Um novo texto de José Pinto Correia que a Colectividade Desportiva agradece.
Quando há muitos meses atrás terminou a participação portuguesa nos Jogos Olímpicos de Pequim da qual advieram resultados insuficientes para as expectativas que os dirigentes e o País tinham à partida dos atletas para aquela importantíssima competição mundial, ouviu-se com inusitada frequência falar nos meandros mediáticos e não só da necessidade de repensar e reorganizar o desporto de alta competição entre nós. Tal “empresa” foi desde logo afirmada a quente nos Jogos de Pequim pelo próprio Presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP) como indispensável.
Acontece todavia que este tipo de afirmações carecem genericamente de substância e de consequente empenhamento, quer associativo quer governamental, pois não indicam desde logo quais os domínios e modelos dessa mudança, nem, por maioria de exigência, que opções novas seriam necessárias, que outra estratégia de desenvolvimento e organização ou mesmo que outros tipos de liderança e de líderes deveriam protagonizar tais processos de renovação desportiva em Portugal. Estas afirmações correm subsequentemente sobre um autêntico e completo vazio de iniciativa político-governamental, à cabeça, e também da completa falta de acções consequentes pelos dirigentes máximos das estruturas associativas desportivas e do próprio Comité Olímpico de Portugal.
Ora, esta incapacidade de apresentar os fundamentos racionais de reorganização e/ou renovação do nosso desporto de alta competição assenta primariamente no facto de não existirem estudos sérios e profundos sobre a realidade organizativa, de gestão ou económica desse mesmo desporto. Nestes vários anos da legislatura do actual Governo não se assistiu a nenhum esforço de realização de trabalhos de estudo sério sobre a gestão e a economia do desporto português, quer sob iniciativa do próprio Governo e da sua orgânica de administração pública desportiva, nem do próprio Comité Olímpico ou de outras estruturas do movimento desportivo.
Não se conhecem, deste modo, desde há mais de cinco anos – que são passados com o actual Governo em funções – quaisquer estudos e investigações detalhadas também sobre a organização e gestão ou planeamento estratégico do desporto português.
Não existiram ao longo de todo este tempo, por conseguinte, quadros de diagnóstico ou de reflexão sobre a organização, gestão e planeamento das federações desportivas, nos quais se pudessem avaliar os critérios de funcionamento das respectivas estruturas, os processos de decisão, as principais carências organizacionais e técnicas, os modelos de liderança ou, ainda mais, os métodos de planeamento estratégico e de fixação dos objectivos essenciais de desenvolvimento, por exemplo.
Por outro lado, não se conhecem igualmente estudos que se reportem aos métodos de trabalho entre as federações e os clubes desportivos, como é realizada a cooperação e coordenação dos respectivos esforços de desenvolvimento das modalidades e dos atletas e treinadores respectivos, ou mesmo sobre o modo como é feita a preparação técnica e científica dos treinadores e o apuramento metodológico do treino das diferentes modalidades.
Não se conhecem também quaisquer estudos sérios e validados cientificamente sobre gestão e planeamento estratégico das federações desportivas, sobre economia da utilização dos recursos e análises de custos-benefícios no desporto, incluindo as dos grandes eventos desportivos realizados no país, ou ainda por maioria de razão sobre o próprio valor económico do desporto para o país.
E este valor económico exprime-se nomeadamente em termos de valor acrescentado e de actividade económica nos sectores e empresas ligados ao desporto (o vulgar PIB), de emprego criado e gerado pelo desporto, e ainda do cálculo de benefícios decorrentes da redução do absentismo ou do aumento da produtividade pela prática desportiva ou pela substancial redução das despesas e encargos de saúde conseguidas pela melhoria da qualidade de vida dos praticantes desportivos (sobre estes elementos a situação existente no Reino Unido é exemplar e deve ser considerada como modelo ou “benchmarking”).
Esta situação de flagrante insuficiência de estudos de gestão e organização do desporto em Portugal é tanto mais evidente quanto é certo que nem a actual Secretaria de Estado do Desporto nem o seu Instituto do Desporto de Portugal (IDP) promoveram ou publicaram nestes últimos anos qualquer estudo do teor dos acima referidos – e, por isso mesmo, não é possível encontrar nos sites destes entes governamentais nenhuma referência desse tipo, sendo que o IDP já há mais de cinco anos que deixou de financiar a investigação em desporto que anteriormente promovia.
Portanto, o país não esteve ontem e continua a não estar hoje em condições de reflectir com bases sólidas sobre a reorganização ou renovação do seu desporto de alta competição.
Não tem para esse empreendimento qualquer base de diagnóstico ou de análise estratégica, de planeamento e gestão ou de organização válida, onde basear a reflexão e escolher novos caminhos ou estratégia de mudança e desenvolvimento.
Por isso, quando se ouvem alguns dirigentes desportivos de topo ou mesmo do Governo a bradarem em determinadas ocasiões política e/ou mediaticamente convenientes pela renovação do sistema desportivo é justo perguntar-se-lhes imediatamente o que entendem por tal renovação, o que querem e vão fazer com esses propósitos e em que mudanças organizacionais e diagnósticos baseiam essa sua pretensão.
Porque as verdadeiras mudanças de funcionamento do dito sistema desportivo deveriam querer dizer, desde logo e à cabeça, mais e melhor organização e gestão estratégica nas federações, no Comité Olímpico de Portugal e no Instituto do Desporto e Secretaria de Estado do Desporto. E estas fundamentadas em estudos sérios e cientificamente validados sobre essa organização e gestão e sobre a economia do desporto.
