sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Miopia do desastre

Sempre que a irracionalidade triunfa fá-lo em nome da razão.
Roger Scruton, in As vantagens do pessimismo


Por que razão o governo faz desta maneira e não de outra? O que explica que defina esta e não outra prioridade? Por que motivo se escolhe esta pessoa e não aquela? Quando procuramos responder a estas interrogações fazemo-lo com os elementos de que dispomos. Porque a construção da decisão política é um exercício opaco. O que é público é a decisão. O modo como se chega a ela, escapa-nos. Quando interpretamos a decisão os dados disponíveis são apenas uma parte dos que estiveram na construção da decisão. Normalmente a parte que é disponibilizada por quem decide. O que comporta a possibilidade de erro ou de ter uma opinião diversa caso fosse possível ter todos os elementos que contextualizam a decisão. Obviamente que isso não é possível, embora a gestão democrática de decisão politica recomende que quem governa, explique, em nome dos governados, os fundamentos das decisões que toma. Mas mesmo este procedimento tem naturais limites.
O governo quis fazer da contabilidade dos ministros e da constituição dos gabinetes uma marca política distintiva em relação ao anterior governo. Fez mal. Porque ficou prisioneiro de algo que o tempo pode não aconselhar como recomendável. E depois porque a solução tem sido inventar modos de iludir que se está a cumprir o que se anunciou. Mas fez mal também porque o problema que interessa ao país não é o da quantidade de membros dos gabinetes ou do governo: é o da necessidade e qualidade do serviço que prestam. Que importa serem menos e a despesa ser menor, se o serviço que prestam é pior?
A juvenilização do recrutamento político para organização do governo e dos respetivos gabinetes de apoio tem riscos na qualidade da governação. Pessoas com reduzida maturidade, de conhecimento político e até de experiência de vida. Recrutados, em muitas circunstâncias, em gabinetes de advocacia e designados como especialistas, adjuntos ou assessores, os seus currículos e méritos profissionais não casam, em número significativo de casos, com os conhecimentos e competências exigíveis às responsabilidades públicas assumidas. O que prejudica a qualidade da decisão politica que preparam ou influenciam
O que se está a passar para as bandas do Instituto Português do Desporto e da Juventude deveria fazer pensar quem tem responsabilidades políticas e se encontra comprometido em encontrar a melhor solução para o país. E a pergunta é apenas esta: estão seguros de que é o caminho certo para salvaguardar a boa governação do desporto?
A tarefa de fundir vários organismos num único seria sempre, em quaisquer circunstâncias, um exercício complexo. No plano estritamente normativo, no plano funcional e no da gestão dos recursos humanos. Acresce que tudo isto ocorre num contexto de enorme crise financeira e institucional. E em que a vida do pais não para e pede intervenções constantes. E em que o legado recebido é pesado. Pelo que era enorme a tarefa que os responsáveis governamentais e dos institutos a fundir tinham pela frente. Para essa tarefa o governo tem escolhido quem entende ter as condições profissionais e humanas para o bom cumprimento dos objetivos. Sabendo-se que não há soluções positivas com as pessoas erradas é ao governo que têm de ser pedidas contas se as coisas não correrem bem.
A opção escolhida e o modo como se vai estruturar o novo organismo – que ainda não entrou em funcionamento pleno e já vai na terceira versão normativa para a composição do respetivo Conselho Diretivo-é o de uma megaestrutura. Reúne todas as condições para o desenvolvimento de entropias organizacionais e conflitos de competência tal é a sua pesada estrutura organizacional. A proliferação de unidades orgânicas aumenta o grau de dispersão e dificulta a qualidade da decisão. No plano formal e substantivo o desporto não sai bem tratado. A solução de um problema- ganhar economias de escala com a fusão- pode ser o início de um outro bem maior. É a miopia do desastre, patente sempre que se desvaloriza algo que sentimos ainda longe que possa acontecer. Mas que reúne todos os ingredientes para que aconteça.

É indiferente se as pessoas escolhidas são do partido A ou B; se pertencem à influência desta ou daquela personalidade; ou se a respetiva orientação sexual é hétero, homo ou bi. O que interessa provar é que são competentes e que são sérios na missão de serviço público. E que o novo organismo ganha em eficiência à situação anterior. A tarefa que têm pela frente, bem conseguida, merecerá justificados elogios. Afirmo-o sem ironia e com a perceção da complexidade da tarefa. Mas também com a convicção de que o caminho escolhido e as soluções já conhecidas não auguram um desfecho feliz.

1 comentário:

Luís Leite disse...

A situação estrutural e conjuntural do país é de tal forma grave, não só do ponto de vista economico-financeiro e social, mas também moral, ético e cultural que, mesmo que o desempenho governamental nesta área fosse claro na organização e nos objetivos e competente na concretização das medidas a implementar, nada de significativo mudaria nesta legislatura nem nas próximas.

O "desastre" é esta realidade que insistimos em ser como país há 3 décadas atrás e que só se tem agravado na última.
O futuro, infelizmente, está hipotecado à esperteza saloia, ao oportunismo e à incapacidade de mudar.

Vivemos numa partidocracia.
Um modelo pouco democrático de democracia.