terça-feira, 21 de setembro de 2010

Voltando ainda atrás

O trabalho dos médicos das brigadas do controlo da dopagem nem sempre mereceu da parte das pessoas e entidades controladas a adequada colaboração. Insultos, provocações e por vezes ameaças sempre as houve. Dificuldades em chegar aos atletas também. E daí ser sensato que a legislação preveja penalizações para quem, por acção ou omissão, obstrua ou perturbe a recolha de amostras no âmbito do controlo da dopagem. É disto e apenas disto que se trata: a recolha de amostras. A latitude dessa perturbação, o que se entende por tal, e até onde é licito considerá-la, está deixada à interpretação da entidade fiscalizadora.
O que é novo no caso Carlos Queiroz? A natureza do ocorrido (impropérios ao titular do organismo responsável pelo controlo); a autoridade administrativa, contrariamente ao ocorrido em outras situações, não ter “deixado passar”; o avocar do processo por não ter ficado satisfeita com a decisão da instância federativa. Em tudo isto fica a dúvida se o fez por iniciativa própria ou por indicação/sugestão/condicionamento do responsável político. Não sabemos. Mas conhecemos o comportamento político do secretário de estado do desporto. Lamentável. Antes, durante e depois da decisão da ADoP. Desnecessário à luz das competências dos organismos envolvidos. E fragilizando – se a ele próprio, ao IDP e à ADoP. Mas ele está de passagem. As instituições ficam. E isso é que é grave.
A ADoP é uma entidade autónoma que responde pelos seus actos. Se havia explicações a dar sobre o processo era ao presidente do IDP que cabia fazê-lo. Porque foi quem o avocou em virtude da escusa do presidente da ADoP.O presidente do IDP, que se saiba, não tem porta-voz. O que o governante fez, e o que disse, permite retirar a conclusão, que até pode ser injusta, que foi ele quem comandou, influenciou e instrumentalizou todo o processo. Uma coisa é certa: prejudicou a imagem da administração pública desportiva e da ADoP. Estávamos perante um eventual ilícito da exclusiva competência de uma autoridade administrativa e nesse âmbito deveria continuar. Ao governante bastaria garantir, tão só, o normal funcionamento das instâncias com competências próprias na matéria. Mas esperar que este secretário de estado do desporto exercesse as suas competências de modo discreto e reservado era como esperar que o céu descesse à terra. Se fosse para não dar nas vistas tinha escolhido outra profissão.
Poderia a ADoP ter feito o que fez? Avocar sim. No plano substantivo a decisão parece acolher inúmeras fragilidades. Mas essa é uma matéria que os especialistas apreciarão. E se necessário os tribunais. O direito não é uma ciência objectiva. Uma qualquer norma tem o espírito de quem a elaborou, o entendimento de quem aprovou e a interpretação de quem a aplica e o juízo de quem a fiscaliza. Não são necessariamente coincidentes. E face a isso, querendo, como no Santo Ofício, uma injúria a um familiar do presidente da ADoP pode ser sempre entendido como algo que alterou a normalidade de um procedimento, um factor externo imprevisto que condicionou um acto médico. Mesmo que se reconheça que esse condicionamento não foi ao ponto de impedir o referido acto ou sequer de o alterar na sua essencialidade: a recolha das amostras. E recolha de amostras com erros de procedimento sempre houve, com impropérios ou não.
Uma coisa é já certa. Independentemente da decisão das entidades de recurso ninguém sai bem desta novela: quem injuriou, quem julgou e quem mandou julgar. E fica por demonstrar que, o que se passou, tem algum a coisa a ver com o combate à dopagem. E se o não tem qualquer tribunal comum era suficiente para avaliar e decidir sobre eventuais ilícitos praticados.


4 comentários:

Luís Leite disse...

Concordo com o texto de J.M. Constantino, embora não possa confirmar que "insultos, provocações e por vezes ameaças sempre as houve. Dificuldade em chegar aos atletas também".
Isso poderá ter acontecido em casos muito isolados.
Na área do Atletismo, certamente a modalidade mais "analisada" em Portugal, o Presidente da Adop, antigo atleta olímpico nos 10000m e meu colega de equipa no Benfica, fez sempre questão de mostrar independência e, se de alguma coisa se poderá acusá-lo é de perseguição excessiva a alguns atletas, que chegaram a ser massacrados com várias recolhas na mesma semana.
Hoje em dia é quase impossível fugir ou desaparecer do mapa, já que os atletas de alto rendimento têm que preencher um formulário em que a sua vida privada já é exposta para além dos limites aceitáveis, a ponto de um atleta ter que avisar a Adop no caso de querer ir jantar fora a um restaurante.
Entrou-se um pouco nos limites do permitido pela Constituição quanto aos direitos, liberdades e garantias.
Além disso, para os atletas que estão entre os melhores do mundo, ainda existem os formulários da IAAF, com brigadas próprias que podem aparecer a qualquer momento em qualquer lado.
Um atleta de top mundial é, actualmente sujeito, em média, a um número de controlos que varia entre 10 e 30 por ano.
São raríssimos os casos de recusa, fraude ou impossibilidade de recolha e esses são logo penalizados. Muito menos insultos e ameaças.

joão boaventura disse...

A política é a arte de ajudar o público a não tratar dos assuntos que lhe interessam.

Churchill

mdsol disse...

Clarinho como água limpa. Sensato como convém.

:))

Luís Leite disse...

A decisão de hoje do TAS de levantar a suspensão a Carlos Queiroz até ser finalizado o processo de recurso, dá indícios fortes de que realmente ficou por demonstrar que o que se passou tem algo a ver com a efectivação do controlo anti-dopagem.
Entretanto, o Conselho de Justiça, apesar de confirmar a atitude incorrecta e inaceitável de injuriar o responsável da Adop, ilibou Queiroz devido à prescrição do processo.
Ou seja, a Administração Pública Desportiva ficou a perder em toda a linha.
As injúrias eram caso para a justiça interna da Federação e/ou para os Tribunais, não para a Administração Pública.
Falharam Horta (que devia ter recorrido aos Tribunais), Sardinha e Laurentino. Por motivos diferentes, quiseram ser mais papistas que o Papa, sedentos de protagonismo e exemplaridade. Conseguiram correr com Queiroz da FPA, mas o tecto vai desabar-lhes sobre as cabeças.