Texto publicado no Público de 16 de Dezembro de 2012.
1.
Agora que o debate sobre a criação do Tribunal Arbitral do Desporto ganha
espaço (notícias amigas, via youtube, avançam que a audiência de Mestre Picanço
na Assembleia da República e o “debate” com o seu homólogo Laurentino Dias, não
foi parlamentar, mas sim para lamentar), não será menosprezível dar conta do
labor recente dos tribunais do Estado, em domínios bem importantes.
2.
Há á a registar três recentes decisões.
A
primeira, que teve algum eco na comunicação social, respeita ao caso que opõe a
Federação Portuguesa de Futebol e o Boavista.
Após
a primeira instância dos tribunais administrativos ter afirmado que a “decisão”
do Conselho de Justiça da FPF, que puniu severamente esse clube, é nula, o
recurso interposto pela FPF, para o Tribunal Central Administrativo do Sul, não
surtiu os efeitos pretendidos. Este tribunal nem conheceu do recurso, aplicando
orientação do Supremo Tribunal Administrativo. Desse modo, parece que se
fecharam as portas à FPF para continuar a sustentar, nos tribunais, a
legalidade da decisão daquele seu órgão. Sendo assim, o “ caso Boavista” como
que nunca foi decidido em Conselho de Justiça, seguindo-se, pois, a necessidade
desse juízo. Mas há contas a fazer e só quem está bem por dentro do processo
estará em condições de as fazer (o que não é o nosso caso). Terá ocorrido
alguma prescrição, não sendo possível uma nova decisão do Conselho de Justiça?
Se assim for, o Boavista virá a ser reintegrado na competição de onde foi
afastado? Veremos, com atenção, os próximos episódios.
2.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por seu lado, ocupou-se do “Caso Ruben
Michael”, situação que opõe dois clubes madeirenses quanto a um contrato de
transferência, direitos federativos e direitos económicos. Confirmando a
decisão do Tribunal do Funchal, favorável ao União da Madeira, o tribunal
adianta que a transferência de um atleta de uma entidade desportiva para outra,
envolvendo direitos de inscrição desportiva ou direitos federativos, direitos
económicos e o vínculo laboral inerente à prestação da actividade do atleta, é
uma realidade contratual de conhecimento comum, configurando-se como um
contrato atípico delineado pelas partes no exercício da sua liberdade
contratual.
3.
Para o final, porventura, o mais relevante – por que aplicável a todas as
federações desportivas -, embora, à primeira vista, possa não parecer em face
do resultado concreto do processo.
Referimo-nos a
recente decisão do Tribunal Constitucional em que se encontrava em causa norma
regulamentar da Federação Portuguesa de Futebol, relativa à transferência de
jogadores amadores a partir dos 14 anos, impondo o pagamento de uma taxa de
formação pelo clube ou SAD para o qual se
transfere o jogador, ao clube ou SAD no qual aquele esteve anteriormente inscrito,
segundo tabela a publicar anualmente pela Federação Portuguesa de Futebol, caso
os clubes dela não prescindam por escrito. A FPF, porém, veio, a 6 de Junho de
2012, dar conhecimento da aprovação de novo Regulamento para a inscrição de
jogadores, no qual foi eliminada a disposição normativa de cuja constitucionalidade
o Tribunal iria aquilatar. No seguimento de jurisprudência constante, o tribunal,
perante este novo facto – a revogação da norma em crise - entendeu verificada a
inutilidade superveniente e, em consequência, não conheceu do mérito do pedido
formulado.
4. Ora, não obstante este desfecho – e não é de subestimar a
revogação da norma no seio da FPF -, permanecem válidos, a nosso ver, os
argumentos do pedido formulado pelo Procurador-Geral da República que, algo me
diz, receberiam acolhimento no Tribunal Constitucional.
5. Ora aí está matéria para a qual o actual membro do
Governo responsável (?) pelo desporto deveria endereçar a sua atenção, no
quadro geral das normas regulamentares de todas as federações sobre
transferências de atletas amadores. Mas isso era pedir de mais.
Sem comentários:
Enviar um comentário