terça-feira, 15 de setembro de 2009

Contas com leis

Anónimo a cavalo de um texto sobre as claques – sobre o qual nada diz, embora aí se afirmasse algo sobre uma novel solução legislativa –, ofereceu-nos um entusiástico balanço da iniciativa legislativa do XVII Governo Constitucional. E o fervor é tanto que é legítimo suspeitar que o anónimo se trata, a final, do próprio membro do Governo ou de algum dos seus porta-vozes.

O anonimato começa por nos dar conta da «parte desportiva» do Conselho de Ministros do passado dia 5 de Agosto.
Nessa reunião, o Conselho de Ministros aprovou os seguintes diplomas:

a) Decreto-Lei que estabelece as medidas específicas de apoio ao desenvolvimento do desporto de alto rendimento;
b) Decreto-Lei que estabelece a responsabilidade técnica pelas actividades físicas e desportivas desenvolvidas nas instalações desportivas;
c) Decreto-Lei que estabelece o regime jurídico dos contratos-programa de desenvolvimento desportivo.

Depois da notícia, assim fala (?) o anonimato:

Assim, quase seja ao fim, em 4 anos apenas, a maior e mais profunda reforma legislativa no sector do Desporto na história da democracia portuguesa.
De um lado, a propaganda e o ataque pessoal. Do outro lado, os resultados e a obra efectivamente feita.
À vista de todos sem embustes mediáticos, nem montagens televisivas, ou bloguistas.
Digam lá, ò doutos de vocês da Colectividade, no fundo da vossa consciência, se o truque político das «oposições» não foi tentar esconder do Povo estes resultados, e esta capacidade de realizar, com os insultos e os ataques pessoais?
A sério?”

Colocando de parte o que só interessa ao anonimato, centremo-nos, serenamente, no destaque que efectuámos, para a seu propósito tecermos algumas considerações.
Olhando, por ora, somente a quantidade, quanto errado está o anónimo.
Caso me esqueça de alguma medida legislativa, estou certo que o anonimato me corrigirá.
Assim temos:

1. Lei nº 5/2007, de 16 de Janeiro (Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto), a qual determinava, no seu artigo 51º, que a sua regulamentação, nas matérias que não sejam reserva da Assembleia da República, deve ser objecto de regulamentação, por decreto-lei, no prazo de 180 dias;
2. Decreto n.º 4-A/2007, de 20 de Março, que aprova a Convenção Internacional contra a Dopagem no Desporto;
3. Decreto-Lei nº 169/2007, de 3 de Maio, que cria o Instituo do Desporto de Portugal, acompanhado de duas declarações de rectificação do seu texto – uma publicada em 15 de Junho e outra a 2 de Julho –, existindo, assim, por via delas, no espaço de dois meses, três regimes de exercício de funções para os dirigentes do IDP;
4. A Portaria nº 662/2007, de 31 de Maio, procedeu à aprovação dos Estatutos do IDP, todavia, um ano depois, a Portaria nº 573/2008, alterou tais estatutos dado que a “experiência entretanto colhida demonstrou que a estrutura interna dos serviços centrais carece, ainda, de pequenos ajustamentos que visam garantir uma melhor adequação desta estrutura à prossecução da missão e atribuições do IDP, I. P.”;
5. Decreto-Lei n.º 315/2007, de 18 de Setembro, que veio estabelecer as competências, composição e funcionamento do Conselho Nacional do Desporto; o seu texto viu-se rectificado em 26 de Outubro e já em 2009 foi objecto de alteração por via do Decreto-Lei n.º 1/2009, de 5 de Janeiro;
6. A Lei n.º 50/2007, de 31 de Agosto, veio estabelecer um novo regime de responsabilidade penal por comportamentos susceptíveis de afectar a verdade, a lealdade e a correcção da competição e do seu resultado na actividade desportiva;
7. O Decreto-Lei n.º 248-A/2008, de 31 de Dezembro, ocupa-se da Actividade de treinador de desporto;
8. O Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de Dezembro, estabelece o regime jurídico das federações desportivas e as condições de atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva;
9. O Decreto-Lei n.º 10/2009, de 12 de Janeiro, estabelece o regime jurídico do seguro desportivo obrigatório;
10. O Decreto-Lei n.º 141/2009, de 16 de Junho, estabelece o regime jurídico das instalações desportivas de uso público;
11. A Lei n.º 27/2009, de 19 de Junho, estabelece o regime jurídico da luta contra a dopagem no desporto, diploma já rectificado a 4 de Agosto;
12. A Lei n.º 39/2009, de 30 de Julho, estabelece o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança.

