quarta-feira, 26 de maio de 2010

Quanto ganha um dirigente desportivo federado?

Nos passados dias 17, 18, 19, 20, 24 e 25, e mesmo hoje, foram publicados alguns contratos-programa, celebrados entre o Instituto do Desporto de Portugal e federações desportivas, não faltando ainda o Comité Olímpico de Portugal.
Nalguns deles – em minoria – surge uma cláusula 7ª que, pela particularidade do seu conteúdo, rapidamente se abreviará pela 7ª.
Vejamos um exemplo duma 7ª, em contrato-programa publicado no dia 18.

Trata-se do Contrato n.º 274/2010, Contrato-programa de desenvolvimento desportivo n.º CP/210/DDF/2010 (Desenvolvimento da prática desportiva), celebrado com a Federação Portuguesa de Corfebol:

Limitação às remunerações dos membros dos corpos sociais
1. O montante global atribuído à Federação pelo IDP, I. P., nos termos dos contratos-programa celebrados em 2010 é de 66.500,00 €, o que corresponde a 68,45 % do montante do respectivo orçamento anual, aprovado em assembleia geral.
2. O valor do orçamento que aqui se considera corresponde à média dos orçamentos dos últimos três anos, corrigida em função das contas anuais da Federação.
3. Face ao disposto no n.º 1, nos termos do disposto no artigo 16.º do Decreto -Lei n.º 273/2009, de 1 de Outubro, as remunerações dos membros dos corpos sociais não podem ultrapassar os limites abaixo indicados:
a) A título individual: a remuneração equivalente a cargos de direcção superior de 1.º grau da Administração Pública;
b) No cômputo das remunerações aos membros dos corpos sociais:
5 % do montante global das comparticipações concedidas através de contratos -programa celebrados com a Federação no ano de 2010, excluindo os referentes a Organização de Eventos Internacionais e Organização de Missões Nacionais a Eventos Desportivos Internacionais.
4. A violação dos limites indicados no ponto anterior constitui o 2.º Outorgante na obrigação de restituição integral, ao 1.º Outorgante, dos montantes que lhe foram atribuídos por aqueles contratos-programa celebrados ou outorgados para o corrente ano.

Ou seja, a título individual, uma remuneração equivalente a Director-Geral (€ 3.734,06), por certo sem despesas de representação (€ 778,03).

Mas o que nos diz a norma mencionada no nº 3 da 7ª?
A remissão é para o novo regime jurídico dos contratos-programa de desenvolvimento desportivo, aprovado pelo artigo 1º do diploma que vem mencionado.
Estabelece o artigo 16º, sob a epígrafe “Limitação às remunerações dos membros dos corpos sociais”:

“1.Às entidades beneficiárias de apoios financeiros públicos titulados por contratos -programa de desenvolvimento desportivo que, no seu conjunto, correspondam a, pelo menos, 40 % do montante do respectivo orçamento anual, podem ser estabelecidos, nos referidos contratos, limites às remunerações que, directa ou indirectamente, possam ser atribuídas aos respectivos membros dos corpos sociais.
2. As cláusulas do contrato-programa referidas no número anterior prevalecem sobre quaisquer normas estatutárias ou regulamentares da entidade beneficiária.
3. A violação do clausulado referido no presente artigo constitui a entidade beneficiária na obrigação de restituição integral, à entidade concedente, dos montantes que lhe foram atribuídos pelo contrato-programa”.


