Agora sim, já posso reflectir e discutir, ainda mais profundamente e com mais propriedade, acerca dos dirigentes desportivos nacionais. Efectivamente, depois de ter participado em dezenas de formações para dirigentes desportivos, na Madeira, no norte, no sul, no litoral, e no interior do Continente, completei, no fim-de-semana passado o meu roteiro nacional contactando directamente com os dirigentes desportivos de algumas ilhas dos Açores.
Independentemente da necessidade e do rigor que estudos científicos aportarão à caracterização deste tipo de agentes desportivos, estou cada vez mais certa que não errarei muito se referenciar a realidade do dirigismo nacional como sendo masculina, podendo a população feminina rondar os 5% a 10%, de idade média entre os 40 e 50 anos e de instrução de nível médio. Contudo, mais importante do que enunciar estes e outros indicadores, o que será essencial relevar é o enorme contributo que estes agentes desportivos aportam ao nosso sistema desportivo. Trabalho deveras incomensurável, imprescindível, mas insuficientemente valorizado e reconhecido pela sociedade em geral e pelos responsáveis políticos em particular. Quando, nas sessões de formação abordo as competências, as obrigações legais e os deveres plurifacetados adstritos aos dirigentes desportivos benévolos, fico constrangida por depois aflorar os ínfimos direitos ou benefícios que tanto a legislação de 1995 como a de 2004 lhes consigna.
Há uns anos, numa das primeiras sessões com dirigentes desportivos, fui confrontada com o seguinte depoimento “quer que lhe diga o que faço no meu clube? Pois fique a saber minha senhora que faço de tudo, desde tratar e até lavar o equipamento dos rapazes, até ir sacar umas massas ao presidente da câmara. Digo-lhe mais, já passei e fiz coisas que nem pela minha família fiz, só me falta ir parar à cadeia. Deve ser por isso que me vê aqui hoje e não estou no clube, é que há três dias que estão lá uns fulanos do fisco…”.
Na altura, mesmo depois de muitos anos como praticante desportiva, não percebi cabalmente a confissão do dirigente em causa. As histórias sucederam-se, os depoimentos tornaram-se mais transparentes, e hoje estou convicta que o dirigente desportivo benévolo é o que retira tempo à sua família, ao seu lazer e ao seu trabalho, é aquele que aqui e ali financia a actividade do clube, é o que, por vezes, por força das circunstâncias, incorre em procedimentos irregulares para obter recursos e meios para a sobrevivência do seu clube.
A montante da realidade do dirigismo nacional, questiono: para quando um programa específico de recuperação e apoio ao clube desportivo? Instituição por excelência que financia verdadeiramente o desporto federado em Portugal, apesar de não assinar contratos-programa anuais com a tutela nem ter a capacidade atractiva para muitos patrocinadores contratualizarem com eles.
Utilizo as palavras de um dirigente desportivo com mais de 30 anos de trabalho voluntário que justificou a sua actividade reiterada no desporto pela honra que sentia em ser dirigente e pela noção de serviço público que continuamente prestava à sua comunidade.
Honra, serviço público, altruísmo, solidariedade, abnegação, cidadania, são palavras que não chegam para justificar e qualificar a função sociocultural e o e o contributo de cerca de 80 milhões de euros/ano destes agentes para o desenvolvimento do desporto nacional.
sábado, 1 de maio de 2010
Dirigentes desportivos, os imprescindíveis e mal amados…
publicado por Maria José Carvalho às 20:31 Labels: Agentes desportivos, Dirigentes desportivos, Lei e desporto
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13 comentários:
Tendo eu salientado há poucos dias neste blog a importância do voluntariado desportivo nos clubes, é com agrado que leio as palavras de MJ Carvalho.
Quanto a um programa governamental de apoio aos clubes desportivos, a ideia em si é boa. A dificuldade estará no processo de pôr em prática esse apoio.
Quais os critérios de valorização e como proceder à assinatura dos respectivos contratos-programa de financiamento?
Processo inexequível se for feito directamente pelo Estado, dada a quantidade enorme de clubes que se poderiam candidatar a apoios financeiros.
O sistema actualmente em vigor até nem me parece desajustado: o IDP assina contratos-programa de Desenvolvimento Desportivo com as Federações, as quais distribuem as verbas de acordo com critérios aprovados em Assembleias-Gerais, através das Associações Regionais ou Distritais (nas Federações maiores) ou directamente a clubes (nas mais pequenas).
Sinceramente não vejo outra solução exequível.
O grande problema do Desporto Português é o facto de o Estado gastar muito pouco dinheiro dos Orçamentos anuais directamente com o Desporto.
Quase nada, se não tivermos em conta certas barbaridades que têm sido levadas por diante como os Estádios do Euro 2004 e outros disparates do género.
