Publicita-se, com o devido agradecimento, o texto de Luís Leite na "Revista Atletismo", nº 334/335, Setembro/Outubro de 2009, pág. 7.
…Ou uma terrível sensação de frustração e saturação de alguém que não está nem esteve “agarrado” a funções federativas nem quer voltar a tê-las, mas se envolveu demais, por paixão à modalidade.
Portugal continua um país periférico e inculto, uma partidocracia em que a justiça faliu, tal como a moral e a ética e onde as elites, em regra, tendem para formas mais ou menos subtis de corrupção e facilitismo; rareiam as excepções.
Desportivamente, é o país da bola, rodeado de futebol, de espertalhões e de negociatas por todos os lados.
Nada há a fazer; é escusado continuar a lutar, sobretudo quando a nossa saúde e a carreira profissional estão em risco e se tem a consciência tranquila de que se deu tudo, mesmo tudo, durante sete anos de trabalho intenso e fiel à instituição; quando não se faltou ao serviço ou a reuniões de Direcção uma única vez, mas em que a paciência, finalmente, se esgotou.
Felizmente, há mais vida para além da FPA, embora nas outras áreas da vida profissional as coisas também não estejam fáceis.
Felizmente, ainda há liberdade para dizer o que se pensa e quando se sai de funções, o silêncio sigiloso deixa de ser obrigatório…
Apesar das mais de 200 medalhas conquistadas, sucesso relativo difícil de avaliar comparativamente com outros países de dimensão similar no atletismo, mas evidente na comparação interna com as outras modalidades individuais, fruto do trabalho persistente e quase incógnito de muita gente, analisemos os porquês desta demissão:
RAZÕES CONJUNTURAIS E ESTRUTURAIS EXTERNAS
1) Incompetência continuada da administração pública desportiva nacional, regional e local, claramente populista e demagógica nas opções políticas, nas promessas e nos procedimentos, com particular gravidade no que respeita à aprovação, financiamento e licenciamento das instalações desportivas com particulares responsabilidades para o legislador, para o IDP e para o QCA/CREN; as pistas com condições satisfatórias para treino e competição são poucas e quase todas muito ventosas; muitas têm relva sintética e/ou não possuem apetrechamento; a maioria das pistas encontra-se muito degradada e sem renovação à vista; vários distritos não têm uma única pista em estado aceitável e apetrechada; a situação agravar-se-á significativamente nos próximos anos;
2) Incompetência crescente do Comité Olímpico de Portugal, claramente, envelhecido e desactualizado, onde os protagonismos pessoais e as manobras de bastidores prevalecem sobre a lógica do conhecimento e o interesse nacional; o Presidente acumula (pasme-se) com a presidência da Assembleia Plenária (!); em Julho/Agosto de 2009 ainda não havia novos critérios de integração nem financiamento à preparação olímpica (!);
3) Incompetência e inexistência prática da Confederação do Desporto de Portugal, submetida aos interesses governamentais, sem carácter representativo ou reivindicativo das Federações; uma nulidade;
4) Importância excessiva e desmesurada da modalidade Futebol na atenção da população em geral, com fortes responsabilidades para os sucessivos governos, os quais, através da comunicação social pública, contribuem, em crescendo, para a intoxicação da população com o mundo do futebol e para o aumento da iliteracia e da clubite alarve; assim se inviabiliza a divulgação das outras modalidades, dificultando intencionalmente a difusão do seu conhecimento;
RAZÕES ESTRUTURAIS INTERNAS
5) Excessiva centralização de poder na figura do Presidente da Federação Portuguesa de Atletismo (FPA), há demasiado tempo (26 anos) “dono exclusivo” da modalidade, personalidade que se descontrola facilmente e que se considera insubstituível, incapaz de descentralizar, interferindo e desautorizando os raros directores com funções executivas, sendo, na prática, o “único” centro de poder; órgãos sociais eleitos sucessivamente sem necessidade de apresentar programa eleitoral (!), à revelia dos Estatutos; consequente inexistência de estratégia para cada ciclo de quatro anos; incumprimento, desde 1994 (!) da entrega dos galardões FPA, previstos nos estatutos;
