Nesta colectividade têm sido muitos os contributos sobre a pertinência (ou não) de um plano de desenvolvimento desportivo, suas modalidades e, fundamentalmente, sobre o sentido a atribuir a um tal documento no domínio da definição e prossecução de uma dada política desportiva.
Devo confessar – e não é a primeira vez que o faço – que não é este o meu domínio de intervenção. De todo o modo, como diria uma amiga estudante adolescente, julgo que temos que nos «organizar».
No passado dia 3, os deputados do Partido Comunista Português apresentaram na Assembleia da República o Projecto de Resolução nº 335/X-3ª, que recomenda ao Governo a criação e implementação do Programa Nacional de Desenvolvimento Desportivo.
A título de mera informação, quem sabe para outros debaterem com propósito, avanço um resumo do projecto, que espero não seja abusivo.
O ponto de partida parece assentar nas seguintes proposições: (a) a política desportiva em Portugal tem vindo a limitar-se a uma intervenção casuística do Estado; (b) o desenvolvimento desportivo que se tem verificado em todo o país é essencialmente devido às autarquias locais e ao associativismo desportivo; (c) o desporto em Portugal encontra-se em crise estrutural; (d) a crise nasce da discrepância entre o esforço do associativismo desportivo e das autarquias locais e o papel e a displicência dos Governos; (e) a crise abala os quatro grandes pilares do desporto (escola, associativismo desportivo, autarquias locais e sector laboral); (f) a perspectiva de considerar o desporto meramente enquanto espectáculo de diversão de massas não é compatível com a promoção da prática desportiva de forma ampla e democrática.
São necessárias, portanto, na lógica dos proponentes, um conjunto de medidas estruturais.
Transcreva-se agora:
É, pois, urgente a adopção de um Programa Nacional de Desenvolvimento Desportivo que contemple e estruture as orientações centrais para o Desporto, na perspectiva da ampliação do acesso à prática desportiva, com particular expressão junto da juventude, mas com políticas sectoriais destinadas à generalização das práticas dirigidas a todas as outras camadas da população. Nesse sentido, a estruturação de medidas e a planificação no médio-prazo do papel do Estado junto das Autarquias, do Movimento Associativo, das Escolas e do Sector do Trabalho devem ser elementos centrais na delineação de uma política de desenvolvimento desportivo que crie as condições reais para que a prática desportiva constitua um desígnio nacional e estruture a resposta a necessidades sociais que exigem soluções urgentes.
Assim, recomendam seguintes medidas:
- Elaboração de um Programa Nacional de Desenvolvimento Desportivo a partir da acção coordenada entre as entidades que integram o sistema desportivo, garantindo a convergência de esforços e a definição de objectivos claros para a acção e intervenção do Estado.
- Elaboração do Plano Nacional de Equipamentos Desportivos.
- Elaboração, integrando o Programa Nacional de Desenvolvimento Desportivo, do Programa Nacional de Actividades Físico-Desportivas como factor determinante na saúde, na prevenção da doença, na integração social e na melhoria da qualidade de vida para o conjunto da população.
- Implementação de um Programa Nacional para a Integração e Inclusão Social e Prevenção de Riscos através do Desporto, integrado também no Programa Nacional de Desenvolvimento Desportivo.
- Criação de condições para que o Desporto Escolar passe a constituir uma realidade bem estruturada na vida da população escolar.
- Criação de Centros de Orientação Desportiva em Escolas Públicas distribuídas de forma equilibrada pelo território nacional, tal como a criação de Pólos Regionais de Desporto de Alto Rendimento e de Centros Nacionais de Desporto de Alto Rendimento.
- Estabelecimento de um Programa Nacional de Detecção dos Mais Dotados que funcione como um observatório de captação.
- Promoção de uma Campanha de Promoção do Desporto no Trabalho.
- Ampliação e efectivação do acesso ao controlo médico-desportivo por parte de todos os interessados em praticar desporto, apoiando inclusivamente o trabalho dos clubes, abrindo no maior número possível de Centros de Saúde uma “Consulta do Desportista”.
