domingo, 22 de julho de 2012

Para acabar de vez com a Educação Física e o Desporto Escolar?

Texto publicado no Público de 22 de Julho de 2012.

1. Tantas e tantas vezes, nas aulas de Direito do Desporto, direccionadas para alunos das escolas superiores de Desporto, refiro os direitos que a Constituição da República Portuguesa consagra no âmbito desportivo e mesmo no da educação física.

Há como que um trio de ataque ou, visto pelo rugby, um talonador e dois pilares.

O artigo 79º estabelece o direito de todos ao desporto e adianta que incumbe ao Estado, designadamente em colaboração com as escolas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão do desporto.

Segue-se o artigo 64º, onde se consigna que o direito à protecção da saúde também se realiza pela promoção da cultura física e desportiva, escolar e popular.

E, por fim – o que aqui é uma manifesta simplicidade –, o artigo 70º, relativo aos jovens, especifica que eles gozam de protecção especial para efectivação dos seus direitos na educação física e no desporto.

2. Se bem atentarmos, nestas três normas da lei fundamental deste infeliz País, há algumas constantes: deveres a cumprir pelo Estado, o valor da escola, os direitos dos jovens e a importância da educação física e do desporto.

Visto isto, e muito mais que este espaço não pode albergar, o Governo faz tábua rasa deste património com as medidas que entendeu estabelecer para o próximo ano lectivo. As palavras para «encher» o programa do Governo na área do desporto cumpriram essa missão de propaganda e, como é norma, por aí se quedaram inertes.

Reduzir carga horária e tudo o mais que tenha a ver com a educação física e o desporto escolar, é a política do Governo em total contramão com documentos e estudos, nacionais, europeus e internacionais.

3. São inúmeras as declarações de protesto e revolta que se recolhem sobre esta postura negacionista do valor do desporto na escola. Entre tantas outras manifestações de desagrado pelas medidas do Governo, registem-se a carta (aberta) ao Ministro da Educação subscrita por 26 professores catedráticos, uma petição em defesa da Educação Física e mesmo a realização de um Congresso Extraordinário (Não há Educação sem Educação Física), organizado pelo Conselho Nacional das Associações de Professores e Profissionais de Educação Física e pela Sociedade Portuguesa de Educação Física.

4. Sabe-se bem como a força jurídica dos direitos económicos, sociais e culturais, onde se inserem as normas de que demos conta, é diminuída quando em confronto com o regime próprio dos direitos, liberdades e garantias.

Porém, um dos possíveis efeitos apresenta-se formalmente como algo que assusta qualquer pessoa: o princípio da proibição do retrocesso social.

Em que consiste?

Basicamente em a Constituição não permitir que, quanto a um concreto direito, uma vez alcançado um patamar da sua realização, o Estado possa reduzi-lo.

Sujeito a elevado debate teórico, o princípio não tem recebido os favores do Tribunal Constitucional.

Mas não é por isso que se deve abandonar essa bandeira normativa. Os outros tribunais, pelo menos num primeiro momento, podem ter uma palavra a dizer sobre a ilegalidade e inconstitucionalidade dos despachos que traduzem essa diminuição do valor físico e desportivo quanto aos jovens em idade escolar. E, a final, quem garante, que o Tribunal Constitucional não altere a sua posição?

6 comentários:

Luís Leite disse...

O mesmo se dirá para todos os direitos adquiridos.
Nesse aspeto, este Governo cumpre a função de "Comissão Liquidatária".
Os direitos constitucionais foram claramente postos de lado em muitas matérias sem que a Constituição fosse alterada e sem que fosse declarado oficialmente o estado de sítio ou o estado de emergência (Artº 19º).
Portugal deixou de ser um Estado de Direito.

joão boaventura disse...

Onde se prova, uma vez mais - como se fosse necessário prová-lo ainda -, que a Constituição não passa de “um texto puramente proclamatório, cujo destino só pode residir no incumprimento da maior parte das suas disposições”(Manuel Queiró, in Público, de 16.7.2003).

E o Tribunal Constitucional não passa de um observatório que consagra os incumprimentos, mas como não tem autoridade uma guarda pretoriana, elabora longas exposições, e assertivos considerandos, plenos de razão e sabedoria.

Mas ficamos inteirados e esclarecidos sobre os incumprimentos,

É como o Tribunal de Contas cuja utilidade tem um vasto império: Serve para ajudar o Estado e a sociedade a gastar melhor. É outro observatório dos incumprimentos das contas do Estado, sem qualquer guarda pretoriana que lhe dê força.

É como a Provedoria da Justiça, outro observatório receptório de queixas e reclamações, destinado a dar razão às tropelias das instituições incumpridoras.

Como se vê, todos os direitos dos cidadãos estão salvaguardados, pois podem reclamar, escrever, queixar-se, o óbice é que as leis são tão coxas, que tudo fica como está, isto é, como se elas não existissem senão nos limbos.