6) Inépcia quase total da Direcção da FPA enquanto órgão, a qual, contrariamente ao disposto implicitamente nos estatutos, não tem carácter deliberativo, limitando-se a reunir para ouvir longos monólogos presidenciais justificativos de decisões entretanto tomadas e relatos circunstanciais de acontecimentos passados; consequente impossibilidade de discussão aberta, objectiva e organizada dos assuntos estratégicos mais relevantes, por elementos supostamente conhecedores (?) da modalidade;
7) Excesso de amadorismo e absentismo na Direcção da FPA, não compatível com a realidade actual; necessidade de um novo modelo profissionalizado, com um número necessariamente reduzido de membros (4 ou 5), mas com distribuição de pelouros e conhecimento específico da modalidade na respectiva área de intervenção;
8) Situação financeira sempre dramática da FPA por falta de liquidez, sobretudo no primeiro semestre de cada ano, sem estratégias de solução à vista, dependente a 90% do financiamento público; incapacidade de atrair um forte patrocinador privado; enorme discrepância de valores entre os orçamentos e as contas de exercício aprovados em Assembleia-Geral;
9) Deficiente gestão, organização e coordenação dos departamentos e recursos humanos intermédios da FPA por falta de directores executivos a tempo inteiro; nítido contraste com a qualidade de vários dos quadros intermédios;
10) Retrocesso ou estagnação no desenvolvimento da maioria das Associações Regionais, as quais apresentam um atletismo de reduzida expressão nacional; basta consultar os resultados dos campeonatos distritais de pista; há mais filiados (benjamins, infantis, veteranos), mas os rankings, em profundidade, estagnam ou pioram ano após ano… A macrocefalia mantém-se.
Por fim, não estão em causa as pessoas em si, com quem, em geral, sempre tive bom relacionamento e estima pessoal, mas sim o sistema, com todas as suas falhas aqui evidenciadas, próprias de um país que, em termos de desenvolvimento, continua na cauda da Europa, sem estratégias ou soluções à vista.
5 comentários:
O exemplo acabado de que o desporto português tem problemas é o silêncio que esta carta de demissão provoca, pelo menos, neste blogue.
A carta é o lamento de alguém que acusa e que não conta a sua parte das responsabilidades. E que faz bem em não contar porque também isso pouco interessará.
Muito pode ser criticado ao Fernando Mota, como a outros líderes do desporto português públicos e privados.
O que os distingue é a produção dos únicos resultados do modelo de desporto português com relevância global. Outro dirigente no atletismo poderia alcançar os resultados do Fernando Mota? Talvez, a questão é que na competição directa pelo lugar de Presidente da
Federação Portuguesa de Atletismo em sucessivos actos ele é que tem vencido as eleições e os resultados desportivos e os escassos resultados olímpicos durante o período de que é acusado, foram os da modalidade que deu aos portugueses resultados certos e consistentes.
Não tenho dúvidas que se o desporto português tivesse tido outras condições, outro modelo, políticas e fóruns de discussão competitivos, os resultados do desporto português seriam melhores e os do atletismo não ficariam atrás.
Se o Fernando Mota enquanto presidente da modalidade que tem produzido os melhores resultados olímpicos entre outros tem este nível de crítica o que acontecerá nas restantes modalidades?
A questão fundamental a fixar para o futuro é a necessidade de condições de competitividade entre as federações na produção de desporto para a população em todas as suas dimensões.
A incapacidade do COP e da CDP são paradigmas conhecidos das nossas limitações estruturais.
A subsídio-dependência sendo verdadeira é a condição de subsistência que sem ela não teria permitido os resultados desportivos alcançados ao longo dos 26 anos de que FM é acusado persistir.
O dinheiro que se dá por contrato-programa tem objectivos concretos de domínio e estrangulamento. Mas isto o demissionário não fala.