A verdade é que a quase totalidade das verbas afectas ao Desporto têm outras proveniências, sobretudo os Jogos da Santa Casa e os fundos comunitários (QCAs e CREN).
Há também as verbas dispendidas pelas Autarquias, mas raramente essas verbas vêm da rubrica Desporto do OGE.
O Estado nunca deu grande importância ao Desporto e por isso o Desporto está no fim da lista das prioridades em termos de despesa, em sede de OGE.
O Desporto em Portugal só interessa aos políticos quando se trata de tirar partido protagonístico das medalhas ou dos grandes eventos e enquanto forma de alienação/distracção do povo.
Caro Luís Leite,
A nossa discordância está exactamente no que cada um pensa acerca do actual sistema de financiamento público ao desporto. O que para si é ajustado é para mim inadequado, injusto e ineficiente para as associações regionais e para os clubes desportivos. Apenas serve, efectivamente, para a manutenção das federações desportivas, pois bem sabemos que se algum deste financiamento chega às associações regionais, raramente ou nunca chega aos clubes desportivos.
Naturalmente, não advogo um sistema de funcionamento e de contratualização centralizado como o que vigora.
O que pensa acerca de uma maior intervenção administrativa e politica das Direcções Regionais do IDP?
O modelo centralizadíssimo de financiamento existente coarcta qualquer possibilidade de desenvolvimento regional quer das respectivas associações, quer dos respectivos clubes desportivos. Ademais com a “febre” de limitar a função das associações regionais, quem é que se preocupa e focaliza nos clubes desportivos?
Durante 3 anos, enquanto dirigente de uma associação regional, partilhei diariamente o mesmo edifício com demais associações, federações e Delegação Regional do IDP. Parece-lhe normal que nunca se tivesse realizado qualquer reunião das várias associações com a Delegação Regional, tendo por base obviamente planos de actividade e objectivos e metas a prosseguir e a atingir? E quando por nós solicitada, sempre adiada para nunca ser feita? Quem estaria mais habilitado para cooperar com as associações e respectivos clubes, assim como para fiscalizar a devida aplicação do dinheiro público?
Se tal descentralização funcionasse ganharia sustentação uma política de proximidade e uma definição clara do desenvolvimento desportivo de cada modalidade de acordo com a realidade desportiva, social e cultural de cada região e obviamente de expansão e melhoramento do desporto nacional.
Assim, continuaremos a assistir a uma vivência federativa em estagnação mas minimamente aliviada financeiramente, a um definhamento das associações regionais e a uma precariedade a todos os níveis dos clubes desportivos.
Cara M.J. Carvalho,
Como calcula, apenas conheço em pormenor o modelo de Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo em vigor na minha modalidade, o Atletismo.
Nos últimos 5/6 anos, as verbas atribuídas pelo IDP para esta área foram sempre sensivelmente as mesmas, não tendo sido nunca levados em consideração os argumentos inscritos no Plano Anual de Actividades e Orçamento da Federação.
A Federação atribuiu e atribui verbas às 22 Associações Ordinárias de acordo com critérios aprovados em Assembleia-Geral.
Cada Associação, ao receber essas verbas através de duodécimos, define como distribuir o dinheiro disponível em Assembleias-Gerais onde estão presentes os Clubes que a integram. Este parece-me ser o único modelo exequível, razoável e democrático.
Quanto às Delegações Distritais do IDP, a minha experiência de 7 anos na FPA revelou a incapacidade, desconhecimento e incompetência dessas estruturas regionais, agravada nos últimos anos pela crescente falta de autonomia financeira. Poderá haver um caso ou outro menos péssimo, mas se há eu desconheço.
Além disso, o IDP nunca se deverá meter em questões de natureza técnica específica, as quais, estatutariamente, são da exclusiva responsabilidade das Federações.
Essa não é nem deverá ser nunca a sua função.
Se eu mandasse, acabava de vez com as Delegações Regionais do IDP.
São uma nulidade, quando não nocivas ao desenvolvimento desportivo.
Quanto às Delegações Regionais do IPJ, não me posso pronunciar, por desconhecimento.
Reconheço que há uma tendência para as Federações se acomodarem e se esgotarem, muito por culpa da sucessiva prorrogação de mandatos de muitos Presidentes monarcas que se consideram insubstituíveis e manipulam totalmente todas as instâncias das respectivas modalidades durante décadas.
Esse é um (outro) grande problema do nosso Desporto.
É triste mas é verdade, é como a Dr. Maria José Carvalho diz ninguém neste País quer saber dos clubes desportivos. Isso das federações e das associações distribuirem dinheiro pelos clubes é mentira, só afirma isso quem nunca passou por um clube desportivo e nunca viveu as dificuldades diárias de suportar todos os custos.
