Declarações recentes de dirigentes desportivos e responsáveis políticos após mais um caso de violência num estádio, desta vez numa competição profissional, voltaram a agudizar a polémica em torno do policiamento de eventos desportivos.
Em texto anterior procurou-se, no âmbito técnico, situar os circunstancialismos em torno do novo quadro regulador nesta matéria, antecipando, aliás, o avolumar de episódios que hoje ocorrem em diversas contextos de competição dada a previsível leitura economicista que logo veio a ser feita pelos seus organizadores, a qual se acentua na conjuntura que o país atravessa.
Desta forma, vários foram os casos onde os clubes anunciaram abdicar ou reduzir o contingente policial nos seus jogos. Noutra vertente, menos noticiada, concretamente em modalidades praticadas na via pública (atletismo, ciclismo, triatlo, etc.) reduziu-se o calendário de provas, ou diminuíram-se as comparticipações para acudir ao aumento dos encargos de policiamento…
Porém, o problema antes de ser técnico, é um problema de cariz político e conceptual. Trata-se da politica desportiva definir, em matéria de segurança e combate à violência associada ao desporto, onde terminam as responsabilidades dos organizadores das competições e começa a salvaguarda da segurança pública, para, posteriormente, o quadro normativo traduzir tais opções, no respeito, não o esqueçamos, de convenções europeias rubricadas pelo Estado português.
Ou seja, a partir dessa concepção - a qual não pode ser naturalmente alheia de uma abordagem politica integrada da situação desportiva e económica do país, bem como da disponibilidade dos efectivos policiais no território nacional – importa afectar os recursos e as competências necessárias para garantir o cumprimento das disposições legais, no domínio preventivo, repressivo e sancionatório, clarificando à partida quais os níveis competitivos onde os dinheiros públicos comparticipam o policiamento - se é que tal comparticipação se justifica – e onde, e como, são exigidas maiores responsabilidades ao movimento desportivo e aos agentes educativos.
Ora, pela voz do titular da pasta da Administração Interna (!?), esclarece-se a orientação estratégica de politica desportiva a este propósito:
«…"Quem organiza o jogo é responsável pela segurança e sempre foi assim. Pode requisitar ou não o policiamento, e sempre foi assim".
(…) o objetivo da nova legislação - "à semelhança, aliás, do que acontece noutros países europeus" - é apenas "caminhar progressivamente para a dispensa de policiamento nos escalões mais baixos, dos infantis e juvenis".
(…) o objetivo da nova legislação - "à semelhança, aliás, do que acontece noutros países europeus" - é apenas "caminhar progressivamente para a dispensa de policiamento nos escalões mais baixos, dos infantis e juvenis".
Atribuindo essa estratégia à intenção de reduzir as despesas dos clubes, o governante refere que a medida tem também carácter pedagógico, procurando impedir que, no período de formação da personalidade dos atletas mais jovens, o universo do desporto fique associado à imagem das autoridades policiais.
"É para não associarem, desde a mais tenra idade, a prática desportiva a questões de segurança", explicou o ministro(…)»
A legislação actual tipifica, em três níveis sancionatórios (penal, mera ordenação social e disciplinar) o espaço de intervenção dos agentes judiciais, administrativos e desportivos. A todos eles são atribuídas responsabilidades para agir neste âmbito. Terão os meios necessários para o seu competente exercício? A realidade tem falado por si.
Ora, desconhecendo-se uma intervenção consistente de prevenção sócio-educativa no combate a estes fenómenos de violência junto de adeptos e da população em idade escolar e mantendo-se as disfuncionalidades ao nível sancionatório - começando na extinção do Conselho para a Ética e Segurança no Desporto, passando pela aguardada alteração ao regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos anunciada no artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 266-A/2012, e terminando nas crónicas limitações das autoridades judiciárias e de policia criminal em aplicarem, "à semelhança, aliás, do que acontece noutros países europeus", as medidas de interdição de acesso a recintos desportivos – afigura-se essencial nas decisões que se tomam, nas medidas que se anunciam e nas declarações que se proferem, caso realmente se pretenda traçar uma rota de mudança, ter isto bem presente no seu espectro de intervenção e assim proceder a um exame de consciência a partir da seguinte questão:
Alguém que habitualmente frequente os espaços de prática desportiva deste país, nos seus vários níveis de competição e modalidades, acredita estarem reunidas as condições mínimas para, no presente contexto desportivo e socioeconómico, generalizar-se o arbítrio para a dispensa de policiamento, procedendo-se à efectiva responsabilização dos promotores e à punição dos prevaricadores, de modo a progressivamente tornar estes espaços, não apenas locais seguros mas também palcos privilegiados para potenciar o retorno económico dos eventos e se manifestarem os valores culturais e educativos que dão forma ao desporto enquanto instrumento de formação cívica que importa estimular?
2 comentários:
Mas não há um Plano Nacional de Ética, ao mesmo tempo?
Faltam a todos os «planos de ética», para serem efetivamente eficazes, aquilo que venho propondo desde 1994. E que realizei na prática em 1993 e 1994, em parceria com a Direção Regional de Educação do Algarve, e com cerca de 100 professores do Algarve (que valeu até um louvor do Conselho Nacional para a Formação Contínua de Professores).
Todos os «planos de ética» feitos em Portugal (por todos os governos) são panfletários, são cartazes a indicar como as pessoas se devem comportar, com pseudo-especialistas a falar para plateias, em que há um emissor do saber e recetores passivos de teorias, de preferência com muitos autocolantes, folhetos, e livros. Ou seja, muita teoria e moral sobre «ética» que uns dão aos outros. Esse caminho está votado ao fracasso. Não é eficaz. É um caminho incompetente. É uma forma de dar visibilidade e protagonismo a alguns desconhecidos, mas é um caminho desperdiçador de recursos e destruidor de expectativas.
Escolhem-se os amigos, os colegas de universidade, quem está mais próximo, os que sempre organizaram os outros «planos de ética». Em vez de escolherem os «profissionais de educação física e desporto» e os «atletas/praticantes» que estão nas Escolas enquanto autores e executores do «plano».
Volto a repetir novamente. O erro que é cometido vem do não cumprimento de duas regras básicas. Primeira Regra: «O Desporto em si mesmo já é uma Ética, não necessita que lhe acrescentem mais moral ou ética em termos gerais, vindas de outras disciplinas académicas» Segunda Regra: «um Plano de Ética do Desporto executa-se e faz-se na sala de aula de desporto e educação física, durante a prática concreta do desporto, e não em palestras e conferências».
A «Ética do Desporto» é um tipo de ética diferente da «Ética em termos gerais, filosóficos, morais, ou outros». Quem usa a designação “Ética no Desporto” não percebe do que está a falar. O Desporto ao ser em si mesmo «um tipo particular de Ética» obriga a que se diga «Ética DO Desporto».
Será que é desta que aprendem? Por quanto tempo mais se terá que esperar por um Plano de Ética do Desporto competente e eficaz?
Haja pachorra. Porque é de um Portugal mais competente e melhor, feito por pessoas diferentes das que o têm feito, que falta.
Talvez
Num país onde pura e simplesmente deixou de haver policiamento nas ruas e em que a polícia é sempre a última a chegar em caso de assalto ou acidente, por que razão o futebol deverá ser privilegiado?
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