Outros exemplos se recolhem no Diário da República: (dia 18) Federação Portuguesa de Pára-Quedismo (56,10%); (dia 19) Federação Portuguesa de Ténis (88,02%), Federação Portuguesa de Atletismo (71,08%), Federação Portuguesa de Desporto para Pessoas com Deficiência (23,79% -? -); (dia 20) Federação Portuguesa de Tiro com Armas de Caça (44,62%), Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting (10,01% -?-), Federação Portuguesa de Natação (84,53%) e Federação Portuguesa de Bilhar (66,51 %); (dia 24) Federação Portuguesa de Canoagem (57,29 %), Federação Portuguesa de Rugby, (47,64 %), Federação Portuguesa de Motonáutica, (41,52 %), Federação de Ginástica de Portugal (42,67 %), Federação Portuguesa de Hóquei (84,93 %) e Confederação Portuguesa das Associações de Treinadores (90 %); (dia 25) Federação Portuguesa de Ténis de Mesa (67,88 %) e Federação Portuguesa de Taekwon-Do (80,3 %).
Hoje há uma 7ª que não se compreende muito bem, respeitante à Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal:

1. O montante global atribuído à Federação pelo IDP, I. P., nos termos dos contratos -programa celebrados em 2010 é de 67.500,00 €, o que corresponde a 3,77 % do montante do respectivo orçamento anual, aprovado em assembleia geral.
2.O valor do orçamento que aqui se considera corresponde à média dos orçamentos dos últimos três anos, corrigida em função das contas anuais da Federação.


Curiosamente (?) só no dia 24 é que veio a ser publicado o Despacho n.º 8732/2010, de 5 de Abril, do Secretário de Estado da Juventude e do Desporto que regulamenta esta matéria, para além de outra de semelhante grau importância.
Curiosamente (outras vez) no ponto 7, lendo a norma legal, afirma-se:

“O princípio expresso nesta norma legal assenta na consideração de que se justifica estabelecer uma disciplina legal, com carácter geral e uniforme, para todas as entidades que beneficiam de apoios financeiros significativos, de natureza pública, quanto às remunerações auferidas pelos titulares dos seus corpos sociais, sendo considerados como tais aquelas em que o apoio do Estado, no seu conjunto, perfaça, pelo menos, 40 % do respectivo orçamento anual”.

Depois (ponto 8) o acima vertido na 7ª.
No ponto 9, por fim, determina-se que este regime é aplicável aos contratos-programa de desenvolvimento desportivo outorgados com federações desportivas,
Comité Olímpico de Portugal e Confederação do Desporto de Portugal sempre que o apoio anual, resultante de tais contratos, represente, por si ou em conjunto com os demais contratos outorgados com a mesma entidade, um financiamento igual ou superior a 40 % do orçamento anual dos seus beneficiários, considerando -se como tal a média da despesa efectuada nos últimos três anos.

Aditamos, por ora, algumas observações, certo é que muitas leituras, algumas positivas, mas outras nem tanto, vão surgir destas novas obrigações legais e fundamentalmente da sua efectividade.
Em primeiro lugar, julgo que os contratos «andam melhor», no confronto com a lei, do que o despacho, no que diz respeito às organizações sujeitas ao artigo 16º.
Contudo, salvo estarmos perante gralhas, não se compreende como há organizações relativamente às quais existe uma 7ª, embora o financiamento púbico seja inferior a 40%.
Fora desta aproximação formal há lago que me deixa perturbado (mas que deve ser agradecido ao diploma): como é possível que haja uma organização representativa de agentes desportivos (treinadores) financiada a 90%?

8 comentários:

ftenreiro disse...

Há que pensar a crise e a resposta do desporto está a tardar como habitualmente.

Segundo se diz, o mundo mudou nos últimos 15 dias e o desporto tem actuado como se tudo continuasse como antes.

É uma forma de actuação que já provou ter resultados nefastos para os agentes desportivos.

Será importante não perder de vista iniciativas legislativas como estas no quadro de desenvolvimento para o desporto face à crise.

Mas é importante discutir a situação grave do desporto português e a crise.

ftenreiro disse...

Eu não tenho dúvidas do trabalho desenvolvido pelos líderes desportivos e da necessidade da sua remuneração com dinheiros públicos no modelo de financiamento actual.

Há fracassos de mercado significativos e existe falta de informação sobre o uso dos dinheiros que são públicos.