Sou dirigente há 7 anos e no meu clube nunca recebemos financiamento a não ser da junta de freguesia, uns tostões.
António Martins
A Maria José tem razão. Mas atenção. O problema não é só do lado dos governos e das políticas de apoio ao dirigismo desportivo e aos clubes desportivos. Muitas federações desportivas e associações são as verdadeiras depredadoras dos parcos recursos financeiros dos clubes, através de taxas e pagamentos que depauperam esses clubes.Vivem encostados ao financiamento público e exploram os clubes de base.
Luís Leite, não me leve a mal, mas acredita mesmo no que escreveu? :
“Cada Associação, ao receber essas verbas através de duodécimos, define como distribuir o dinheiro disponível em Assembleias-Gerais onde estão presentes os Clubes que a integram. Este parece-me ser o único modelo exequível, razoável e democrático.
Assim deveria ser, mas a realidade não o comprova, nem no atletismo nem nas outras modalidades.
Quanto às Delegações ou Direcções Regionais e à incapacidade, desconhecimento e incompetência que lhes atribui, certamente terá razão, mas apenas porque não interessa ao poder central, delegar competências, tornar mais robustas e actuantes estas estruturas e como tal vão caindo de podres, sem politica, sem perspectiva, sem competência e sem orçamento. O centralismo que reina entre nós é provavelmente o que nos distingue do modelo espanhol e francês e por isso é que não saímos da cepa torta. E o que mais me intriga é que no nosso sistema desportivo estas questões não se discutem, não se põe em questão o modelo atávico que permanece com as mesmas estruturas e as mesmas figuras desde que me conheço no desporto.
Quanto aos mandatos, sou a favor da limitação dos mesmos onde quer que seja, entendo que apenas se deve discutir quantos e a sua duração, mas bem me recordo da reacção negativa dos dirigentes federativos quando quisemos colocar essa limitação nos estatutos da CDP.
Os meus cumprimentos,
Relativamente à chamada de atenção do JMConstantino:
"Muitas federações desportivas e associações são as verdadeiras depredadoras dos parcos recursos financeiros dos clubes, através de taxas e pagamentos que depauperam esses clubes.Vivem encostados ao financiamento público e exploram os clubes de base."
Ora nem mais, por isso é que eu escrevi no texto que o clube desportivo é a “Instituição por excelência que financia verdadeiramente o desporto federado em Portugal,..."
Bem me recordo que quando exerci funções de dirigente numa associação regional, durante 2 anos não recebemos qualquer financiamento da respectiva federação, por represália, e o nosso orçamento restringiu-se a um empréstimo contraído à banca e às receitas provenientes dos clubes.
Respondo à M.J. Carvalho:
Cada Associação Regional ou Distrital é resultado de eleições em que quem vota são os clubes.
As Associações são assim, por via democrática, emanação da vontade dos clubes.
A menos que exista outra solução melhor que a democrática, não vejo como é que um técnico regional do IDP que será naturalmente um Prof. de Educação Física escolhido pela máquina do Poder partidário, ligado a uma determinada modalidade e desconhecedor das outras poderá ser melhor solução.
Eu estive no terreno e achei péssimo.
Respondo A J.M. Constantino:
Obviamente que a maioria das Federações e Associações vivem encostadas ao financiamento público, porque a cultura desportiva em Portugal não é compatível com modelos de finaciamento privado.
Mas o dinheiro dos contratos-programa de desenvolvimento desportivo é consignado exclusivamente a esse fim através dos clubes que, recebendo directa ou indirectamente apoios de natureza diversa, têm na mão o poder de definir as regras de distribuição.
Não esqueçamos que são as Associações que, a nível regional ou distrital suportam todo enquadramento competitivo, com maior incidência no Desporto dito não Profissional.
Quanto aos Presidentes dinossáurios e correndo o risco de em tese me contradizer (a democracia pode ser perversa se for enviesada), quem tem o poder durante décadas, se for esperto e for essa a sua opção, consegue facilmente manipular estruturas federadas que são extremamente débeis e dependentes.
A limitação dos mandatos, já prevista na Lei e em vigor não passa de ilusória, já que é perfeitamente possível o actual Presidente deixar de ser Presidente e continuar a sua monarquia sentado no mesmo gabinete como Presidente da Assembleia-Geral (por exemplo), dando a assinar a documentação oficial a um Presidente virtual, escolhido por si através de um arranjinho de conveniências.
Vamos assistir a esse lindo espectáculo pelo menos numa determinada Federação já em 2012.
Com um seu amigo.
