terça-feira, 3 de junho de 2008

Em águas de bacalhau

Que me desculpe quem assim não pensa. Mas um dos pecados em que incorrem, algumas das pessoas - poucas de resto - que têm preocupações críticas sobre a situação desportiva nacional é o de centrarem as suas atenções sobre aquilo que é a agenda política dos governos. Não porque seja uma matéria irrelevante ou despicienda, ou porque os governos sejam por natureza pouco competentes mas porque, tradicionalmente, estão presos a lógicas pouco programáticas e de pouco conteúdo ideológico-político. Agrava esta situação o facto de no âmbito da União Europeia a sua agenda estar marcada por uma tensão entre um desporto como direito e um desporto como negócio falecendo às mãos das grandes organizações desportivas internacionais que passam parte da semana a gerir o negócio que o desporto lhes proporciona e, de quando em vez, têm um rebate do consciência e dedicam-se à defesa dos “valores”. E nestes ao omnipresente “fair-play” como é de bom-tom. Encurtando explicações: a agenda europeia e os seus temas são, com o respeito devido a quem pensa de modo diverso, perfeitamente irrelevantes ao que hoje deveria preocupar a “política europeia”e a sua social-democracia/socialismo: a crescente mercantilização do desporto e a sua absorção pelas lógicas do liberalismo económico. Que modela não apenas as condições de acesso às práticas desportivas como “modela”o próprio desporto praticado.
Com a crise das esquerdas, que com excepção dos comunistas, nunca tiveram um pensamento doutrinário próprio, e com a congénita incapacidade da direita em marcar ideologicamente o terreno desde que faleceu o modelo fascista, o que distingue o debate actual não é tanto o de saber que modelo ou projecto de politica pública desportiva se tem para o país, mas sobretudo quem tem mais ou menos capacidade para “regular” o desregulado sistema desportivo, quem está mais “em cima das coisas”, numa agenda que é feita pela comunicação social e pelos seus comentadores. E que tanto pode ir dos futebolistas com salários em atraso, aos “negócios”do Dakar, às possibilidades de organização do mundial de futebol ou até às peripécias do apito final. As organizações desportivas nacionais ligadas ao futebol têm sido, de resto, as únicas com capacidade para colocar em debate público alguns temas. Mas naturalmente muito centrados no futebol e nos seus interesses próprios. Das outras não se conhece qualquer ideia, projecto ou iniciativa que possa ser suficientemente motivante ou minimamente interessante.
Não surpreende assim, que a agenda política e os seus trabalhos se centrem sobre a “modernização legislativa”, e a gestão dos “poderes”. Mas o voluntarismo das medidas de produção legislativa, independentemente do seu mérito ou demérito, esbarrará sempre se actuação dos agentes a todos os níveis (público, privado e associativo) não for informada por um conhecimento que tem de ir para além do trivial e do discurso de circunstância. Ora o desenvolvimento desportivo confronta-se, actualmente, não apenas com um envelhecimento demográfico, mas com um envelhecimento e um empobrecimento dos modelos de sua abordagem. O que é visível, quando se compulsam as políticas, de génese pública ou associativa, ou quando se consulta a bibliografia e os estudos produzidos. Ou quando ao fim de semana visitamos os campos desportivos e assistimos às competições que não têm o direito da atenção dos poderes públicos ou mediáticos.
É verdade que estamos a viver um tempo diferente. Mas estamos, ao nível do debate político, pior do que no tempo do modernismo, e muito pior do que no pós-modernismo; no primeiro, havia uma bipolaridade na interpretação da história e existia, pelo menos, um contraditório interpretativo; no segundo, as prolixas e díspares interpretações e análises permitiam um sentido de riqueza de debate que se perdeu.Com o que alguns autores designam pelo “presentismo histórico”, passa a existir uma só visão da história e um só projecto para o mundo :o politicamente correcto. E o desporto não escapa a este sinal dos tempos .Um tempo que não é o do conflito entre menos direito ou mais economia.É o de pouca política.

11 comentários:

mdsol disse...

Quem sabe, sabe. Para abordar o desporto, seja de que ponto de vista for, não chega saber o saber da abordagem...é preciso também saber de desporto...Integrar e voltar a dar é o que faz nestes seus textos. Torna-se assim uma voz articulada e lúcida, sem preconceitos e muito original(heterodoxa!!!)
:)

Anónimo disse...

Interessante posição a sua José Constantino,

Contudo, tendo partido da realidade desportiva, o que procuro são os argumentos técnicos e materiais que poderão ajudar o desporto a um maior desenvolvimento, usando melhores instrumentos.

