Texto publicado no Público de 24 de Março de 2013
1.
Quinta-feira passada o Conselho de Ministros aprovou uma proposta de lei que
estabelece o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à
xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, de forma a possibilitar
a realização dos mesmos com segurança.
Reza o comunicado oficial, entre outros
aspectos, que a proposta promove uma maior responsabilização dos promotores dos
espectáculos desportivos, agravando-se o regime sancionatório, nomeadamente
pela possibilidade de recurso à punição directa, solução que é decalcada das
melhores práticas internacionais. Reveem-se as responsabilidades individuais dos adeptos e
as regras relativas à possibilidade da interdição de acesso a recintos, bem
como o regime aplicável aos grupos organizados de adeptos e à sua relação com
os clubes, associações e sociedades desportivas. Estabelece-se ainda um
mecanismo que permitirá que se proceda a uma mais adequada contenção de adeptos
desportivos condenados noutros países, por aplicação de medidas de interdição
de entrada em recintos desportivos ou sanção equivalente. Neste âmbito, o ponto
nacional de informações sobre futebol assumirá um papel fundamental.
2.
Na mesma reunião aprovou-se,
na generalidade, uma alteração ao regime de policiamento de espectáculos
desportivos realizados em recinto desportivo e de satisfação dos encargos com o
policiamento de espectáculos desportivos em geral.
Esta alteração determina que os espectáculos desportivos
integrados em competições desportivas de natureza profissional, como tal
reconhecidas nos termos da lei, devam sempre, obrigatoriamente, ser objeto de
policiamento.
Quanto a este último texto ele representa mais um acto
de uma trágico-comédia normativa do Governo e insere-se, por outro lado, num
beco sem saída a que tinha chegado a segurança nas competições profissionais de
futebol. A ver vamos se desta o Governo acerta e não repete o espectáculo que
iniciou com a publicação do “novo diploma” sobre o policiamento, em parte
afastado posteriormente por “instruções administrativas”.
3. No que respeita à “lei da violência”, ainda a aprovar
pela Assembleia da República, conseguimos fazer um prognóstico antes do fim do
jogo, quanto à sua ineficácia.
Como é possível adiantá-lo sem conhecer o texto da
proposta, questionará legitimamente o leitor?
Eis, no essencial, a minha explicação.
4.Coube ao Decreto-Lei
nº 339/80 , de 30 de Agosto, concretizar as primeiras medidas
tendentes a conter “ a curto prazo” (como afirmava) a violência nos recintos
desportivos.
Esse diploma veio a ser alterado pela Lei nº 16/81 , de 31 de Julho e,
mais tarde, pelo Decreto-lei nº
61/85 , de 12 de Março.
5. Sucede-lhes o Decreto-Lei nº 270/89 , de 18 de Agosto.
6.Depois veio a Lei nº 38/98 , de 4 de Agosto.
7. Depois (II) a Lei nº 16/2004 , de 11 de Maio.
8. Depois (III) a Lei nº 39/2009 , de 30 de Julho.
9. Agora, algures no tempo próximo, uma lei “nova” em
2013.
10. Todas as leis anteriores foram apresentadas, em
manifesta propaganda política, como encerrando um ponto final miraculoso nesta
matéria. Sempre de acordo com as melhores práticas internacionais.
Todavia, sempre “morrendo”, alguns anos depois, por não
lograrem atingir os objectivos a que se propunham.
É desta? Não, claro que não.
Enquanto não se cortar a seiva negra que liga os clubes
às claques, bem podem fazer periodicamente novos diplomas.
Enquanto o Estado – e toda Administração Pública – não
fiscalizar rigorosamente o cumprimento da lei – de qualquer lei, velha ou nova
– e omitir-se do exercício dos seus poderes/deveres, eu acertarei sempre nos
meus prognósticos neste domínio.
3 comentários:
Repetidamente J.M.Meirim critica a sucessão de leis e regulamentos. No que é acompanhado por um coro composto quer por aqueles que estão ancorados geneticamente aos «partidos com assento parlamentar», quer ainda por aqueles que julgam poderem ser «independentes».
Já aqui critiquei a infelicidade do destino das políticas públicas de desporto ter sido abandonada aos juristas, aos contabilistas, e aos construtores de infraestruras. Numa dança-à-vez que tem sido incapaz de definir corretamente os objetivos de gestão do desporto, e que, por mero oportunismo politico de caça de lugares na Administração Pública, expulsou definitivamente os detentores do conhecimento desportivo do poder diretivo nas instituições do Estado.
Mas não é a esse esbulho que agora me refiro. Refiro-me a certa uma ingenuidade na crítica que se faz ao atual Governo em matéria legislativa.
A governação anterior, com a LBAFD, apostou numa «estatização da regulamentação desportiva» na convicção (legítima e bem-intencionada) que o fortalecimento do papel do Estado seria imprescindível para melhorar o Desporto. O atual Governo provocou uma rutura (liberal) nesse status quo, ao retirar essa preponderância ao Estado e dá-la aos agentes que constroem a realidade desportiva. Fê-lo dando ao Desporto o poder da Arbitragem-Em Causa Própria (tribunal arbitral).
A partir desse momento toda a discussão sobre a atividade legislativa no desporto, sobretudo a que é produzida pelo Estado, muda de paradigma. Já vale muito pouco, e terá cada vez menos relevância com o decorrer do tempo. A menos que o liberalismo regresse ao socialismo.
Podemos estar de acordo ou em desacordo com esta mudança, mas será desonesto intelectualmente não querer vê-la. A partir de agora, haja muitas leis ou poucas, sejam cumpridas ou não, isso já não interfere muito com a realidade desportiva (com o modo concreto de funcionamento dos clubes profissionais, a indústria desportiva, a FIFA, o COI, as casas de apostas online, e os restantes patrocínios multinacionais). Aliás essa indiferença era o que desde a década de 1990 sempre existiu no terreno da prática, como os próprios críticos assinalam.
Agora o Estado deixou de ser dono do Desporto, em linha com o que a Folha A4 há muito (desde 2008) propôs. Em Portugal talvez já tenha deixado de ser o acionista maioritário.
Faltam agora as outras reformas que a Folha A4 indicou. Porque isso só trará ganhos em eficácia e eficiência.
É necessário (para construir um Estado forte, não corrupto, e capaz de defender Portugal) que essa reforma seja feita de modo consensual entre os partidos do dito «arco da governação».
O futuro está nesse novo contrato social. É isso que se exige a quem tiver responsabilidades políticas nas próximas décadas.
Talvez
Curioso como o Sr. Talvez não fala no Regime Jurídico da Federações Desportivas!
Talvez não tenha propensão para isso!
Não fala, porque não tem competência para falar do que não domina tecnicamente. Apenas aborda o aspecto do modelo de relação do Estado com o Desporto no contexto do que sucederá na próxima década. Chama a atenção para a existência de dois tipos de possibilidades que subjazem a esse acto legislativo. Não no plano jurídico, mas no plano das consequências sociais do acto de prescrever um modelo cuja direção pertence em demasia ao Estado, ou, em alternativa, um modelo mais auto-corretivo, onde os reajustes se fazem no seio do próprio funcionamento de quem está no terreno das práticas e dos investimentos na realidade desportiva. O dito Regime das Federações é inevitavelmente um desenlace que depende do modelo decidido a montante. Apenas isso.
Talvez
Enviar um comentário