segunda-feira, 10 de outubro de 2011

As despesas invisíveis

Tudo o que disserem na escuridão será ouvido à luz do dia e aquilo que segredarem dentro de casa será apregoado em cima dos telhados.
Evangelho segundo Lucas, capítulo19,versículos 2 e 3,in “A Bíblia para todos


Os efeitos de qualquer reforma na estrutura da administração pública, com vista à redução da despesa, não são imediatos. Pelo que algumas das gorduras de que actual estrutura padece não podem ser eliminadas pela sua simples enunciação. O que pode ser eliminado, e de imediato, são os gastos públicos desnecessários e que, em alguns casos, podem ser considerados como usos pessoais e indevidos de bens e serviços públicos. E para isso não é preciso qualquer reforma. Basta que se cumpram os normativos actuais. E que o exemplo seja dado pelos responsáveis. Se um dirigente gasta o que não deve ou não evita despesas em que pode poupar, que autoridade tem para impor regras de disciplina orçamental aos que dirige?
A despesa invisível é uma das gorduras mais difíceis de eliminar. Porque não é objecto de escrutínio público. E porque quem a conhece, normalmente funcionários ligados à tramitação administrativo-financeira, teme sofrer represálias se as divulgar. E no entanto é uma despesa que deslegitima quem a pratica porque o inibe de poder ser um exemplo moralizador sobre as instituições e as pessoas que dirige. E, por vezes, quem a pratica sabe como a fazer sem ser detectado. Sabe como tornar legal o que moralmente é inaceitável e que todos acabamos por pagar.
Na administração pública, directa e indirecta, do Estado há muita despesa dispensável. Quase sempre ligada ao estatuto e à ostentação. Não acrescenta qualquer valor. Não existe para servir o país. Mas para servir quem tem o poder. Devia pura e simplesmente ser penalizado que assim procede. E quem, sabendo que outros assim procedem, não toma as medidas disciplinadoras que se impõem.
Em primeiro lugar colocando na ordem quem, em vez de trabalhar, gosta de se passear. Faz tudo para “aparecer” e se “mostrar” procurando estar presente e esperar que os “meios” noticiem. E quando não se é convidado, está sempre disponível para ir em representação. E depois de ir acompanha a redacção da notícia e coloca em destaque a fotografia no site oficial. O serviço público não serve para brincar aos protagonismos e aos egos insatisfeitos
O primeiro-ministro anunciou que a frota automóvel do Estado é para exclusivo serviço do Estado.Não precisava de o fazer porque a lei é clara. Pelo que se trata de uso indevido se, por exemplo, para ir leccionar a um determinado local o titular de um cargo público usa a viatura oficial. Não deve e não pode. Ou utiliza o serviço de comunicações para além do valor que lhe está atribuído. Ou coloca despesas aos fundos de maneio que devem ser suportadas pelo que aufere como despesas de representação. Ou usa as ajudas de custo de forma arbitrária. Ou leva a despesas do Estado formações de natureza pessoal.Ou alimenta-se com despesas suportadas pela entidade pública que serve. Ou usa a via verde oficial para a sua viatura pessoal. Ou faz, em nome do Estado, turismo desportivo que nada acrescenta às necessidades públicas do país. Ou coloca a administração pública a pagar deslocações e estadias extra. Ou adquire bilhetes para ir assistir aos jogos de futebol ao estrangeiro. Tudo isto envolve despesa. E este tipo de despesa não pode ser suportada pelos recursos públicos, como o bem sabe qualquer funcionário do Estado bem formado.
Estas situações não são uma questão menor ou raras. E são transversais. Não são pertença exclusiva desta ou daquela governação. São um verdadeiro cancro que se instalou em muitas estruturas do Estado e cujas metástases se disseminam com extrema rapidez. Vai-se vivendo alegremente até um dia em que parece que o mundo acaba. Para que isso não ocorra, e antes que seja tarde, devem tomar-se as adequadas medidas preventivas. Numa altura em que se anunciam reduções de despesa que podem envolver rescisões de trabalho importa que, quem dirige, dê exemplos de rigor e de serviço à causa pública.

4 comentários:

Anónimo disse...

Este é o grande desafio deste governo.
Dar o exemplo.
Começando por cima.
E depois passando para todos os níveis da hierarquia.
Algo que nunca aconteceu, salvo casos muito raros e isolados.
Pelo que estamos a ver, há governantes a deslocarem-se de motorizada.
Uma minoria, que acaba por ser ridícula, já que assim ficam dezenas de carros e motoristas à porta do Ministério sem fazer nada.
O que fazer com as centenas de automóveis topo de gama comprados durante os governos Sócrates?
O que fazer com as centenas de motoristas?
O que fazer com o hábito das almoçaradas nos restaurantes mais caros?
Mudar de atitudes leva muito tempo e não me parece que seja possível durante esta legislatura, dadas as estruturas e hábitos existentes. Continuarão a ser poucos os responsáveis políticos a querer efectivamente mudar.
Poder sem fartura e exibicionismo não parece fazer sentido por cá...

Anónimo disse...

Ui!!! a coisa hoje está quente.

Anónimo disse...

Ainda estamos na fase em que muitos nao tem vergonha de desbaratar a res publica a vista de todos. Desbaratar e apropriar-se dela como se sua fosse. Começar a fazer despesas invisíveis já seria um avanço, já indiciava alguma vergonha.

Anónimo disse...

Diz o anónimo de 10 de Outubro de 2011 às 10:56:

O que fazer com as centenas de automóveis topo de gama comprados durante os governos Sócrates?

A pergunta é inteiramente justificada. E a resposta só poderá ser uma: deve dar-se-lhes o mesmo destino que ao modestíssimo carrito que o Santana comprou quando foi presidente da CML, com vidros à prova de bala e tutti quanti.

O Carmona é que, depois, se viu à rasca para se desfazer dele...porque não conseguiu encontrar ninguém com a vocação do sr. Lopes para se comportar como o Idi Amin....

Foi até este bom gosto e frugalidade do sr.Lopes que especialmente o qualificaram para presidir à Misericórdia de Lisboa!!!!