terça-feira, 23 de junho de 2009

O mal-amado

O “impedimento legal” do financiamento público ao desporto profissional é daqueles preceitos cujo efeito retórico é bem maior que o substantivo. Sempre houve financiamento público da administração central, regional e local ao desporto profissional muito para além das excepções previstas na lei. E em alguns casos, o que ainda é mais bizarro, com normas habilitadoras que o permitiam ainda que contraditórias de outras que o não autorizavam. Isto sem ir buscar exemplos de práticas claramente profissionais ainda que enquadradas em regimes que formalmente o não são. Basta verificar as bolsas de preparação olímpica a atletas e nela se encontrará com facilidade praticantes profissionais e representantes não de clubes, mas de marcas. Pelo que as peripécias rocambolescas dos procedimentos administrativos, jurídicos e judiciais que rodearam as explicações de atribuição pelo governo português de 4 milhões e 300 mil euros, a um piloto de automóveis e a uma empresa gestora da sua carreira, devam ser reflectidas num quadro distinto. Um quadro que é mais político-programático (os apoios públicos ao desporto profissional) e menos jurídico-normativo (saber o que é ou não elegível enquanto tal).
No nosso entendimento não faz qualquer sentido um lógica proibicionista de apoio público ao desporto profissional ou aparentado. E menos ainda uma tergiversação “normativa”que o proíba o financiamento ao “desporto profissional” para depois o admitir ao “praticante profissional”. Ou exercícios de estilo sobre as diferenças entre um “contrato-programa”e um “contrato”.
O desporto profissional é tão digno e relevante socialmente como qualquer outra dimensão ou expressão desportiva. E não vem qualquer mal ao mundo se as politicas públicas, incluindo as do financiamento, promoverem e estimularem o seu desenvolvimento. O desporto profissional não é menos no plano social que outras industrias culturais e do entretenimento como as artes cénicas ou cinematográficas para buscar dois exemplos de forte componente de financiamento público. O anátema sobre o desporto profissional não faz hoje qualquer sentido. O problema a nosso ver não esta portanto no apoio mas no sentido estratégico (e de valor) desse apoio à luz de uma política desportiva (central, regional ou local) e da necessária definição de objectivos e prioridades.
Bem sei, que ditas as coisas assim, se corre o risco de legitimar o absurdo em que muito do poder público caíu, designadamente a nível local, de desviar recursos financeiros públicos para situações de insustentabilidade financeira e de arrivismo clubista. Mas a sua existência é a melhor prova de que a legislação proibicionista o não evitou e que as engenharias jurídicas encontradas para tornear alguma normatividade têm surtido efeito. Ora, é sempre preferível um sistema aberto que responsabilize politicamente os poderes públicos, que um sistema opaco que irresponsabiliza os actos praticados.
Este tema mereceria ser reflectido sem tabus e sem reservas mentais. Bem sei que o ónus de ausência de credibilidade que está associado a muita da dimensão profissional do desporto não favorece essa abordagem. Que o tema “profissional” não ancorou pacificamente na história do desporto moderno. Mas não vale a pena continuar a fazer às escondidas o que deve ser às claras e politicamente sindicado.
Talvez isso permitisse evitar as cedências de património público a entidades privadas lucrativas sem concurso. Terrenos, bombas de gasolina e sedes sociais por clientelismo político. Equipamentos públicos à borla. E dinheiro, muito dinheiro público, a empresários do meio para organizarem uns “eventos” e dar visibilidade à terra. E os dinheiros para os pópós.
Num país em que o Presidente da República comenta o valor da transferência de um jogador de futebol, mas se não pronuncia sobre a saúde do sistema bancário português e do escândalo dos negócios realizados à sua sombra tudo é de esperar. Incluindo a continuidade de um desporto profissional mal-amado.

5 comentários:

Anónimo disse...

"Devemos ouvir os outros e, em seguida, fazer aquilo que queremos. A isto dá-se o nome de Democracia?"

Anónimo

Anónimo disse...

Talvez os que sorrateiramente se fazem passar por "amadores", e vivem de chorudos vencimentos e mordomias por essa razão, não estejam interessados em que se lhes chame o que de facto são: "profissionais". Essa clarificação fá-los-ia perder a subsídio-dependência, e muitos euros de saque ao Estado, pois teriam que assinar um «contrato». É por isso que ninguém comenta esta mensagem.

Anónimo

Anónimo disse...

Não têm coragem? Está visto. Cada vez que se aborda um assunto de verdadeiro interesse, fogem todos á responsabilidade. Quando o assunto é para "entreter meninos" não faltam palavras. Não queiram regressar a 1917, quando Almeida Negreiros, no "Ultimatum Futurista às gerações portuguesas do século XX", escreveu: "O Povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem portugueses, só vos faltam as qualidades".

Anónimo

ftenreiro disse...

O tema é importante.

Do ponto de vista económico não faz sentido o Estado não apoiar o desporto profissional

Deve apoiá-lo se o mercado privado estiver mal de saúde e se o regulador privado for incapaz de o fazer

Não se trata de chamar nomes a quem lá está

Há clubes e campeonatos amadores e profissioais falidos e há várias responsabilidades que ou não têm sido exercidas ou escapam à regulação eficaz

Há razões de política desportiva à esquerda e à direita do espectro partidário para iniciar um processo de reforma do desporto profissional

do lado esquerdo colocam-se as questões do atraso dos pagamentos dos salários aos jogadores, que exigem um esclarecimento se são casos de polícia ou que tipos de fracassos de mercado existem

do lado direito coloca-se a questão de intervir criando resultados superiores à situação actual deixando contudo a liberdade de actuação ao mercado

os problemas nesta altura não estão apenas no profissional e alastraram-se ao amador

Pensava-se que neste fim de legislatura houvesse soluções e instrumentos a resolver estes e outros problemas

tal não aconteceu e poder-se-à perguntar o que se anda a fazer e para onde se vai

Anónimo disse...

A procissão ainda vai no adro.

O pó do amadorismo ainda não assentou.

Antigamente havia vários padrões de amadores.

Ainda não se fez o quadro ergológico
dos diferentes tipos de profissionais, estudo ainda por fazer, para se ficar a saber do que é que estamos a falar quando se fala em profissionalismo desportivo.

Enquanto não se fizer essa investigação, andamos, todos nós, a atirar tiros para o ar, para ver se acertamos.