O que descreve podendo ser a realidade política impede o debate material, por exemplo, sobre a Lei de Bases como instrumento de política.
Refere o tempo da "pouca política".
Quer dizer que esse tempo se caracteriza pela pouca técnica?
Os exemplos que deu caracterizam-se por alguma exigência técnica e profissional. Se se incute rapidez à decisão, maior é a exigência de capacidade para se obterem resultados superiores.


Noutros países as estatísticas e os calculos ainda contam como na Itália.

Acabam de me chamar a atenção que segundo os cálculos do CONI Portugal poderá ganhar em Pequim 7 medalhas. http://www.coni.it/?id=5165


Com estes resultados haverá uma de duas posições:
1 - Não se mexe nada, porque está tudo bem.
2 - Vamos analisar o desporto português agora que um novo ciclo se inicia.

Mantenho o desafio inicial: a elaboração de uma Lei de Bases do Desporto é um processo que merece ser analisado e demonstrado que o desporto ganha com a sua realização.

Anónimo disse...

A mdsol vé o mundo muito cor de rosa e cheio de José Manuel. Olhe que o mundo é multicolor, multipartidário e outros multi!

Anónimo disse...

Desporto Apolítico ou Desporto sem Política

De facto, quando se analisam os últimos anos do desporto nacional temos de considerar que nele não existe política, nem gestão, nem economia.

Todo o percurso destes anos tem sido marcado por uma absoluta incapacidade de pensar aprofundadamente os caminhos de desenvolvimento desportivo e perpassados apenas por variadíssimas ocasiões que apresentam ou obras e eventos que não têm tradução num pensamento conhecido e sistematizado sobre o evoluir do desporto em Portugal ou se enredam em sempre novas e nunca concluídas legislações.

Se olharmos mais aprofundadamente para a realidade da administração governamental e do sistema associativo desportivos não conseguimos encontrar nestes anos quaisquer elementos que ancorem devidamente um pensamento sistemático e estratégico sobre o desporto.

Não foi produzido por ninguém (nem pelo Governo nem pelas entidades do movimento associativo com o Comité Olímpico actualmente no seu topo) um único estudo ou documento que pense estrategicamente o desporto, que apresente dados actuais da participação desportiva da população, que discorra sobre o valor económico e social do desporto, que defina prioridades de desenvolvimento, que faça a ligação entre o desporto autárquico, local e nacional, que esclareça sobre as estruturas e funcionamento das federações desportivas, ou que descreva as metas de melhoria e apresente os diversos actores e níveis de responsabilidade.

O que se vê, bem ao contrário de tudo isto, é uma ausência completa de transparência e de detalhe dos caminhos, bem visível na completa nulidade dos sites do nosso Instituto do Desporto e da Secretaria de Estado (transformados em meras montras noticiosas reproduzindo muito mal qualquer órgão mediático), nos quais não é possível obter qualquer informação circunstanciada sobre estratégias de desenvolvimento, caminhos e metas do nosso desporto.

No movimento associativo a panorâmica não é diferente e o nosso Comité Olímpico, entidade quase monopolista e cofre de financiamento do desporto de alto rendimento, não tem também nenhum quadro de referência sobre o desenvolvimento desportivo nacional.

Não existe entre nós também qualquer discussão circunstanciada sobre o Livro Branco do Desporto da UE nem sobre o significado de no Tratado Europeu se cometerem competências em matéria do desporto às instâncias comunitárias.

Por outro lado, o pensamento económico sobre desporto em Portugal não existe, não se conhece também nenhum estudo que apresente elementos relativos ao valor económico do desporto, análises que estudem o desporto com os instrumentos da ciência económica, estatísticas relevantes para conhecer com detalhe a realidade desportiva do país, etc.

Quanto à gestão no e do desporto o panorama é praticamente idêntico ao da economia, não existindo comunidades activas e disseminadoras de conhecimento, instrumentos, processos e práticas que se transfiram para as organizações desportivas e obriguem a passar de modelos antigos e amadorísticos para patamares de gestão mais eficazes e transparentes.

Sobram, assim, neste nosso desporto as análises ideológico-políticas sobre tudo e nada, que se defrontam ano após ano com as mesmas incapacidades de gerarem discursos sistematizados e estratégicos e novas práticas dos políticos e dos dirigentes desportivos.

Porque para existirem políticas de desenvolvimento desportivo com quadros de referência, metas e prioridades, e responsabilidades definidas para os diversos níveis e agentes, é indispensável unir o discurso generalista e redondo da ideologia aos das metodologias e processos das ciências sociais (economia e gestão) que capacitem para gerar efectivos movimentos de mudança da realidade desportiva nacional.

J. Manageiro da Costa
(4 de Junho de 2008)

Anónimo disse...

Pois é Manageiro da Costa

E sobre a sua posição acerca da Lei de Bases do Desporto?

