segunda-feira, 28 de maio de 2012

Bucolismo retro

Em qualquer obra sobre o pensamento político abordam-se as relações entre saber e poder e de que forma se construiu, ao longo da história, os vários regimes, formas de representação, de governo…quando a política era uma opção entre modos diferentes de organizar o Estado e não uma competição de estilos ou de modos de representação política. Como hoje as coisas são diferentes há uma necessidade que os livros não referem, mas que é indispensável para a governação: o bom senso. O modo como o bom senso está distribuído é muito desigual. Fosse essa distribuição mais equitativa e escapávamos, seguramente, a muitos dos problemas que temos de enfrentar. Como por exemplo o da confiança.
A confiança é o ativo mais importante que o Estado tem ao seu dispor na mediação com os diferentes parceiros. E não aumenta a despesa. Se, quem governa, malbarata esse ativo destrói algo que é vital. Mas a confiança vive da autenticidade das relações. Pode haver diálogo e não haver confiança. Mas não pode haver confiança sem diálogo. Num contexto de crise e de dificuldades o diálogo e a concertação entre Estado e organizações desportivas são um bem precioso. É são a base para a construção de um clima de confiança.
A confiança não é um exercício prático retirado de um manual de boas maneiras. E não precisa de anular as diferenças entre as partes. Basta que as partes se respeitem. E que pautem o relacionamento por princípios e valores em que se reveem. É a clarividência dos projetos e a sustentabilidade das propostas que cria esse clima de confiança. E é a qualidade dos interlocutores. O que vale para a todos: governo, administração pública desportiva e organizações desportivas.
O experimentalismo administrativo, em nome da poupança com a despesa, através da fusão de vários organismos da administração pública das áreas do desporto e da juventude, precisa de estabilidade e de tempo. Para recuperar o trauma da fusão. Para poder funcionar normalmente. E, então, se poder avaliar se as soluções são melhores que as anteriores. E se são, como foi anunciado, menos dispendiosas. Nesse sentido não é politicamente relevante o que se passou nas últimas semanas com as mudanças do local físico das instalações. O tempo dirá se foi um mero acidente de percurso. Ou uma marca de impreparação para os desafios criados. A partir de agora, como se costuma dizer, é andar para a frente. O problema é outro e permanece com fusão ou sem ela: qual é o relacionamento que o governo pretende ter com as organizações desportivas, designadamente as federações. Porque os problemas que envolvem o tecido associativo vão necessariamente bater à porta. E não são apenas problemas financeiros ou administrativos. São problemas de organização sistémica.
Esse relacionamento tem uma conformação histórica. E é muito anterior ao estatuto de utilidade pública desportiva. Foi sempre um processo tensional construído com equilíbrios instáveis. E, por vezes, com ambiguidades suscetíveis de interpretações diversas quanto ao papel do Estado e à missão das federações desportivas. O que o histórico desse relacionamento Estado/federações desportivas revela, é que ele não é imune às características das personalidades que em cada momento protagonizam esse relacionamento. Ao conhecimento e à sensibilidade que têm do desporto e do papel dos organismos desportivos. E à cultura de missão que é estabelecida por parte da administração pública desportiva.
O sinal que governo e a administração pública desportiva dão é que pretendem resolver os seus problemas, aproveitando um irrequieto inspetor de finanças. Que se preparou para outras tarefas que não a gerir um instituto público para o desporto. É um erro. Não por causa dos seus trejeitos e maneirismos, porque temos de saber respeitar e conviver com as diferenças. Mas porque está á vista de quem quiser ver, porque já deixou suficientes impressões digitais, que é um caminho de conflitualidade e desconfiança permanentes. E a impunidade de que goza será, a prazo, uma carga de trabalhos. Para ele próprio, para o governo e para a administração pública. Tiram do sério, o que não é fácil, um homem como o Presidente do IDPJ. Imagino o que sofre. E imagino também o que, em nome da disciplina, está disposto a sofrer. Mas não imagino que esteja disposto a sofrer para todo o sempre.
A ideia peregrina de que a administração pública precisa de ser colocada nos eixos e que nada melhor de o que ter à disposição burocratas da contabilidade e da fiscalidade é uma doença infantil da governance que inundou as escolas de formação da administração pública. É uma espécie de bucolismo de tons nostálgicos onde tudo parece previsível e onde todos os comportamentos são programáveis e disciplináveis. Para estes policiais do interesse público tudo estará perfeito em nome de uma legalidade abstrata. E desde que os pecadores, os outros, sejam postos na ordem. Mesmo que se anule por completo a missão das organizações. Esquecem todavia que a gestão pública é como o sexo: uma concentração excessiva no como fazer, ou no como se ensina nos livros, pode levar ao desespero e, no limite, à impotência.(*)
O passado está vivo e documentado. Razão pela qual as escolhas das pessoas e o poder que se lhes atribui são uma marca que tem um sentido político. E os ajustes de contas e o espirito ganhador desta rapaziada vão dar maus resultados. Se o governo pretende estabelecer um clima de confiança, as pessoas que escolhe para essa tarefa têm de inspirar esse propósito. Têm de estar acima de qualquer suspeita quanto à sua verticalidade. De que o alto exercício de funções públicas não está ferido por qualquer comportamento menos próprio. E que sejam, pelo passado e pelo presente, um exemplo. Porque se assim não ocorre o sinal que se está a transmitir é o de que não interessa a natureza de gato desde que apanhe o rato.


(*) adaptação de uma frase de Henry Mintzberg.

7 comentários:

Luís Leite disse...

Como tem sido mais que evidente, o Desporto, para este Governo, não tem qualquer importância.
Com exceção de uma coisa realmente importante, chamada MUNDO DO FUTEBOL.
No fundo, com esta cultura desportiva, o país tem o que merece.

P.S. - Já agora leia-se aquilo que Vicente Moura disse ao Record (edição de hoje).

Luís Leite disse...

Quanto a Augusto Baganha, está por lá porque quer.
Ninguém o obrigou, pelo menos que se saiba.
É um lugar político como qualquer outro.

Anónimo disse...

Ao que consta, desde Março que o estado não disponibiliza verbas para as federações. Que confiança pode existir ?

Anónimo disse...

.... desde Março, o estado não disponibiliza verbas para as federações ... Alguém se queixou? Parece que não.....
Está tudo anestesiado.

Anónimo disse...

“EU ESTOU TA VER…”
Mais um excelente documento de José Manuel Constantino nos vem habituando.
De facto o relacionamento entre as federações desportivas e o poder politico não estão no melhor caminho.
Fico admirado que as federações não estejam a reagir á forma como o inspetor pardalito irrequieto de trejeitos e maneirismos característicos, esta a conduzir as federações ao colapso.
Sempre eterno segundo ou terceiro, porque assim é que convém, quer manobrar a marioneta do poder.
Arauto defensor dos dinheiros públicos e do património do estado, deixou pendurado no edifício da Infante Santo mais de meia centena de ares condicionados pagos com dinheiro dos contribuintes.(não confundir esquecimento com rigor e competência)
Mesmo “crismado” pelo Diário da Republica Eletrónico - Despacho 15 294/2011 de 11 Nov de 2011...

CONSULTAR

deixara impressões digitais que JMC tao bem define.

Anónimo disse...

O pardalito de bibe, da imagem que acompanha o texto de JMC, deve estar a dizer para com os seus botões:

Deixa-me cá ver se não me esqueci da fotografia do malhete do Carvalho...Quero mostrar a todos lá na escola. Que malhete!

Anónimo disse...

Eu realmеnte gosteі de sua ρagіna "Bucolismo retro".
Visit my blog post ... amor virtual