Ou seja, as razões da demissão é um assunto que não deveria ter saído onde foi gerada porque é um erro cortar cabeças dos dirigentes associativos para acertar outro qualquer modelo de produção desportiva. Este modelo alternativo e maravilhoso é do mesmo calibre do actual, com o perigo de ser um cheque em branco num futuro desconhecido.
Se o demissionário não consegue fazer frente aos monólogos do presidente ele fez bem em sair. O debate e o diálogo para um novo modelo de desporto português far-se-á entre aqueles com argumentos mais fortes e que com maior razão o conseguirem esgrimir em democracia.
Oxalá o Atletismo não deite fora com a água do banho o que construiu ao longo de trinta anos.
O Desporto e o Atletismo português necessitam do Fernando Mota.
A reforma do modelo de produção do desporto português é o fracasso privado e público que o modelo arrasta desde os anos oitenta.
O Sr. Tenreiro não faz a mínima ideia do que se passa no Atletismo.
Julga que é o Fernando Mota que ganha as medalhas?
A Federação de Atletismo é muito grande e nela trabalha muita gente.
Por acaso, o demissionário coordenou e liderou durante 5 anos uma equipa que criou as condições para a conquistar 46 medalhas só em grandes competições internacionais.
Uma coisa nada tem a ver com a outra.
Informe-se, falando com as pessoas do Atletismo.
Luís Leite
Um divórcio é um divórcio!
O Luís Leite fala como o anónimo que por aqui costuma andar.
Ninguém sozinho ganha 46 medalhas e para provar que essa marca extraordinária é de facto sua, tem de deixar passar 5 anos e depois se não houver novas 46 medalhas então há uma hipótese de ter razão.
Posso-lhe dar exemplos de organizações desportivos onde os presidentes fazem monólogos e cometem os erros que você diz, mas ninguém anda por aí a apregoá-lo.
Voce é que pode dizer se o que anda a fazer é bom para o Atletismo e para si.
Este divórcio é um acto isolado como todos os divórcios.
Deixe passar o tempo... guarde o que tem para dizer para si próprio.
Tente compreender o que de mais profundo se passa no desporto, e que refere na primeira parte do seu documento.
A não ser que... queira ser o Vizir, no lugar do Vizir.
Nesta última hipótese, que o espírito e o corpo não lhe cansem, porque vai ter um trabalhão.
Boa Sorte!
Relativamente às medalhas, a conversa parece-me que está um pouco deslocada.
Sem dúvida nenhuma que os dirigentes são fundamentais, mas os atletas é que ganham as medalhas!!
Como já disse, dirigentes são uma das "peças da máquina" que permite aos atletas alcançar as medalhas que tanto orgulham o país e que fazem tão bonitas fotografias. Mas não é por divergências directivas que o atleta treina ou não treina.
Os dirigentes entre outras funções, garantem, tentam ou deviam tentar, que os melhores atletas têm o que necessitam para alcançar o sucesso desportivo.
Mas quantas vezes a resolução de problemas se arrasta durante semanas, meses e até anos, sem que os dirigentes consigam resolver esses problemas?
Talvez porque quem escreve já há muito deixou de ser atleta, mas muitas das vezes que leio noticias desportivas, e quando há referência aos dirigentes, a ideia com que por vezes fico, é que os dirigentes é que ganham as medalhas...
Deste meu comentário, não pretendo atingir Luís Leite, pois conheço o seu trabalho e muito fez pelos atletas.
Era sem dúvida nenhuma uma mais valia para o Atletismo.
Quanto às palavras que F. Tenreiro insiste em por na minha boca (ou teclado) sem que as tenha dito ou escrito, não faço mais comentários e discordo no essencial daquilo que defende: os dirigentes não devem ser postos em causa e muito menos Fernando Mota.
Quanto ao que P. escreve, obviamente quem ganha as medalhas são os atletas, ajudados pelos seus treinadores, clubes e, cá em Portugal, pelas estruturas federativas. Se falei no meu curriculum, foi para mostrar que não não sou um demissionário qualquer nem renego as minhas responsabilidades no que de bom ou mau foi feito, designadamente na área da alta competição, que efectivamente liderei, com enormes constrangimentos e dificuldades.
Luís Leite
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