A presidência francesa da União Europeia que agora termina tomou diversas posições na condução da política desportiva da UE, as quais viemos dando conta nos seus traços gerais.
È bom relembrar as palavras proferidas por Sarkozy no Parlamento Europeu, aquando da apresentação do seu programa este Verão, e a onda de fundo desde cedo suportada pelas principais federações desportivas europeias, com especial destaque para Michel Platini, no apoio à firme intenção francesa na afirmação da especificidade e autonomia do desporto, através da definição um regime excepção em relação ao direito comunitário, previamente clarificado em consulta ao movimento desportivo, o qual salvaguardasse a segurança e estabilidade na regulação do desporto europeu. Este movimento viria a ter o seu momento mais marcante quando em Setembro um conjunto de organismos desportivos europeus e internacionais se reuniu sob a égide do COI para exigir uma clarificação detalhada dos domínios reservados à especificidade e autonomia do desporto, dando seguimento às disposições do Tratado de Lisboa.
Assim, na fase final da presidência gaulesa realizou-se em Biarritz a habitual reunião informal dos ministros europeus responsáveis pelo desporto, bem como o primeiro Fórum Europeu do Desporto, cumprindo, deste modo, mais uma das intenções do Livro Branco sobre o Desporto, no que respeita à abertura do diálogo num espaço comum e transparente de troca de ideias sobre os principais temas da agenda do desporto da UE. Os "Estados Gerais do Desporto Europeu", conforme disse Platini.
As conclusões do fórum e a declaração dos ministros no final da sua reunião aqui ficam para memória futura. Da nossa parte, e tomando ainda como referência as palavras de Bernard Laporte, em um e outro daqueles momentos, não deixo de sublinhar, em síntese, alguns aspectos que marcam claramente a posição desta presidência em relação ao passado recente.
A discussão das cláusulas de nacionalidade e a questão da proporção de jogadores seleccionáveis nos clubes profissionais – ou de uma forma mais clara, o “6+5”-, mesmo com claras posições de incompatibilidade com os princípios fundadores da UE manifestadas pelo Parlamento Europeu e pela Comissão, como é do conhecimento público - em especial pelo comissário responsável pelos assuntos sociais -, mantém-se na ordem do dia e, sob a perspectiva do reforço identitário nacional e regional, os ministros voltam a incitar a Comissão a enveredar por um caminho sobre o qual já mostrou reservas; isto é, no estudo da compatibilidade com o direito comunitário de uma proporção de jogadores seleccionáveis em clubes profissionais do país da sua selecção, em mais uma tentativa de pôr o Rossio na Betesga, pelo menos até novos ecos se escutarem do Luxemburgo.
Na luta contra o doping finalmente a UE assume, a uma só voz, sem titubear, os problemas na condução da Agência Mundial Antidopagem (AMA). Não se trata apenas de um ressentimento por tudo o que se passou com a candidatura de Jean-François Lamour, como se fez querer; mas de uma clara falta de representatividade da Europa no conselho fundador da AMA, bem como na salvaguarda da protecção dos dados pessoais em relação à legislação europeia.
Por outro lado, talvez ciente da complexidade e dimensão dos interesses ligados ao doping que alegadamente estiveram presentes nos episódios rocambolescos com a candidatura de Lamour, a UE procura obter elementos para uma visão mais alargada de tudo o que aqui está em jogo -para além das questões de ética desportiva e saúde publica - em particular o impacto económico do fenómeno do doping na industria farmacêutica e noutros sectores.
Por entre as habituais palavras de circunstância, uma nota para o reforço de um quadro consultivo entre as instituições europeias, representantes do movimento desportivo e o Comité Olímpico Internacional. Não olvidando, neste caso, o importante contributo e valor congregador do Conselho da Europa.
A esfera intergovernamental da UE procura passar - através dos seus representantes ministeriais - a mensagem política à tecnocracia comunitária sobre a necessidade de auscultar e envolver as autoridades desportivas nos processos de tomada de decisão sobre a regulação do desporto europeu, tomando em consideração a singularidade do fenómeno desportivo, num processo que se pretende cada vez mais amplo, discutido e transparente.
Curiosamente, o Comité Olímpico Internacional - que assume há anos a gestão de uma agenda política na salvaguarda dos valores, princípios e interesses específicos do desporto, face aos vectores estruturantes que edificam o sistema económico e social europeu - vem agora a ser classificado como a menos responsável entre 30 organizações intergovernamentais, não governamentais e empresariais, com resultados muito baixos nas quatro dimensões de accountability (responsabilidade/prestação de contas) – transparência, avaliação, participação e resposta a reclamações -, pelo relatório anual do independente think tank britânico One World Trust.
O diagnóstico é conhecido:
“However, these strong capabilities are offset by its inequitable member control that provides several key powers to the IOC President and Executive Board that are unchecked by the IOC session”
2 comentários:
Neste fim de ano quero felicitá-lo pela consistência e nível elevado dos seus contributos para a informação do desporto português.
Um dos membros do Conselho Nacional do Desporto tem-me elogiado o fornecimento que o Governo faz de informação ao CND como um trabalho de mérito.
Não o questiono e acredito na boa fé do meu interlocutor quando elogia o Governo e o trabalho produzido pelo CND.
Acredito que o seu esteja acima deste trabalho porque o resultado do trabalho do CND é irregular clandestino nas suas diferentes fases. Se olharmos para o trabalho da Assembleia da República como a recente proposta chumbada do PCP, verificamos que o problema do CND é equivalente ao da Assembleia da República, assim como se estende a outros partidos sejam o PSD ou o PCP.
A informação fornecida aos conselheiros, como os trabalhos dos deputados quando se debruçam sobre o desporto, não sendo conhecidos pelo desporto não permitem aferir por terceiras partes do mérito dos seus resultados.
Na Europa a que pertencemos a informação existe, está disponível a custo zero e o mérito do seu trabalho é o de apontar oportunamente quem o fez, quando e onde surgiu ou está.
O fornecimento dos textos originais é relevante porque a mera descrição através dos seus textos deixaria sempre a incerteza sobre os documentos em concreto.
Nestes tempos, o seu contributo e o do seu blogue para o desporto português, não tem preço.
Parabéns pelo produto e pelo aperfeiçoamento ao longo de 2008.
Obrigado pelas suas palavras.
Votos de Boas Festas para si e para todos os leitores.
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