quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

As elites:do yuppismo cavaquista ao socialismo armani

Quem são as elites? O grupo de pessoas que exerce uma dominação política sobre a maioria? Ou grupos posicionados em lugares de topo de diferentes instituições públicas, partidos ou organizações de classe, ou seja, aqueles que têm capacidade de tomar decisões? Ou aquelas pessoas capazes de formar e difundir opiniões que servem como referência para os demais membros da sociedade? As interrogações sobre o conceito poderiam multiplicar-se. Qualquer que seja o entendimento uma questão se coloca. Como se formam? Como atingem as posições de destaque que levam a ser entendidos como elite? Que critérios presidem à sua constituição?
Se as elites fossem constituídas pelos mais capazes, os mais aptos, os mais talentosos seriam o resultado natural do mérito, da inteligência, do esforço, do trabalho, do conhecimento, da competência. E a ser assim as sociedades livres e democráticas legitimariam este desenvolvimento natural. Mas não. As sociedades democráticas são sociedades prisioneiras de outros poderes onde a valorização do mérito carece de outras instâncias legitimadoras. A um ponto em que a legitimação formal pode ser obtida à custa da des-legitimação substantiva.
É o que se passa com os partidos políticos que para alem do seu espaço natural de representação tendem a invadir o espaço público e mediático ocupando, com os seus elementos ou afins, as posições hierárquicas que assegurem a sua dominação.
É que o que se passa com organizações de carácter religioso ou iniciático, que ausentes de qualquer sindicância pública protegem os “seus” atribuindo-lhes cargos e prebendas que de outro modo não alcançariam.
Uns e outros tendem a ocupar o Estado hegemonizando as zonas de exercício público e privatizando a seu favor a respectiva dominação. Há, infelizmente, cada vez mais pessoas que só têm o emprego que têm ou a função pública que exercem por terem quem as “apadrinhe”. Que tanto pode ser um partido, uma igreja ou uma loja. Em alguns casos acumulando filiações. O que em tempos foi a entrega a uma causa ou a determinados valores está transformado numa entrega na expectativa de favores, de lugares, de posições. Funcionam como máquinas de conquista e de distribuição do poder. Que nem sempre assim se passará não custa reconhecê-lo. Mas que é regra em elevado número de situações não pode deixar de ser motivo de preocupação.
No passado, muitas destas organizações cultivavam o elitismo e eram severas e muito rigorosas na captação e formação dos seus membros. Mas nos tempos presentes abriram-se, baixaram os critérios de selecção e deixaram que as adesões deixassem de ser por razões espirituais ou políticas e o fossem por motivos materiais e de ambição pessoal. O resultado está aí, nem sempre à vista mas mais presente do que se imagina.
A percepção desta situação é muitas vezes difusa. E a denúncia pública ainda pior. Os “esquemas” são subtis e a produção de prova bem difícil. Sabe-se, aqui e acolá, de um concurso de pessoal em que entrou quem “politicamente” convinha. Da designação para um cargo público “empurrado” por este ou aquele lobi. Das dificuldades de acesso a cargos públicos de quem não tem quem o “proteja”.
Esta observação não envolve qualquer crítica apriorística aos partidos ou outro tipo de organizações. Mas ao modo como resvalaram para espaços de pouca doutrina e de uma ambição pelo poder sem critérios de qualidade ou de mérito. Situação bem testemunhada pela ascensão à profissão de politico de jovens cuja única escola de vida são as “jotas”.
A política deixou de ser uma discussão sobre “modelos de sociedade”para ser uma luta pela conquista do poder. A geração que deu rumo à democracia e que foi forjada na resistência à ditadura tende aos poucos a acabar. E com ela o idealismo que a marcou. Com a mudança de paradigma e de geração uma nova cultura e novas elites levam anos a consolidar. O que hoje temos é um produto híbrido da modernização iniciada com o yuppismo cavaquista e bem protagonizado no hibridismo socrático da esquerda armani. As ideologias “pragmatistas”, livres de debate e discussão associados a gente “positiva” e “empreendedora”,muito “cool”, muita “rede social” mas que só consegue subir na vida através de lógicas aparelhísticas ou de seita. São o inner circle eleito. Não nutrem pelo mérito, pela seriedade e pela competência mais do que a simples retórica. Que explicam escolhas, lugares e alianças.