Caso as instituições desportivas vivessem de fontes de financiamento privadas os seus líderes poderiam ganhar aquilo que os seus corpos sociais aprovassem, não havendo limites públicos.

A dependência do Estado estabelece limites à independência privada e justificam as medidas dos contratos-programa.

O seu poste José Meirim é um contributo ao debate e à clarificação desta matéria.

Luís Leite disse...

Julgo não existirem dirigentes federativos profissionais a tempo inteiro em Portugal, até porque não existem nem podem existir, no actual modelo (eleitoral).
O que eu sei é que quem for Quadro da Função Pública e vá para dirigente federativo com licença extraordinária, já que a requisição ou destacamento não são permitidos, está tramado, porque a carreira pára durante os anos que lá estiver.
E uma eventual compensação adicional não é suficientemente atractiva para o nível de exigência e responsabilidade.
Foi o que se passou comigo durante 5 anos. Nunca mais me apanham lá...
Isto significa que estes lugares só interessam a reformados ou a amadores que fazem uma perninha ao fim da tarde 2 ou 3 vezes por semana.
Em certas modalidades mais desenvolvidas os dirigentes já não podem ser apenas curiosos com boa vontade. Têm que ser especialistas.
De qualquer modo, na situação em que o país se encontra, de pré-bancarrota, este assunto deixa de interessar, já que para o próximo ano não haverá dinheiro para o Desporto.
Se der para comer já não é nada mau...

Maria José Carvalho disse...

Não deixa de ser preocupante este indício de que existiria uma grande quantidade de federações cujos membros de órgãos sociais eram principescamente remunerados e sobretudo com base nas dotações de financiamento público. Mas será mesmo essa a realidade...??
Se "há fracassos de mercado significativos e existe falta de informação sobre o uso dos dinheiros que são públicos", como o FT refere, e que não me parece que correspondam à generalidade das federações desportivas, então que se fiscalize adequadamente.
Outro assunto é a ingerência do Estado na vida associativa que, a olhos vistos, está cada vez a ser mais galopante. Não bastava a sua intromissão legal na determinação organizativa e funcional das federações, as quais lá por lhes ser atribuído o EUPD não deixam de ter a natureza jurídica de associações privadas, para através do Despacho n.º 8732/2010 quase definir as remunerações dos membros dos órgãos sociais das federações. Pelo caminho calcorreado pelo actual Governo pouco faltará para tal estar com os dois pés e as duas mãos dentro das organizações desportivas (federações, CDP e COP). Contudo, certamente esta excessiva e inadvertida providência governativa só se deve aos tempos de crise e não a qualquer "intervenção dirigista" no nosso sistema desportivo, e se assim for, estarão a ser publicados às centenas despachos idênticos para tantas outras organizações sociais beneficiarias de apoios financeiros públicos significativos. Ou os maus da fita são sempre os dirigentes desportivos?

josé manuel constantino disse...

A questão base é esta: deve ou não o Estado intervir? Se essas remunerações, ao fim e ao resto, são uma das aplicações dos dinheiros públicos, o que parece claro num número significativo de casos, a resposta é que deve fazê-lo. Mas essa intervenção abre uma outra questão. E deve fazê-lo apenas em relação aos corpos sociais ou em e relação a todos os que afinal são remunerados com dinheiros públicos (treinadores, seleccionadores nacionais,directores técnicos médicos, pessoal admnistrativo, árbitros, etc). Que argumento sustenta que os condicionamentos sejam apenas aplicado aos dirigentes? E em relação a estes é apenas o valor limite remuneratório? E o que fazer perante regimes de acumulação com reformas do Estado? Não acontece nada?
Não temos dados que o legislador seguramente tem. Qual é o universo dos dirigentes desportivos remunerados, qual é o valor dessa remunerações e o modo como se chegou a elas. Qualquer destes elementos é indispensável para se perceber o alcance da medida.

ftenreiro disse...

A base de uma economia eficiente e produtiva é a existência de informação abundante e de reguladores atentos aos excessos e faltas.

