As recentes noticias em torno da solicitação, do Parlamento Europeu (PE) e de sete federações desportivas, à Comissão Europeia sobre a clarificação do estatuto legal do desporto no âmbito da ratificação do Tratado de Lisboa revelam o incómodo das autoridades desportivas sobre a insegurança jurídica em torno do escrutínio das regras desportivas pelas instâncias reguladoras da UE, de acordo com o teste de inerência e proporcionalidade adoptado pelo Tribunal de Justiça da Comunidades no caso Meca-Medina e recomendado no Livro Branco sobre o Desporto.
É pois natural que esta análise “caso a caso” seja desconfortável para as autoridades desportivas - que reclamam um elevado grau de autonomia na sua acção e excepção ao direito comunitário, no quadro da especificidade do desporto face a outros domínios e sectores de actividade económica incluídos no Tratado – uma vez que a avaliação judicial das regras desportivas pelos reguladores comunitários se prevê mais rigorosa e aprofundada, nomeadamente em matéria de concorrência.
A este propósito seria interessante questionar, por exemplo, o que a Comissão teria a dizer sobre um eventual “caso Monteiro” nos termos das disposições do Tratado sobre ajudas de Estado?
Mas a integração do desporto no domínio de acção da Comunidade através do Tratado de Lisboa, ainda que de uma forma de suporte, coordenação e complementaridade á acção dos Estados- Membros – excluindo por isso uma harmonização directa das suas leis -, poderá suprimir diversos constrangimentos na construção de uma politica desportiva europeia, abrindo portas a uma pluralidade de perspectivas sobre a organização e governação do desporto europeu, com possíveis efeitos, ainda que indirectos e limitados, nas legislações nacionais.
Uma das perspectivas na carteira dos actores políticos na gestão do futuro da governação do desporto europeu é sem dúvida a pressão para o reconhecimento dos seus valores culturais, como estratégia para uma “excepção desportiva”. Relembre-se que este foi um argumento utilizado no caso Bosman. Na época o Tribunal não estava preparado para esse reconhecimento.
Dada uma competência desportiva agora expressa no Tratado, a sua posição poderá vir a ser bem diferente.
Tendo em atenção que a Comissão sempre foi o elo mais fraco no quadro dos reguladores comunitários, dada a sua apurada sensibilidade para os assuntos desportivos que proporcionou durante anos vários atropelos aos princípios do Tratado, como o aval à regra 3+2, ou a utilização de mecanismos frágeis de investigação aos organismos desportivos que acabaram na cedência a acordos informais bastante favoráveis ao mundo do desporto, é natural que a pressão sobre este organismo seja cada vez mais forte com a aproximação da ratificação do Tratado de Lisboa, suportada pelo ímpeto de uma “rolling agenda” lançada em 2004 com vista a enquadrar os assuntos prioritários e coordenar a agenda da política desportiva europeia.
Torna-se assim importante saber para que rumo pende a Comissão, nomeadamente após algumas indicações no Livro Branco menos agradáveis para aqueles que se opõem ao envolvimento da UE no desporto, com as federações desportivas e comités olímpicos na dianteira, bem secundados pelo PE.
O artigo do Tratado de Lisboa (art. 149.º) representa um alargamento de competências da UE e maior rigor no escrutínio das instituições comunitárias sobre o desporto, ainda que tendo em atenção a sua especificidade? Ou o artigo coloca sobre os reguladores comunitários uma obrigação legal de respeito da autonomia e especificidade do desporto, no cumprimento do princípio da subsidiariedade, limitando a sua acção?
O Comité das Regiões tomou recentemente a sua posição sobre aquele dilema no parecer sobre o Livro Branco sobre o Desporto:
“vê com preocupação os objectivos enunciados no «Livro Branco sobre o desporto» da Comissão, pois manifestam uma tendência clara para ampliar as competências da UE na área do desporto, ultrapassando o actual conteúdo da Declaração de Nice e das disposições estabelecidas no Tratado. A autonomia
Neste alinhamento de forças surge da leitura do parecer mais uma posição divergente dos propósitos lançados pela Comissão no Livro Branco, no que respeita à regulação do desporto europeu.
3 comentários:
A sua sempre bem informada posição sobre questões europeias levanta aspectos de interesse entre instituições públicas comunitárias
A posição do Comité das Regiões talvez se relacione com a preocupação que a Comissão lhe retire protagonismo.
Temos um mesmo e apetecido bolo cuja partilha está a ser negociada por estes documentos e intervenções dos diferentes órgãos da União Europeia.
Outra posição distinta será a das instituições desportivas interessadas em beneficiar dos financiamentos públicos com largueza de critérios de aplicação e usar de independencia quanto aos seus direitos de monopólio que pretendem explorar com critérios de maximização do lucro.
A minha posição é que o Livro Branco não surge como um empecilho à maximização do interesse das populações europeias.
Tem amplitude para as federações darem asas aos seus objectivos e permite ao Estado intervir garantindo os direitos de propriedade dos diferentes parceiros.
Ou seja, a crítica ao Livro Branco é a negociação na margem da nova estrutura do desporto europeu.
O desporto europeu transforma-se profundamente e a Comissão tem iniciativas que mexem com o estabelecido.
A alternativa é cada vez mais a de no limite permitir a actuação devastadora dos capitais americanos, e europeus, que secariam o resultado de décadas de desporto europeu.
Num mundo globalizado é difícil excluir parceiros como pretenderá o Comité das Regiões.
Também existe a posição divergente em termos de concepção de intervenção pública nomeadamente entre os modelos do norte e centro da europa e os do sul.
o comentário anterior seguiu sem nome por lapso
Caro Fernando Tenreiro
Agradeço as suas palavras
O Livro Branco surge como uma passo importante no sentido da UE marcar a sua posição face a alguns dos desafios que hoje se colocam ao desporto europeu no quadro de uma sociedade globalizada.
Não penso que se trate de mais uma mão cheia de nada. Um documento vazio que se esgota nos corredores de Bruxelas, como muitos outros, por motivos que poderei um dia adiantar.
Aliás, algumas das decisões do TJC, nomeadamente em matéria de regulação da concorrência no mercado interno, colocaram importantes desafios à democratização do mundo desportivo.
Veja-se, por exemplo, as consequências com a criação do Conselho Estratégico para o Futebol Profissional, que levou a UEFA a abrir espaço a novos actores na governação do futebol profissional de modo a evitar abusos de posição dominante.
Penso que o Comité das Regiões se coloca proximo das autoridades desportivas, dado que, como refere, um assumir de maiores competências da Comissão retirará margem de influência às autarquias locais, e principalmente às regiões, as quais assumem em vários paises europeus importantes atribuições em matéria de financiamento público ao desporto.
Revejo-me na sua posição do Livro Branco ser um instrumento de geometria variável na mediação píblico-privada da estrutura tradicional do deporto europeu.
O problema coloca-se nos mecanismos de gestão da agenda política no sistema de governação multilateral da UE, o qual se funda no livre registo de interesses e fortes redes de influência de actores politicos e desportivos. seja na via das high politics, como na das low politics.
Neste particular, tendo em atenção o passado pouco feliz de intervenção da Comissão no desporto, em especial na sua dimensão económica, temo que a Comissão volte a ser o elo mais fraco nesta paleta de interesses, comprometendo alguns avanços consolidados no Livro Branco
Aguardemos então.
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