José Medeiros Ferreira considera que gerações que não passaram por provas de fogo não garantem nada a ninguém. Pretende com isso referir-se, se bem o entendo, à geração que sofreu, arriscou e lutou contra as agruras da ditadura daqueloutra que sempre viveu em democracia.Nostalgismo de um envelhecimento geracional incapaz de perceber os outros num tempo que, felizmente, mudou? Afinal que culpa tem a geração seguinte de ter nascido depois da ditadura? Fiquemos por uma observação mais singela: o de ter presente que as estórias das nossa vidas são marcadas pelas experiências sociais que vivemos e que, por tal facto, viver com e sem liberdade naturalmente que nos dá uma percepção distinta de que vem viveu sempre com ela.
Esta diferença repercute-se também no modo como se entende a política e o exercício de funções públicas. À medida que se processa a natural substituição geracional nos lugares de decisão política, mudam também os valores que se encontram associados a esse exercício. Mas neste vaivém, a juvenialização geracional dos cargos públicos é porventura menos responsável que o envelhecimento político dos sistemas de governação democrática. A crise, a existir, não é, por isso, geracional. É sobretudo doutrinária.
A desideologização, a falência do socialismo, a crise do capitalismo globalizado, a perda de sentido dos grandes sistemas doutrinários funcionalizaram o exercício de cargos públicos promovendo o primado da circunstância. E o que ela proporciona aos seus titulares. A política deixou de ser um lugar onde se pode afirmar a decisão, por uma questão de princípios (morais, éticos ou apenas ideológicos) para o ser por uma questão de oportunidade que o poder confere. A missão de serviço público transformou-se num emprego. E a ”governação” é feita em círculo fechado erigindo uma barreira ente o “nós” e “ eles”. Os “nossos” e os que não são dos “nossos”. A opacidade de muitas decisões, o critérios de selecção dos vários empregos que se oferecem no aparelho do Estado e o temor ao conhecimento público da gestão dos gabinetes são um sinal do clientelismo que o poder alimenta mas que são também explicáveis por uma deterioração dos graus de exigência do serviço público. Bloquear a informação sobre o modo como é gerida a coisa pública passou a ser um objectivo que deveria fazer corar de vergonha qualquer responsável público com formação cívica e democrática. Quando a própria justiça para o poder ser, apela à bufaria anónima, uma insídia inqualificável e baixa para quem viveu e conheceu o regime anterior, verificamos o ponto a chegou a degradação da vida democrática.
As escolhas públicas em matéria de política desportiva não são alheias a este tempo, vivendo na órbita de uma razão e uma autoridade pessoais aparentemente supremas e inacessíveis ao comum dos mortais. Hoje é compatível com o exercício de uma governação que deveria ser isenta constatar que a administração pública desportiva participa em decisões onde há claro e insuspeito conflito de interesses ou acumulando funções e exercícios que, ainda que legais, não são moralmente aceitáveis. Fala-se baixinho nos corredores. Mas a autoridade do Estado fenece perante o situacionismo.
Explicar certo tipo de opções pela circunstância de politicamente se dispor de uma maioria governamental é o lado mais fácil. A degradação da missão de serviço público tem raízes mais fundas e não é sequer exclusivo deste ou daquele governo, desta ou de outra maioria. Tem lógicas e fundamentos na degradação do espaço partidário, na fraca qualidade da formação dos dirigentes e carece de uma refundação do regime republicano e partidário em termos distintos dos actuais. Porque continuar a trilhar os mesmos caminhos é certo e sabido que se vai sair em piores condições do que quando se entrou.
2 comentários:
Li e gostei.Por muito imperfeita que tenha sido a minha afirmação ela aponta para uma carência de certificação das capacidades dos actuais decisores perante momentos difíceis.E até acho que a minha geração podia ter feito bem melhor.
Um, dois, três
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