As sociedades privadas em bolsa, apresentam dados e relatórios para manterem a sua liberdade e competitividade no mercado atraindo investidores nacionais e internacionais e poderem crescer e competir.

As federações, associações e clubes portugueses preferem encostar-se ao Estado e quando este exige o que fazer ao dinheiro, que é de todos, estas instituições não gostam e dizem que são privadas.

Ora, são privadas com o dinheiro dos outros, não produzem medalhas olímpicas e não conseguem alcançar níveis de produção desportiva para 75% da população.

Há alguma coisa que está mal. Aliás mais do que uma.

A insuficiência da produção desportiva portuguesa é uma invenção, se se quiser um termo positivo, do Estado português.

Em economia diz-se que o Estado falha quando o mercado privado não alcança os resultados sociais que outros países e outros mercados e Estados alcançam.

Temos uma falha do mercado do associativismo desportivo e temos uma falha do Estado, central e local.

O Estado deveria intervir muito mais porque os parceiros privados dormem a sono solto. Não os ouvem? Alguns respiram com sonoridades profundas!

Por causa deles há algumas federações que necessitam de financiamentos para o bom trabalho que fazem e não há dinheiro. O Estado não tem dinheiro para tudo e os que fazem um bom trabalho são prejudicados pelos que dormem profundamente.

O Estado deveria ter intervido mais e agora o apertão tardio vai ser mais dificil.

Os jornais dizem que as Finanças mandaram cativar 20%. O mercado do desporto tem desajustamentos, tem ineficiências, tem desperdícios e é-lhe cortado dinheiro para poder corrigir.

Duvido que o legislador tenha dados e estudos. Porque não os apresenta? Isso é o que ele quer que se pense que ele tem mas ele não sabe sequer o que fazer com os dados. Ele faz uma tosquia genérica pelas pontas espigadas.
Segundo o que conta o Professor José Manuel Meirim não vai mais fundo.

As organizações desportivas portuguesas agora que defrontam a crise deveriam trabalhar para mudar o seu modo de operação.

Mudar como nunca o fizeram durante os últimos 30 anos.

Luís Leite disse...

Mais algumas ideias feitas de experiência pessoal e de atenção ao que se vai passando:

1) O elo mais fraco do Desporto Português é precisamente o Dirigismo.
Começando pelo dirigismo estatal, que se preocupa fundamentalmente com a coisa "Futebol", que é o que vem nos jornais desportivos e aparece na Televisão.
O resto são "cantigas" e fingimentos, mais Lei menos Lei, mais Despacho menos Despacho "politicamente correctos" mas inconsequentes.
E muita incompetência, já considerada "normal".

2) Os dirigentes federativos, ou são "déspotas esclarecidos", compadres gestores de "interesses" que se arrastam há mais de 20 anos no poder absoluto e não querem sair dos poleiros de modo nenhum, ou são carolas amadores que não estão à altura das responsabilidades.

3) As organizações que deviam liderar e coordenar o "Movimento Associativo" funcionam mal ou pessimamente, fechadas sobre si próprias, ora repartindo lugares de prestígio (?) entre incapazes, ora fazendo fretes ao Governo; são incapazes e inúteis, como se pode ver pelos resultados do seu desempenho;

4) O Movimento Associativo na prática não existe, não funciona.
O que existem são Federações e Clubes, com motivações egoístas, incapazes de se entenderem para além dos arranjinhos.

Não vale a pena esperar melhoras, porque o problema, que era só cultural, agora é também financeiro. E gravíssimo.

Havia pouco dinheiro para o Desporto? Agora não há nenhum.
Esqueçam.

chumbos disse...

Em tempos de crise financeira em que o país atravessa é urgente repensar nas remunerações ligadas aos quadros desportivo e os direitos sociais que estes usufruem.
Neste sentido, existe uma necessidade emergente dos clubes desportivos e da própria federação, criar politicas económicas para se auto-sustentar e não depender de dinheiros públicos.