De boa vontade aditamos os três que anunciou.
Ora, a “marca alcançada” parece-nos ficar bem atrás da obtida pelo XIII Governo Constitucional, liderado por António Guterres, não havendo legitimidade, assim se crê, para homologar o record pretendido.
Eis alguns dados da “maior e mais profunda reforma legislativa no sector do Desporto na história da democracia portuguesa”:

1996 – Reforma da Lei de Bases do Sistema Desportivo, criação do Gabinete Coordenador do Desporto de Escolar, alteração do diploma sobre o apoio à alta competição;

1997 – Diploma sobre a prevenção e combate à dopagem, regime de segurança social especial para o basquetebol (algo agora nunca alcançado para o andebol, em manifesta violação do princípio da igualdade), portaria sobre o regime de alta competição, diploma sobre os clubes de praticantes, diploma sobre as associações promotoras do desporto, regime jurídico das sociedades anónimas desportivas, regime fiscal das sociedades anónimas desportivas, alteração do regime jurídico das federações desportivas, diploma sobre a instalação e funcionamento das instalações desportivas de uso público, criação de três institutos públicos na área do desporto (IND, CAAD e CEFD), criação do Conselho Superior do Desporto;

1998 – Lei sobre a violência no desporto, lei do contrato de trabalho desportivo e do contrato de formação desportiva, portaria sobre a livre entrada nos recintos desportivos, três portarias relacionadas com o regime da alta competição e plano oficial de contabilidade para as federações desportivas, associações e agrupamentos de clubes;

1999 – Diploma sobre o enquadramento da formação desportiva, decreto-lei sobre medicina desportiva, estatuto do mecenato, decreto-lei sobre o regime de responsabilidade técnica nas instalações desportivas, qualificação das competições desportivas profissionais e regime disciplinar das federações desportivas.

E, na actualidade, o vento soprou a favor, pois não havia, na altura, maioria absoluta.
Mais. O resultado agora obtido não foi em 4 anos apenas.
A primeira reunião do Conselho de Ministros do XVII Governo Constitucional teve lugar a 17 de Março de 2005 e, como é público e notório, esta legislatura viu-se alongada no tempo para além dos quatro anos.
Ao invés, o XIII Governo Constitucional (1995-1999) tomou posse a 28 de Outubro de 1995 e a 25 de Outubro de 1999 tomava posse o XIV.
Aqui sim, apenas quatro anos.
Eis o exercício quantitativo. Pela extensão, as desculpas. Mas sempre fica um registo.
Voltaremos para outros.

11 comentários:

Anónimo disse...

É possível que tenha razão, mas não sei qual é.

Fiquei baralhado e não entendi o estudo comparado entre Sócrates e Guterres na matéria que foca.

Não sou do governo.

Anónimo disse...

Boa, Dr. Meirim!

De certeza que deve ter sido o senhor dr. a fazer o trabalho do Governo de António Guterres.

Não deixe de fazer valer as suas razões!!!

Anónimo disse...

É possível que o Anónimo das 0:18 não tenha razão, nem sei qual a razão da sua afirmação.

Que eu saiba, o Dr. Meirim não trabalhou no Governo de António Guterres.

