"Os limites do meu mundo são os limites da minha linguagem"
Wittgenstein
Wittgenstein
Não se recorda na história moderna deste país um período de
crise e austeridade onde os laços de solidariedade entre cidadãos e decisores fosse
tão ténue e distanciado. Mesmo numa sociedade de cariz paroquial, no Portugal
mais profundo e tradicional onde estão mais vincados estes traços comunitários,
as dimensões de análise sociologicamente mais relevantes, tendem a demonstrar,
em diversos estudos, um afastamento comprometedor e quebra de confiança, nos
eleitos nacionais (algo recorrente), mas também, e mais preocupante, nos eleitos
locais.
Ora, num contexto recessivo, marcado pela atomização do
individuo e por fugazes relações sociais de cariz instrumental, estamos em crer
que a debilitação da democracia representativa, principalmente ao nível local, constitui
um obstáculo assinalável para a mobilização cívica da comunidade na sua
expressão de democracia participativa, precisamente no momento onde este
activismo supostamente deveria ser mais acentuado, responsável e concertado com
aqueles que desempenham funções políticas.
Esta concepção, quiçá romântica, da politica, encarnada por
lideres de referência num passado não muito distante, como processo de afirmação
do bem comum e reforço dos laços de relação entre elite e sociedade,
encontra-se manietada por uma reconfiguração do papel da economia e da cultura.
O facto da economia instrumentalizar a politica tem vindo a
valorizar uma dimensão da actividade económica propicia à especulação (a
maximização de recursos, a eficácia e a eficiência), em relação a uma outra, que,
aliás, está na sua génese etimológica, concretamente a procura de equilíbrio nas
trocas, a interdependência e correcção de assimetrias.
A cultura, codificada em apenas mais um bem transacionável
entre muitos outros, nos mais variados meios de difusão e comunicação, nas
práticas e discursos sociais, nos eventos ou espectáculos, como uma experiência
sensorial intensa, mas efémera e de desgaste rápido à semelhança dos seus
protagonistas hodiernos, abdica de ser um espaço de liberdade, criatividade,
afirmação da autonomia e valorização do individuo, enquanto instrumento
essencial para se definir como cidadão.
Ora, o deporto é hoje um produto acabado desta realidade
intensa, onde a deriva asséptica do activismo físico bem embrulhado pelo
marketing de uma vida activa e salutar o tornam num produto apetecível a um
vasto mercado em que o praticante de ontem se transforma no cliente de hoje.
Um produto, que quando apresentado em versão de espectáculo
desportivo fideliza espectadores e representa, segundo dizem, um mercado economicamente relevante para
Portugal e para a afirmação do sucesso luso fora de portas, por mais lamentáveis que sejam os episódios em torno dos seus responsáveis e inexplicáveis as suas decisões.
Cliente ou mero espectador, de ambos o desporto se tende a afastar enquanto fenómeno cultural modelador da sua identidade e carácter...
Cliente ou mero espectador, de ambos o desporto se tende a afastar enquanto fenómeno cultural modelador da sua identidade e carácter...
Não espanta pois que quem lidera, nas várias esferas territoriais, se sinta tentado a polvilhar
a sua agenda em torno destes produtos, partilhando os seus momentos de maior e
melhor esplendor, com a mesma velocidade que se apressa em anunciar a sua
preocupação, as medidas políticas de fundo ou o valor da autonomia das
instituições quando tal não acontece. Tudo isto, parafraseando a citação do inicio deste texto, com uma linguagem própria de um quadro de referência assaz limitado em pensamento critico.
Quanto mais se confunde o gesto com a gesta, e quem lidera
passa pela vida desportiva e associativa sem que esta passe por si, surgindo, aqui e ali,
ideias soltas, sem ideais ou ideologia, mais o desporto se assemelha a um bem
franqueado em desconto de ocasião num espaço comercial perto de si.
Vender e promover a importância da comunicação, da gestão de
equipas, da dinâmica de grupos e demais estratégias de liderança por aí em
voga, só anuncia a campanha e os seus protagonistas. A música de fundo, se o leitor me permite, escolho-a eu.
Até quando ?
1 comentário:
Um diagnóstico acertado de uma realidade em que a cultura do ter (e não do ser), que predomina largamente, se apropria do sucesso alheio e o mitifica, numa lógica de inveja (estática para o impossível, dinâmica para o possível).
O mercado valoriza e estimula a procura do óbvio, numa lógica de curto-prazo.
O horizonte é o "já".
Tudo é efémero, passageiro.
Para usar e esquecer logo a seguir.
A valorização pessoal passa por copiar o que os famosos têm e usam.
A formação de uma identidade pessoal construída e baseada no conhecimento não interessa à cultura de massas.
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