parte da solução. Uma solução que é anterior às dinâmicas escolares e tem também muito a ver, no plano da formação profissional, com o lugar e o papel formativo que é reservado ao desporto. Por melhores intenções e programas se não há professores envolvidos, mobilizados e motivados pelo desporto não há volta a dar. E a se a sua formação não vinca esta dimensão do problema o papel reservado à escola no plano do desporto nacional será meramente lateral, quando muito retórico.
Nos últimos anos, algumas experiências de ligação da escola a modalidades desportivas tiveram resultados positivos. Importa, por isso, aprofundar essa ligação e aproveitar o que ela potencia. Para a escola e para o desporto. A menos que se pense que alterar a qualidade do desporto nacional é uma questão de fé para além da realidade das experiências desportivas que se proporcionam às crianças e aos jovens. Se assim for o que o país precisa não é de mais desporto e de mais competências na sua administração e organização mas apenas da inspiração divina e da presença de um qualquer avantar semeador de ilusões.





3 comentários:

Luís Leite disse...

Enquanto professor, passei, ao longo de mais de 3 décadas, por 11 escolas.
Embora sendo membro do grupo das Artes Visuais, a minha forte ligação ao Desporto tornou-me um observador, sempre interessado, pelas atividades curriculares e extra-curriculares na área da Educação Física e do Desporto Escolar.
A minha opinião é a de que com o andar dos tempos, passou-se das aulas de ginástica (com pouco desporto) para a motricidade humana (com algum desporto) como práticas curriculares centrais.
O modo como os programas são cumpridos depende muito dos interesses primordiais de cada professor.
Nos últimos anos, verifiquei a importância que é dada por alguns professores ao ensino das danças tradicionais (agora no currículo), em detrimento da formação desportiva.
Noutros casos, treinadores de uma modalidade quase limitam a atividade com os alunos à prática da mesma.
Poucos se preocupam coma deteção e encaminhamento de talentos.
Apenas mais uma curiosidade:
Nos últimos 10 anos, nunca tive um único aluno que soubesse quem eram Carlos Lopes e Rosa Mota.

Anónimo disse...

Barbaridades de quem não sabe o que diz.
Educação Fisica é um pouco diferente de desporto, daí serem abordadas danças tradicionais.
Por favor volte às artes!

Luís Leite disse...

Agora que fui apelidado de bárbaro, estou em guerra com os romanos, mas sei que os romanos estão a entrar em decadência e o seu império vai acabar.
Sou bárbaro, note-se, porque não aprendi as danças tradicionais no Liceu, qual Obélix obeso por falta de educação (física).
Não obstante, fui 3 vezes campeão nacional de basquetebol e 2 de futebol e 2 vezes campeão nacional de salto em altura da Mocidade Portuguesa em Iniciados e Juvenis.
Irei consultar os rankings mundiais de danças de salão, para ver se já temos algum par bem educado fisicamente.
Enfim, dancemos pois, para mostrar alguma educação física não desportiva.
Já agora, gostava de saber porque não educam fisicamente os alunos a cortar sebes com uma tesoura adequada ou a cavar batatas.
É que o futuro não está para danças...