segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Em tempo de nova visibilidade

Volto ao assunto já aqui tratado por outros companheiros: o anúncio por parte de Federação Portuguesa de Desporto para Deficientes e do governo (!) da criação do Comité Paralímpico de Portugal. Mas para reflectir para alem do facto anunciado.
É consensual que a problemática dos cidadãos portadores de deficiência pede à sociedade, politicas de discriminação positiva, que atendam à sua situação especial e que procurem reduzir os factores de desigualdade de oportunidades quanto à sua vida em sociedade. É um problema complexo porque a população portadora de deficiência é extremamente heterogénea, com graus de autonomia diversos e colocando tipos de problemas distintos. Mas é também um problema que tem tido soluções satisfatórias em outros países. Aprender com eles não custa muito.
O desporto e as actividades físicas em geral são reconhecidamente um meio excepcional no contributo ao trabalho com cidadãos portadores de deficiência. Ajudam à sua integração enquanto pessoas, mas também são um meio preventivo e terapêutico na redução de algumas das sequelas resultantes de patologias existentes. É, por isso, uma questão que está para além do problema do rendimento desportivo. O caso dos jogos paralimpicos e o aproveitamento que é habitualmente feito, corre o sério risco de secundarizar as razões fundamentais para a presença do desporto junto destes cidadãos. As organizações representativas dos cidadãos portadores de deficiência são as primeiras a aproveitar o balanço dos “paralimpicos”.É natural. Sabem que ao fazê-lo ganham uma visibilidade que jamais alcançariam, mesmo que o seu trabalho fosse, como o é na grande maioria dos casos, socialmente relevante. Mas, a prazo, os possíveis efeitos perversos desta situação impõem-nos prudência e algum distanciamento crítico.
O reconhecimento da importância das práticas do desporto para os cidadãos portadores de deficiência coloca um quadro de exigências que pede responsabilidades a todos. Poderes públicos, associativos e privados devem caminhar no sentido de se criarem condições que permitam aproveitar as enormes potencialidades do desporto a favor dos cidadãos portadores de deficiência. Mas também a reduzir os factores que impedem uma adequada assunção do princípio da igualdade de oportunidades perante o direito de todo o cidadão ao exercício da prática do desporto. O que requer, não apenas a aceitação da diferença entre indivíduos, mas também a aceitação de diferenças perante as várias dimensões da prática do desporto.
A adopção de modelos de desenvolvimento desportivo centrados prioritariamente na dimensão competitiva do desporto, corre o sério risco de acentuar novas formas de discriminação. Ao se acolher os melhores numa lógica selectiva, rejeitam-se a grande maioria, porventura, e apesar de tudo, os mais necessitados de usufruírem de uma prática desportiva sistemática. As políticas desportivas construídas e centradas predominantemente na obtenção de resultados em competições, serão sempre poucas em relação aos restantes, que são muitos.
Uma atenção especial à prática desportiva de competição não deve prejudicar o objectivo essencial de generalizar e democratizar a prática do desporto. Não apenas no plano da competição, mas também nos domínios da recuperação, da recreação e do lazer. Pede-se, neste particular, uma nova cultura e sensibilidade desportivas, percebendo que também no desporto para cidadãos portadores de deficiência muito se decide no domínio da dimensão cultural do desporto e do entendimento que ele deve estar ao serviço de todos.
Na situação actual sabemos que não é fácil às organizações representativas evitarem uma prática do desporto que procura copiar os modelos dominantes. É este modelo que as mobiliza porque é um modelo que, apesar de tudo, lhes dá visibilidade. Mas a prazo serão confrontados com objectivos alcançados, que não corresponderão aos interesses daqueles que representam. Os vícios e os excessos que passam pelo desporto contemporâneo transportar-se-ão para o desporto para deficientes agravando a sua própria possibilidade de desenvolvimento. O que agora é um ganho ( o aumento da visibilidade)pode transformar-se a prazo num problema maior ( o aumento da exclusão).E esse é um risco que deve ser evitado. Dando atenção aos que pretendem competir ao mais elevado nível desportivo mas nunca esquecendo o desporto para os restantes. Que são afinal a maioria.

6 comentários:

Anónimo disse...

É como a história do ovo e da galinha.

Onde começam os da alta competição?
Não é n'"o desporto para os restantes?"

Onde está o problema?
Tanta prosa que podia ser resumida num parágrafo...

Anónimo disse...

Existem coisas que o comum dos mortais não enxerga.E isto pode ser resumido num parágrafo e aplica-se bem ao anónimo das 17.15h.

ACC

Anónimo disse...

Estes dois comentários anteriores são muito esclarecedores e um grande contributo para o debate (!!!)... já não há paciência.:( Anónimo ou ACC ou...

Anónimo disse...

O José Constantino tem razão
A análise económica mostra que o valor do desporto para todos é superior ao da alta competição.
Os resultados das contas são intuitivos. O mesmo se passa nos paraolimpicos e nos deficientes.
Se cem praticantes de alta competição movem alguns milhões de euros se tivermos 1 milhão de praticantes a investirem 10 euros por cabeça o valor alcançado é igual a 10 milhões de euros.
O investimento público português preferindo a alta competição e o desporto profissional impede a geração de valores económicos mais elevados prejudicando as empresas que se situam a jusante e poderiam beneficiar desse esforço eficaz em regra desenvolvido pelo associativismo de base.
A criação de uma organização ao nível de Comité Olímpico para os paraolimpicos relaciona-se também com a tradição portuguesa de criação de instituições sem se saber exactamente a que fim se destina e se não era melhor usar medidas alternativas que beneficiassem ainda mais a população e os seus atletas de topo.

Anónimo disse...

Já dizia o poeta numa carta a um amigo, pedindo-lhe desculpa de tão grande a missiva pois não tinha muito tempo para a escrever mais curta.

Assim o fez em parte o anónimo das 17:15, ainda que em mais do que um parágrafo.

Já o autor do texto assim não fez.
Apresenta um texto um pouco longo e que aborda diferentes e importantes conteúdos do Desporto para Deficientes. Talvez se Prof. JMC resumisse as suas preocupações à "história do ovo e da galinha", o texto não necessitasse de tanta prosa.
Mas as preocupações abordadas não devem ser confundidas como de pormenores sem importância se tratassem perante tão difícil dilema que só os Deuses poderão, quiçá, resolver. Estas inquietações reflectem problemas reais e com elevada importância e que dizem respeito a ser humanos ainda que portadores de deficiências. Problemas que assim se queira não são de resolução difícil. Problemas que resolvidos serão um investimento quer a nível humano, social e económico.

Ignorar os problemas da grande maioria dos portadores de deficiência por um lado e bater palmas às medalhas dos deficientes acompanhando até com umas lágrimas a rolarem pelo rosto para se tomar o sabor salgado, não é sensibilidade, muito menos humanidade... quanto mais poderá ser má fé e hipocrisia.

Anónimo disse...

"Que são afinal a maioria"... silenciosa.