- Criação de um Quadro Nacional de Apoio ao Movimento Associativo Desportivo não profissional, que parta do Programa Nacional de Desenvolvimento Desportivo e que, partindo de objectivos claros, garanta coerência e total transparência aos apoios fornecidos aos clubes desportivos e como forma de ultrapassar a descapitalização do sector e do sistema desportivo.
- Criação de um Plano Nacional de Formação, com o objectivo de renovar os processos de formação dos agentes desportivos.
9 comentários:
Parabéns ao blogue por ter tido e manter nas suas páginas este debate
O documento apresentado é um equivalente, lato senso, de uma Lei de Bases do Desporto propondo planos, quadros, centros, entre outros.
A sua novidade é a diversificação dos instrumentos técnicos de política desportiva.
Assim como há vida para além do Orçamento, como falam tantas personalidades da vida política nacional, esta proposta sugere que há mais vida para além das leis de bases.
Esta é a primeira proposta e sendo naturalmente inspirada pelos valores de um dos partidos de esquerda é um contributo que o desporto deve acolher aguardando a perspectiva das outras organizações presentes na Assembleia da República.
O associativismo também terá uma palavra e este blogue dá os passos no sentido positivo.
Tal como outras alternativas esta medida de política envolve igualmente aspectos do direito desportivo que importará acautelar naturalmente para uma aplicação benéfica para o desporto e o país.
Parece, contudo, estar a construir-se a casa pelo telhado.
Falta debate técnico no desporto português e o desafio de determinar um objectivo para o desporto português não se colmata pela aprovação de um programa na Assembleia da República que como muitos notam deixam tudo na mesma.
Por exemplo, e para não ir mais longe algumas medidas sendo imperativos do desenvolvimento não têm de ser desenvolvidas pelo Estado, central ou local.
A sociedade civil poderá ter um papel eficiente e mais produtivo se tiver condições para o exercício da sua actividade.
Concorde-se ou discorde-se das suas propostas é inquestionável que o PCP é o único partido político português a presentar doutrina e propostas globais para o sistema desportivo nacional.Esse mérito deve ser-lhe reconhecido.
Reconheçamos então.
E depois?
Falta o depois.
Isto é, tudo na mesma.
Portanto, reconheçamos o tudo na mesma.
Sem maledicência.
Concordo em absoluto com as palavras do associado José Manuel Constantino. Ao nível autárquico e das políticas locais não é preciso grande esforço para constatar esse património político
E depois?
Cabe aos deputados a quem a proposta foi apresentada discuti-la e aprová-la ou não.Não é aos analistas ou aos comentadores que cabe responder ao depois.Cabe-lhes quando muito analisar ou comentar a resposta que vier a ser dada pela Assembleia da República.Ou não?
Luís Serpa
Do ponto de vista material qual é a utilidade deste projecto?
Algum jurista ou estudioso pode esclarecer o alcance material desta iniciativa?
Este blogue está a precisar de férias.
Já a passagem de Portugal pelo Euro2008 passou aqui em branco.
Quem diria que o Futebol não é Desporto?
A pior coisa que se pode fazer ao PCP, à sua proposta e ao desporto português são palavras misericordiosas sobre o carácter das acções do partido.
O anónimo tem inteira razão e escusa de se desculpar.
O "hate mail" dá-se a conhecer pelo extremismo que estabelece enquanto a pergunta pertinente ou a nota crítica faz parte do entendimento dos indivíduos.
Mantenho o meu ponto inicial.
Esta proposta do PCP está no esteio das propostas de âmbito legislativo que marcam as legislaturas do desporto português.
Ela marca, contudo, a primeira jogada fora do âmbito das Leis de Bases que marcam a política desportiva desportiva recente em Portugal.
Os Modelos de Desenvolvimento do Desporto em Portugal: Breves Notas
O desenvolvimento do desporto em Portugal pode e deve obedecer a uma matriz fundacional de carácter não “estatulátrico”.
Não é absolutamente imperativo que da ausência quase completa de uma intervenção consequente e estrategicamente enquadrada por parte do Estado ao longo de muitos anos se caia no modelo estatizado de planificação do topo para a base, desprovido de elementos concretos e territorialmente diversos da realidade desportiva existente.