10 comentários:

Anónimo disse...

“A desistência das elites, substituída por uma casta de medíocres, transformou-nos numa espécie de carpideiras”

(Baptista-Bastos, escritor e jornalista).

Luís Leite disse...

Totalmente de acordo.
Falta escalpelizar o "politicamente correcto", outra das grandes armas da partidocracia em que vivemos.

Luís Leite disse...

O "politicamente correcto":
Definição: é tudo aquilo que, aparentemente, agrada às maiorias, ou seja, tudo aquilo que, supostamente, dá votos, independentemente de ser ou não útil e benéfico para a sociedade.

O politicamente correcto é um dos pilares da partidocracia. É a cartilha das Jotas.
O politicamente correcto é uma arma de manipulação dos iletrados e incultos. Usa e abusa da burocracia e da falácia. Serve-se das modas. É racionalmente perverso. Está-se nas tintas para as ideologias e para o pensamento crítico e por isso é mais utilizado pelos partidos do centrão, que meteram a ideologia na gaveta. Abomina as elites independentes. Aliás, não suporta independentes, que considera estúpidos, por não comerem na manjedoura do poder.
Está vivo e de boa saúde.

josé manuel constantino disse...

Caro Luís Leite,
Se me permite assino por baixo este seu último comentário.

ftenreiro disse...

para não ficar na mão das elites eu colocaria um outro elemento relacionado com o que é o desporto português

há uma frágil estrutura desportiva que impede a capacidade de suportar as crises e afirmar superiormente a estrutura fundamental do desporto

em portugal isso não acontece
as elites são importantes, e a sua falta nota-se na incapacidade da opinião publica do desporto afirmar o que deve e não deve ser feito

corremos o risco de andar a falar de elite em elite quando podemos e devemos ter um centro e principios que os vinculem ao bem comum

concordo com o texto

Nuno Norte disse...

Fico feliz por ler este género de comentários, indica que a democracia apesar de doente e mal tratada ainda consegue respirar e comunicar. Com 2010 à porta, com perspectivas de que seja um ano pelo menos mais positivo, com tudo aquilo que esta palavra significa, está na altura de pensarmos no que é realmente importante para nós, para a nossa Família, Amigos e comunidades onde estamos inseridos.

Anónimo disse...

O que Baptista-Bastos diz, pelo que o Anónimo das 15:26 reproduz, está na linha do que Salazar pensava:

"O nosso grande problema é o da formação de élites que eduquem e dirijam a Nação. A sua fraqueza ou deficiência é a mais grave crise nacional.Só as gerações em marcha, se devidamente aproveitadas, nos fornecerão os dirigentes - governantes, técnicos, professores, sacerdotes, chefes do trabalho, operários especializados - indispensáveis à nossa completa renovação."

In
"Salazar. O homem e a sua obra"
António Ferro
Edições Fernando Pereira
Lisboa,1982, p.296

Posto isto, continuamos, como no Estado Novo, à procura da "boa moeda".

W. C. Fields disse...

Tomei a liberdade de "linkar" este texto no meu humilde blogue.

Batista-Bastos, Balbino Caldeira, Mário Crespo, Medina Carreira, Santana Castilho, o falecido Eduardo Prado Coelho, D. Duarte Pio, Paula Teixeira da Cruz, e tantos, tantos outros, têm revelado grande lucidez e coragem nas suas posições públicas e análises.

Mas ao autor deste texto tiro o meu modesto gorro de lã! Bravo!

PEREYRA disse...

Parabéns ao autor do texto. Adorei a expressão "socialismo armani". Infelizmente é o que está a dar!

Jorge Resende disse...

José Manuel Constantino dou-lhe os meus parabéns por tão realista, oportuna e nobre crítica.