domingo, 10 de fevereiro de 2013

Os dilemas do futebol



Texto publicado no Público de 10 de Fevereiro de 2013. 


1. Situemo-nos para além da circunstância nacional.
Os últimos dias ofereceram largos motivos de ponderação para a “governança” (adoro este termo) do futebol.
Sem pretendermos ser exaustivos, mas que para o leitor não perca a memória dos factos e para que os dirigentes atentem nos sinais dos tempos, elenquemos alguns dos mais significativos registos destes dias.
2. A UEFA publicou o seu quinto relatório sobre o licenciamento dos clubes de futebol, abrangendo 670 clubes de 53 federações nacionais, já em ambiente de fair play financeiro, com dados bem preocupantes sobre os problemas financeiros dos clubes.
3. Investigadores da Europol identificaram mais de 380 jogos de futebol manipulados na Europa, incluindo dois encontros da Liga dos Campeões e partidas de qualificação para o Europeu e o Mundial, bem como “jogos de topo nas Ligas europeias”, tendo sido identificadas 425 pessoas, em 15 países (jogadores, dirigentes, árbitros, membros das organizações futebolísticas, etc.).
4. Blatter afirmou: "Estamos a falar de jogos e nos jogos há sempre batota. Nunca deixará de existir."
5. Em França é noticiado o denominado Quatargate, relativo à escolha do país para a realização do Campeonato do Mundo de 2022. A FIFA endereça a denúncia, para investigações, para o seu Comité de Ética.
6. O presidente do Comité de Ética, Mark Pieth, por sua vez, em entrevista a jornal alemão, segundo o noticiado, adiantou que simpatia por ditadores, uma boa dose de sexismo e nenhum desejo de se reformar a sério, fazem parte do ADN da cúpula dirigente do futebol mundial. Ups!
7. É neste contexto que, no passado dia 7, a Comissão Europeia publicitou o estudo sobre os aspectos económicos e jurídicos das transferências de jogadores.
Estamos perante um estudo de fundo a necessitar de leitura atenta e imprescindível para os decisores. Ele termina com a apresentação de 21 propostas de medidas bem concretas, dirigidas às ligas, federações nacionais, UEFA e FIFA, por exemplo. Ele detecta insuficiências jurídicas e formas de controlo.
8.Mas, bem para além das qualidades do estudo, o que deve fazer pensar os dirigentes do futebol é que a União Europeia, mediante a realização destes estudos, não deixa de estar a marcar a sua agenda política no desporto. Ela não se limita, como pode parecer à primeira vista, a potenciar a análise dos problemas. Ela vai como que dirigindo orientações e guidelines ao movimento desportivo, de forma indirecta, é certo, mas que, mais tarde, acabarão por se projectar no juízo que alcançar sobre a dita governança desportiva, sem que seja ainda de desprezar a irradiação desta leitura científica naquilo que podem vir a ser, no futuro, as decisões dos tribunais da União Europeia.
8. É tempo de estudar e de agir.
Vem a minha erudição: o tempo não se ocupa em realizar as nossas esperanças: faz o seu trabalho e voa (Eurípedes). E esta?

4 comentários:

Luís Leite disse...

O mundo do Futebol (prefiro sub-mundo) integra-se no que de mais baixo existe na natureza humana.
A todos os níveis, do dirigismo corrupto ao baixo nível cultural e educacional dos praticantes profissionais.
Há muitas décadas que é assim, mas a situação foi-se agravando com a liberalização total das transferências (acórdão Bosman).
Futebol significa hoje, no essencial, corrupção, lavagem de dinheiro sujo (droga e armas) e tráfico de influências.
Um caldo de cultura tenebrosa mas socialmente triunfante.

Anónimo disse...

Se lessem e estudassem os vestígios materiais e documentais dos testemunhos originais (arqueológicos e antropológicos), as razões que estiveram na origem do Desporto, pela boca e pela pena dos que o inventaram, e não pela dos intermediários, estudiosos, legisladores, e outros equivalentes, ver-se-ia com clareza que ele não serviu para inventar o Jogo, nem para ritualizar a Guerra, nem para exercitar o Corpo, nem para consagrar o vencedor,como tantos ingenuamente dizem; mas exatamente para solucionar a batota. Para ensinar a superar uma relação de competição, de confronto, ou de rivalidade sem a utilização de meios considerados socialmente ilícitos. Com a ideologia do rendimento, do bem-estar, e do consumo material perdeu-se a memória desse começo. Talvez se tenha perdido para sempre, até.

Talvez

Luís Leite disse...

Talvez
é tão culto, tão intemporal e tão omnipresente, que conseguiu aprender as razões que estiveram na origem do desporto, nunca lendo os estudiosos, mas pela boca (ou pela pena) dos que o inventaram.
A propósito:
Quando é que inventaram o desporto?

Talvez sabe.

Anónimo disse...

Se sabe, não responde...