Vai uma aposta?
caro Luís Leite, infelizmente já não vislumbro grande luz no fim do túnel para que grandes mudanças na organização do nosso sistema desportivo ocorram. De facto, quem está ou esteve no sistema desportivo continua a raciocinar na base das mesmas premissas das de há uns anos…, as rupturas necessárias teriam de passar por novos procedimentos, daí que, por exemplo, a contratação de técnicos para as Direcções Regionais do IDP não teriam de passar pelo amiguismo, partidário ou pessoal, do costume. Mas, na realidade, devo ser uma lírica porque pensar em profissionais qualificados, a concorrerem para funções específicas, em igualdade de circunstâncias com os demais, e a recrutar de acordo com determinado perfil de funções, deve ser algo raro nos dias de hoje.
Quanto ao cenário que criou para a presidência de uma dada federação não o entendi, talvez o JMConstantino o perceba já que é a ele que se dirige, no entanto, como parto do pressuposto de que, salvo raras excepções, os dirigentes desportivos são pessoas de bem custa-me a crer que se envolvam nesses jogos de poder maquiavélicos.
sinteticamente
o tema da MJCarvalho é recorrente e fulcral
o melhor desporto europeu e mundial assenta sobre massas de voluntários respeitados e incentivados publicamente
nos países onde os voluntários são incentivados, como uma cultura e um direito de cidadania, o valor económico do voluntariado é superior à despesa pública em desporto
o Estado português tem economias e ganha mais dinheiro com impostos que recebe do desporto, como o primeiro estudo sobre economia do desporto demonstrou em 1987
a situação actual em Portugal incentiva os comportamentos laterais, como solução de sobrevivência porque os direitos de propriedade estão mal definidos
a má definição dos direitos de propriedade tem custos de transacção do bem desportivo mais elevados
a ineficácia judicial para julgar casos de corrupção é um segundo problema nacional que afecta a produção desportiva desde a sua base
Ao arquitecto Luís Leite
Sobre a limitação de mandatos a minha opinião é conhecida. E juntamente com um conjunto de pessoas pertenci à primeira estrutura associativa que propôs a sua regulação. E quando exerci funções directivas a primeira declaração que fiz numa reunião de direcção foi a de que não renovaria qualquer mandato. E sobre a matéria tenho muita coisa publicada pelo que nada mais tenho a acrescentar. Lamento apenas que tenha sido o Estado a impor essa solução e não o movimento associativo a autoregular-se .
Quanto à solução encontrada e à possibilidade de um presidente de direcção, atingido pelo número limite de mandatos, poder passar para presidente da assembleia-geral parece-me sensato e natural, recolhendo de resto solução similar em situações do mesmo tipo.
Quanto às motivações do presidente meu amigo, penso que se está a referir ao Fernando Mota, ignoro quais elas sejam. Mas a minha opinião sobre a matéria é a mesma para qualquer Presidente. Uma modalidade que durante anos sufraga um presidente creio ser natural querer continuar a dispor da sua colaboração ainda que com outras responsabilidades.
Quanto a “arranjinhos”, para utilizar a sua expressão, não conheço a modalidade e as pessoas como você, mas sempre tive os dirigentes do atletismo, se acaso é essa a federação a que o Luís Leite se está a referir, como pessoas sérias, idóneas e responsáveis.
concordo e subscrevo em absoluto as palavras do JMConstantino
a regulação eficiente dos direitos deve estar associada à maximização dos benefícios
esta última não é de fácil explicitação e as multiplas posições por vezes de grau infinitesimal ou das possibilidades em contexto problematicos levam a que entre nós o oito e o oitenta sejam moeda corrente
nas sociedades mais complexas a despistagem da corrupção é um acto de legitimidade social
noutras sociedades sem a fronteira perceptivel, à flor da pele e instantânea, do óptimo social leva a afirmações que confundem todos os parceiros quando, afinal, os factores negativos são pontuais
a arte da governação está precisamente em ter claro o que é o oito e o oitenta e onde é que o aparato judicial deve actuar
note-se que a União Europeia com a revolução que iniciou em 2005 não necessitou até agora de ilegalizar nenhuma federação das que actuam no seu território
vemos neste exemplo a inteligência pública e a privada em dar os passos correctos para maximizar o seu output sem perda de tempo e com os actos correctos
bem-hajam aos participantes no poste e à sua autora
Em resposta a J. M. Constantino:
Antes de frisar que nada tenho a acrescentar para além de que mantenho tudo o que escrevi, quero sublinhar aquilo que já referi anteriormente:
a democracia, quando exercida de forma enviesada, não é o melhor dos sistemas de governo e permite que sejam legitimadas situações no mínimo imorais.
Isto é válido para tudo o que está relacionado com este post e subsequentes comentários.
Com o maior respeito e consideração por si.
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