O modelo de desenvolvimento do desporto tem de começar por conhecer detalhadamente a realidade, promover os estudos e a produção de dados e estatísticas relevantes, reconhecer a dimensão económica e social do desporto para o País, estudar os caminhos de evolução em determinados prazos temporais, determinar a evolução das estruturas e redes de cooperação em que se baseie, e pensar sobre o tipo de dirigentes e agentes de desenvolvimento regional e local, incluindo os escolares, em que um processo complexo de desenvolvimento se há-de fundamentar.
E claro, é imprescindível trabalhar o envelope financeiro de médio prazo que deve acompanhar os objectivos e as metas de desenvolvimento que decorrerão dos processos de planeamento estratégico que resultem da conjugação das acções no terreno dos diferentes tipos de agentes de desenvolvimento – públicos, não públicos e privados.
Não podemos em Portugal, por evidentes limitações de produção de conhecimento sistematizado sobre o desenvolvimento e as políticas públicas desportivas, embarcar em modelos de planificação centralizada, crentes de grandiosas narrativas de desenvolvimento, superficial e inadequadamente fundamentadas em conhecimento e dados sistémicos, apenas porque não existe esse pensamento alternativo e bem fundamentado que permita perspectivar e projectar um caminho de desenvolvimento flexível e alternativo.
Estudar os processos de desenvolvimento desportivo de outros países europeus, como o do Reino Unido que está completamente disponível ao clicar de teclas na Internet, permite projectar esses caminhos alternativos, os quais são, entenda-se, enormemente exigentes na produção de conhecimento sistemático, de criação de estruturas profissionais públicas e para-públicas, de centros de estudos, de produção universitária de conhecimento científico de gestão do desporto, etc.
Não de diga, por isso, que estamos incapacitados de produzir um modelo democrático, não “estatista” e centralmente planificado de desenvolvimento do desporto.
Haja vontade, pessoas interessadas, criem-se as estruturas de produção de conhecimento de gestão e políticas públicas desportivas, formem-se novos dirigentes desportivos, abra-se o desporto em Portugal ao arejamento das ciências sociais como a gestão e a economia.
José Pinto Correia
(23 de Junho de 2008)
Muitos se queixam, e com razão, da pouca atenção dada à dimensão política do desporto por parte dos partidos políticos. Se um partido político, no caso o PCP, de algum modo inverte esta situação creio que a iniciativa é de saudar. Suponho de resto que, em parte ,esta terá sido a intenção do JMMeirim ao divulgar a proposta. Reconhecer o mérito que o PCP tem tido em matéria de reflexão politica do desporto não creio que desmereça ou prejudique o que quer que seja como aparentemente o parece entender o F.Tenreiro. É apenas um juízo de valor que fazemos sobre uma determinada realidade.Não é sequer uma avaliação ao mérito do conteúdo do que é proposto .Valorizamos a iniciativa.E sobre o seu conteúdo acompanhamos,na generalidade, o comentário aqui deixado pelo José Pinto Correia.
Esta história não é dirigida a ninguém.
Veio-me parar ao email e coloco-a aqui sem mais nenhum comentário.
Haja Feno!
No Curso de Medicina, o professor dirige-se ao aluno e pergunta:
- Quantos rins nós temos?
- Quatro! Responde o aluno.
- Quatro? - Replica o professor, arrogante, daqueles que têm prazer em gozar sobre os erros dos alunos.
- Traga um molho de feno, pois temos um asno na sala - ordena o professor ao seu auxiliar.
- E para mim um cafezinho! - Replicou o aluno ao auxiliar do mestre.
O professor ficou irado e expulsou o aluno da sala. O aluno era, o humorista
Aparício Torelly Aporelly (1895-1971), mais conhecido como o 'Barão de Itararé' .
Ao sair da sala, o aluno ainda teve a audácia de corrigir o furioso mestre:
O senhor perguntou-me quantos rins 'nós temos'.
'Nós' temos quatro: dois meus e dois seus. Tenha um bom apetite e delicie-se com o feno.
A vida exige muito mais compreensão do que conhecimento!
Ás vezes as pessoas, por terem mais um pouco de conhecimento ou acreditarem que o tem, acham-se
no direito de subestimar os outros...
Haja feno
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