Continuo a não ser do Governo.

Anónimo disse...

Que eu saiba, o Dr. Meirim não trabalhou no Governo de António Guterres.

Não?!

Anónimo disse...

Não percebo este critério de Meirim ao comparar a obra legislativa dos Governos Guterres e Sócrates.

É que não se pode comparar, por exemplo:

- portarias (Guterres) com leis e decretos-leis (Sócrates);

- alterações pontuais da Lei-Quadro do Desporto (Lei 19/96) com a nova Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto;

- alterações limitadas do regime jurídico das federações desportivas (Dec-Lei nº 111/97) com um novo e inovador Regime Jurídico das Federações Desportivas (Dec-Lei nº 248-B/2008);

- portarias de extensão de determinado regime da segurança social para o basquetebol com o novo Código Contributivo que implicou uma revisão global do regime da segurança social; etc...etc...

É verdade que o Governo Guterres, não obstante, veio introduzir grandes (e profundas)inovações ao regime jurídico do desporto. Por exemplo, aquele Governo foi o primeiro a legislar seriamente sobre as sociedades anónimas desportivas (Dec-Lei 67/97), acabando com o nonsense de um diploma, do PPD/PSD, publicado apressadamente nas vésperas das eleições de 1995 e cheio de erros técnicos (o Dec-Lei nº 146/95)... Mas a obra legislativa do Governo Guterres, se bem que muito importante, não se compara, nem de perto, nem de longe, com a que foi realizada pelo Governo Sócrates.

Como quer que seja, o trabalho dos Governos Guterres ou Sócrates, no plano qualitativo e quantitativo, levam a palma, com uma diferença de anos-luz, ao trabalho dos Governos do PSD/PPD, neste domínio. Em termos tais que hoje se poderá afirmar que a regulamentação jurídica do desporto, em Portugal, beneficia actualmente, nos seus múltiplos aspectos, de uma orientação eminentemente socialista.

Felizmente!

Anónimo disse...

Entendi.

Afinal tratava-se de uma guerra de extermínio entre dois antagonistas... equívocos, isto é,

Guterres+Sócrates

versus

PSD+PPD

fernando tenreiro disse...

Houve outros registos do JMMeirim

Um deles foi a resposta das federações ao novo regime jurídico.

Actualmente faz uma leitura quantitativa que foi sugerida pelo anónimo.

O anónimo agora não gosta da comparação.

Entre os dois, o primeiro surge com maior interesse porque atesta a eficácia do acto legislativo.

O segundo acto enquanto medida de produção vale por si mesmo.

Quanto do segundo é produção para o 'boneco'?

Fazer mais nem sempre se concretiza em fazer melhor, servir melhor o produtor e o consumidor desportivo.

Quanto da antiga produção legislativa teve impactos positivos na produção desportiva? Quanto da nova produção legislativa vai ter impactos positivos na produção desportiva?

Acontecendo que os indicadores de produção desportiva nacionais estejam abaixo da média europeia, como mera hipótese de discussão, pergunta-se: a nova produção legislativa vai ter impactos na aproximação nacional a essa média? Como, de que forma e em que valores?

A preocupação económica pode colocar-se da seguinte forma:

Com a nova legislação os produtores vão produzir mais e melhor desporto e os consumidroes portugueses vão conseguir obter mais produto desportivo com os meios escassos que têm à sua disposição?

Os atletas portugueses vão conseguir os ganhos críticos técnicos necessários para a competição ao nível de excelência a que se candidatam?

A minha sugestão ao direito do desporto é que faça uma apreciaão económica aos seus produtos.

Anunciar que se faz é uma coisa, a outra é a resposta dos agentes e do mercado às boas intenções dos legisladores.

Não executar a leitura crítica dos actos legislativos é uma falácia do modelo de desporto português.