Exemplo pedagógico.
Durante quase dois anos a EDP nunca me explicou por que razão me mudaram o contador de leitura simples para leitura bihorária, e, depois para trihorária, mas continuei pacientemente a lutar contra a ditadora EDP.

Ao fim de quase dois anos deram-me a tradicional não resposta.

Na minha exposição à Provedoria, reclamei por a EDP nunca me responder durante os quase dois anos, e me mudarem o contador abusivamente por duas vezes, sem qualquer justificação.

O Provedor pediu explicações à EDP sobre as minhas reclamações, e a EDP para mostrar solicitude respondeu em 11 alíneas, passando em silêncio
a justificação de nunca me terem respondido, e em nenhuma alínea aparecer uma justificação técnica de os contadores estarem avariados.

Limitaram-se a confirmar que tinham mudado por mudar, mas a Provedoria achou correcta a actuação da EDP, como pela conclusão se toma conhecimento:

"Afigurando-se, assim, cabalmente esclarecida a actuação da EDP, que se não mostra merecedora de reparo, foi determinado o arquivamento do processo pendente neste órgão do Estado."

A cuja conclusão respondi que cabalmente a actuação da EDP foi de duas medidas e duas ponderações: à Provedoria não teve dúvidas em responder a todas as questões, ao Cliente cavalgou a toda a sela, a toda a velocidade, ignorando totalmente o Cliente, e da única resposta que recebi por escrito, via CTT, quem subscreveu a carta, atirava-me à cara que a EDP se orientava pelo seu Código de Ética, o que me obrigou a responder como era isso possível se a EDP, durante quase dois anos nunca respondeu às minhas queixas, nunca me deu explicações sobre mudanças de contadores, nenhum apelo lhe merecia resposta ? E fala-me em Código de Ética ? Levou-me a recordar-lhe que o Código de Ética é, como a Constituição Portuguesa "um texto puramente proclamatório, cujo destino só pode residir no incumprimento da maior parte das suas disposições".

E para que melhor me entendesse expus-lhe que, falar da Ética é como ir à confissão ao Padre, porque a pessoa sai dali aliviada das maldades que fez para ir fazer outras maldades."

Vivemos no País da ultrapassagem de normas, com o mesmo à vontade com que nascemos, i.é, inocentes.

joão boaventura disse...

Porque acabei de ler,no Público de hoje, o artigo de João Carlos Espada, "No centenário de Milton Friedman", não resisti a transcrever dois extractos a propósito do post:

1. De Carlos Espada:

Como muito bem recordou Niall Ferguson no artigo de "The Spectator", Milton Friedman ficaria incomodade com a confusão gerada actualmente emntre "austeridade e crescimento". Ele dificilmente poderia apoiar qualquer delas, enquanto nenhuma delas atacasse frontalmente o desperdício e despesismo produzidos por gigantescas organizações estatais artificialmente protegidas da concorrência.

2. De João Carlos das Neves, este
excerto ínsito no Prefácio à nova edição do livro de Friedman, "Liberdade para escolher":

"Na generalidade dos países, as queixas pelo mau funcionamento dos serviços públicos são ensurdecedoras e apesar disso eles permanecem e crescem."


Dois meros apontamentos que se ajustam ao tempo em que assistimos a um espectáculo dantesco, o testemunhamos, e vivemos.

joão boaventura disse...

Múltiplos são os pontos de vista pelo que se propõe a leitura voluntária do post, publicado pelo blog De Rerum Natura, de 02.07.2012, com o título de A propósito das atribulações da educação física.

Luís Coelho disse...

http://expresso.sapo.pt/sobre-a-desimportancia-da-educacao-fisica-no-ensino-secundario=f740058

O link corresponde ao meu artigo, publicado no site do 'Expresso', intitulado «Sobre a (des)importância da Educação Física no ensino secundário»

Anónimo disse...

Ora...ora, todos os esquerdistas da época da "feitura" da CRP sabiam o significado daquele longo texto. Aliás o Prof. joão Boaventura e tantos dos seus amigos esquerdistas lá pela DGD sabiam do assunto. Hoje, já com a conclusão conclusiva de que a CRP não passa de um texto tipo "A Utopia" ou a "Filosofia de um Cego" todos sabemos que existe uma miríade de Provedores e Institutos dos consumidores que apenas existem para gastar €uros e terem por lá mais umas "gentes" a fazerem "qualquer coisinha". Tansos são os que ainda acreditam que a democracia existe e que acham que os que optam pela Teoria da Conspiração estão "apanhados". Ao que nos é dado a ver parece que os Cicilianos ainda têm muito que aprender. Até o Desporto no seu melhor (Avelange, etc) meteram o pé na argola...Pelo que se conclui que o dinheiro foi a invenção do Demo que dominou o Planeta até aos nossoa dias, seja a economia oficial, a inoficial, a paralela ou a escondida. Reciclem-se meus senhores !