As suas criticas são justissimas e se não estou em erro já apontadas por si e por outras pessoas e se não responde à questão da Lei de Bases, continuamos bem, graças a si.


Ou o seu objectivo é que não se discuta.

Creio que há aqueles que nem sequer vão a jogo porque tanto lhes faz, os que preferem ficar quietos e os que vão a jogo para não se conseguir nada.

Temos capacidade para discutir a Lei de Bases do desporto ou baixamos as tampas dos laptops?

Anónimo disse...

O José Manuel Constantino, anda tão bem que parece estar apaixonado! O problema da crise das esquerdas ´que hoje se retrata com vigor, mas adveio de um feixe de esperança decorrido em meados da década de 90 do século passdo, ingressa com força nas políticas desportivas.

Anónimo disse...

Caro Fernando Tenreiro,

Contarei com o seu sentido de humor e tolerância para os comentários que em seguida, pela primeira vez,entendo dirigir-lhe (e que respondem agora a várias das suas antecedentes invectivas).

Para vermos da importância da Lei de Bases para a evolução do nosso desporto pensemos na seguinte situação hipotética:
Um indivíduo está às rédeas de uma carroça completamente carregada de abóboras puxada por um jumento e tem de começar a sua caminhada na direcção do mercado para vender a carga e sobreviver.
Reunem-se à sua volta inúmeras vozes que lhe dizem que antes de começar a andar tem de pensar profundamente sobre a sua origem, o sentido da vida e posição no mundo, sobre os mecanismos de poder que vai encontrar na caminhada e etc.
No outro lado, em simultâneo, outras vozes começam a ditar-lhe de imediato e sem pausa todas as inúmeras regras e procedimentos que terá de cumprir para cada passada do jumento.
E a conversa vai-se eternizando e quando parece que vai findar volta, uma e uma vez mais, à estaca zero.
O homem cada vez com ar mais infeliz e despassarado começa a duvidar do ânimo seu e do animal para mover a carroça. E desiste por fim, abandona tudo e desaparece.
Esta é a "estória" que poderia fazer a leitura do nosso enredo desportivo - do desporto em Portugal.
Lei de Bases - e vão três em quatro anos. E o desporto como ficou?
Portanto, posição sobre a Lei? Quando já com esta ainda não regulada foram nomeados os iluminados do CND para tudo discutirem sem que nada se conheça do que discutiram e das suas posições...!
Francamente a minha posição é indiferente, tanto pode ser de frente, como de lado, como de costas, nada disso importa na caminhada da carroça desportiva.
Não sei, mas gostava de saber, qual será a dimensão em artigos da Lei de Bases do Reino Unido.Presumo que deva ser do tamanho da Bíblia ou próximo pois eles têm inúmeras, contínuas e volumosas políticas de desenvolvimento desportivo.
Ah e lá não é Comité Olímpico que gerencia o desporto de alto rendimento, há quem publicamente, melhor parapublicamente, trate e preste devidas contas das respectivas políticas e faça os devidos pagamentos aos atletas e treinadores.
Mas isto são contos de outros Reinos, diria o homem da carroça e se calhar cogitaria o próprio jumento.

J. Manageiro da Costa
(4 de Junho de 2008)

Anónimo disse...

Manageiro da Costa
O direito é fundamental para a eficiência do desporto e um motor do desenvolvimento desportivo.
Ao propor a discussão da Lei de Bases esperaria chegar ao ponto de aparecerem instrumentos alternativos e que com vantagem beneficiam o desporto.
A sua posição parece-me de formas diferentes semelhante à do Constantino.
O trabalho do CND poderá ser aproveitado para outros instrumentos se for correcto ou pode ser para abandonar.
Como não encomendam estudos, não têm informação relevante e decidem em autarcia a sua janela de oportunidade diminui.
Quando fala de Inglaterra o que eles fazem são estudos e dossiers com os quais apoiam os processos de decisão.

mdsol disse...

e o anónimo é isso... um anónimo. bahhhhhhhhhhhhh

Anónimo disse...

O jumento... pois...
O problema não são os jumentos deste País. O grande problema são os puxadores de carroça, que têm as rédias e não sabem para onde devem ir, porque, das duas uma, ou não estão no lugar certo (cairam ali «empurrados» por alguém - algum jumento amigo) ou ouvem demasiado os jumentos que o rodeiam e, não tendo capacidade para os mandar à palha, desistem preferindo juntar-se à manjedoura!!!
ZecaAfonso.

mdsol disse...

Gosto mesmo, [ia dizer um adoro tipo tiá] destes anónimos cheios de peito e letra na ponta do dedo que vêm aqui atirar umas bocas, sem exprimirem uma única opinião que não seja do nível da tertúlia cor de rosa! Valentes, estes anónimos.
Daaahhhh!