Por isso, as crónicas de JMMeirim sobre a reacção das federações é um primeiro passo útil para o sucesso do nosso desporto. Sendo que a comparação quantitativa do output é igualmente um indicador interessante que lhe deve ser agregado.

Anónimo disse...

As perguntas de Fernando Tenreiro, sempre com o seu ar falsamente neutro e falsamente objectivo, só são dirigidas à legislação produzida pelos Governos PS.

De facto, Tenreiro não fez, não faz, nem fará tais perguntas à legislação desportiva produzida pelos Governos PSD.

Mas, em vez de fazer perguntas vagas, obscuras, que muitas vezes apelam para respostas que sempre se poderão acusar de facciosas, talvez Tenreiro pudesse responder a questões bem concretas. Por exemplo:

- considera, ou não, que a reforma do regime jurídico das federações desportivas, ao estabelecer o princípio de "um homem/um voto" veio contribuir para uma maior voda democrática das federações desportivas? Ou será que, tal como o dr. Meirim, está "inibido" de se pronunciar sobre esse aspecto concreto?

- acha, ou não, relevante, para a análise utilitária dos diplomas, a posição publicamente expressa pelos seus destinatários, por exemplo, no caso do novo regime jurídico do alto rendimento, sobre o qual, aliás, o Nuno Fernandes, não obstante muito instado, nunca escreveu - porque não quer fazer elogios públicos ao Governo?

fernando tenreiro disse...

Vamos lá a ver, eu não tenho problemas em reconhecer o mérito.
Uma coisa diferente é o excesso de direito que escreve desporto por linhas tortas.
Posso garantir-lhe que o desporto português está entre os sistemas desportivos mais pequenos e ineficientes da Europa.

Acabamos por cair sempre na mesma situação, por um lado, até parece que os governos e os partidos não têm economistas da sua confiança para tratarem do desporto. Por outro, existem pessoas que quando lhes chega às mãos um documento económico ou aparentado, pensam logo como é que hão de o inutilizar e fazem isso durante toda a legislatura. Ou então face a um problema, a solução encontrada é o despacho, o decreto ou a lei, saído de mãos de fada.

Tudo bem! Ou seja, tudo mal. O resultado é que o desporto português é pequeno e ineficiente no contexto europeu, em todo o período em que se produzirem resmas e resmas de legislação maravilhosa. Nenhum direito diz qual a eficiência da produção desportiva. A única forma de actuar é como fez o JMMeirim e que sem usar sequer qualquer instrumento económico com comparações simples chega a conclusões diferentes. Outras soluções seriam possíveis.

Os elogios dos interessados são úteis mas podem não dar os resultados objectivos que acontecem no terreno e como vão depois actuar. Uma coisa é o que dizem a outra é o que depois fazem. Todos agem assim e, por isso, é que devem ser feitos estudos independentes.

A questão de um homem um voto, parece interessante mas não estou por dentro do dossier e não vi análises independentes que demonstrem haver problemas sistemáticos no interior das federações e recomendem um homem um voto. Se você acha que é importante tudo bem. A minha preocupação económica seria outra: como colocar as federações a competir umas com as outras para conseguirem o máximo de produto desportivo com menos recursos públicos e mais recursos privados?

Quanto ao PSD, parece-me que esse é o seu problema. Está sempre a falar do PSD…

O meu desafio é como colocar os agentes desportivos a produzirem mais e melhor produto. Nesta óptica não enjeito a discussão do output da legislatura.

Anónimo disse...

Quanto ao PSD, parece-me que esse é o seu problema. Está sempre a falar do PSD…

Pois, pois. É talvez para contrabalançar aqueles que, sem nunca "falar" do PSD, na realidade não "falam" de outra coisa que não seja o PSD...

Anónimo disse...

A única forma de actuar é como fez o JMMeirim e que sem usar sequer qualquer instrumento económico com comparações simples chega a conclusões diferentes.

Quais?! Quais "conclusões" diferentes?!!