Nunca tais mudanças poderão resultar, como tem sido apanágio no passado recente, na falta desses instrumentos racionais e metodologicamente convenientes, fazendo com que tudo fique apenas em opiniões circunstanciais despidas de contributos profundos, sistemáticos e validamente eficazes, ou num voluntarismo pragmático despido de quadros de orientação económicos e estratégicos.
9 comentários:
deveria era haver uma rapida renovação do dirigismo
e nao falo só do futebol.
qual e o mail para enviar textos?
obg
Concordo integralmente com a análise feita pelo autor.
Julgo apenas poder acrescentar, através da minha experiência pessoal, que a ausência de estudos e sobretudo de estudos comparados não é inocente.
Pretendem os responsáveis tapar o sol com uma peneira feita de preocupações com a manutenção de lugares de prestígio (?) e de privilégios que se pretendem eternizar. Conluios em diversas frentes entre vários dos experimentados actores, para quem a estratégia de gestão é algo que só pode ser visto à luz dos interesses de momento, ou seja, não é boa ideia face aos objectivos individuais e circunstanciais.
O Congresso do Desporto do início de 2006 foi uma oportunidade perdida de propósito, um fingimento, apesar de alguns contributos com interesse, raramente institucionais.
O Desporto Português està à deriva, tanto ao nível das cúpulas das instituições como do movimento associativo de base.
Em vez de se constatar uma progressão sustentada ao nível dos resultados do alto rendimento, verificam-se nichos isolados de qualidade, fruto do investimento isolado de alguns desportistas e treinadores, raramente fruto de um consistente trabalho estrategicamente sustentado.
Os Jogos Olímpicos de Londres 2012 vão certamente acentuar a nossa relativa insignificância desportiva enquanto país europeu.
José Pinto Correia boa reacção ao debate em curso!
A situação é mais grave do que você a descreve.
Não sei se concorda com a frase que chega a ser dita de 'maneiras de matar ratos' referindo a acção de fiscalização do Estado sobre as contas das federações.
Certamente que notou que todo o debate se faz apenas sobre as questões jurídicas e quando se indica o produto do desporto português concomitante ele não é abordado.
Fala-se sobre direito como se o objecto do desporto fosse o produto legislativo e não o produto desportivo.
E quem não é de direito cai na armadilha.
Em nota de pé de página fala-se de Modelo de Desenvolvimento Desportivo que estará na base do Modelo de direito que se quer passar.
Avaliando o recorde do José Manuel Constantino de mais de 40 entradas, volto à minha questão inicial quando disse:
Portugal está fora da Lei e da Praxis desportiva europeia.
O debate sobre o poste do JMConstantino demonstra-o
O lugar de Portugal na Europa é o elemento fulcral a abordar.
É necessário estabelecer o ponto em que estamos face à Europa e criar a partir daí o novo Modelo.
Politicamente o desafio é tremendo porque o debate está no início nunca foi iniciado.
Os políticos que quiserem respostas e projectos rápidos terão alguma dificuldade em obter as melhores soluções.
Terão que trabalhar com second best e poderão prejudicar todo o seu percurso.
Você que é uma pessoa das universidades. O que têm as universidades feito? Há actos das escolas superiores de desporto que tenham estruturado o caminho que aponta?
Fernando Tenreiro:
Concordo com o seu último comentário.
O problema é que o país está a atravessar uma terrível crise moral, ética e de costumes.
As pessoas válidas deixaram de se querer envolver na política executiva, devido à partidocracia rasca em que o regime se construiu e muitas passaram a comentaristas críticos, uma posição muito mais cómoda.
Ficaram os carreiristas (políticos profissionais e técnicos superiores) que defendem meros interesses partidários e clientelistas e que criam legislação que só agrava ainda mais a situação. E que depois se escudam na legislação promulgada.
O Estado está completamente indigente, falido, com níveis de endividamento sem solução e o FMI está aí à porta. O Estado Social tem os dias contados.
Como é que ainda pode haver algum optimismo numa área como o Desporto?
Luís Leite procure não fulanizar nem generalizar.
Procure fundamentos e coisas pequenas para chegar às maiores.
Explique bem as coisas relacionadas com o desporto.
O objecto deste blogue é perceber bem as questões do desporto, como funcionam ou porque não funcionam
Atentamente
F. Tenreiro,
a questão é: concorda ou discorda?
Eu discuto problemas, ideias e soluções, contradições e situações peculiares.
Não discuto pessoas, cargos institucionais, etc.
Os termos inviabilizam uma concordancia ou discordancia.
Já outras pessoas referiram a carga negativista de certos comentários.
Existem documentos da União Europeia, do desporto português, das universidades, etc, há que usar esses documentos.
F. Tenreiro:
Será que só as conclusões e ideias optimistas são válidas?
A verdade é que eu não ando atrás de tachos e sou independente. Digo o que penso, escrevo aquilo em que acredito.
Você não concorda nem discorda das minhas generalizações. Terá as suas razões...
Está provado que com documentos (?)e legislação atrás de legislação, inútil e viciada, não fomos nem vamos lá. Tudo continuará a piorar.
É preciso dizer as verdades, mesmo que desagradáveis, como têm feito Medina Carreira, João Duque, Mário Crespo e os seus convidados do "Plano Inclinado".
Enquanto as pessoas não perceberem o lamaçal em que se vive, só se andam a enganar. É preciso chamar a atenção para a realidade.
Além disso, pensar a sério o Desporto é a última das prioridades. É politicamente irrelevante no actual contexto sócio-político.
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