Texto publicado no Público no dia 11 de Dezembro de 2011.
1. A notícia: “Fernando Gomes é o próximo presidente da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), depois de ter vencido as eleições realizadas neste sábado em Lisboa. O resultado foi anunciado pouco depois das 18h30, quatro horas e meia após o encerramento da votação”. As vitórias da lista de Fernando Gomes ocorreram em todos os órgãos.
Para chegar aqui, os momentos finais do processo eleitoral assumiram alguns tiques de surrealismo, acompanhados por suspeitas e afirmações de irregularidades, de maior ou menor gravidade, em particular no domínio do respeito do princípio da representação proporcional e do princípio do voto secreto.
Seja como for, quando escrevemos estas linhas o que ressalta, nesse particular, é algo a raiar o absurdo: o acto eleitoral completou-se ao fim de mais de 8 horas.
Somente 83 votantes! Cada um, pasme-se, com 3 boletins de voto cada um. Para 10 urnas! Simples, simples de mais?
2. E agora, o que se segue?
Este acto eleitoral marca o ponto final de um processo de ajustamento ao regime jurídico das federações desportivas de 2008.
É sobejamente conhecida a nossa discordância – por razões de ordem jurídica, únicas que nos movem – com as soluções constantes desse diploma. A verdade, contudo, é que estas eleições acabam por assinalar uma etapa na organização e funcionamento da FPF e, por consequência, na LPFP.
3. Nada vai ficar como dantes?
O poder regulamentar na FPF, como em qualquer federação desportiva titular do estatuto de utilidade pública desportiva, passa a ser exercido, primariamente, pela Direcção.
A Direcção é, na substância, o órgão regulamentar por excelência.
Com a nova configuração estatutária, que mais não faz que reproduzir os imperativos legais neste domínio, a Liga perde, se assim nos podemos exprimir, alguma autonomia, ou parcela de autonomia, que no anterior regime jurídico era muito mais evidente.
Não foi, pois, por mero acaso, que os clubes que disputam as competições desportivas profissionais estiveram na génese da candidatura de Fernando Gomes.
4. Resta, e não é pouco, vivenciar a nova experiência resultante da representação proporcional nos órgãos federativos.
Resta ainda ver como as pessoas se vão comportar.
E isso é, como é bem evidente, o essencial, independentemente de leis, estatutos e regulamentos novos.
6 comentários:
Disse JMM: "É sobejamente conhecida a nossa discordância – por razões de ordem jurídica, únicas que nos movem – com as soluções constantes desse diploma."
Sim sim, o mais possível !
Com a nova legislação, havendo lugar à conquista de lugares em todos os órgãos estatutários, de acordo com a proporcionalidade obtida nas eleições, passa a ser mais difícil o exercício totalitário do poder.
Pelo menos pode existir sempre oposição, sendo possível assim evitar unanimismos de interesse.
No entanto, no caso de só se apresentar a eleições uma única lista, a situação anterior mantém-se, isto é, os órgãos colegiais, sendo compostos por membros de uma única lista unitária, podem ser manipulados ou deixarem-se influenciar por quem os convidou, por serem naturalmente inconvenientes vozes discordantes.
O não aparecimento de listas alternativas para os diversos órgãos é, deste modo significante, no que respeita a determinadas formas de exercício do poder executivo, que podem criar as condições para que tal aconteça.
Gostava que J.M. Meirim desse a sua opinião sobre estas duas eventualidades, que podem determinar modos de funcionamento completamente diferentes.
Em casos extremos, a democraticidade interna das Federações pode ser uma mera ilusão.
Escreveu o anónimo das 17:27
No entanto, no caso de só se apresentar a eleições uma única lista, a situação anterior mantém-se, isto é, os órgãos colegiais, sendo compostos por membros de uma única lista unitária, podem ser manipulados ou deixarem-se influenciar por quem os convidou, por serem naturalmente inconvenientes vozes discordantes.
Tem toda a razão. Eu própria já tinha detectado essa lacuna no Regime Jurídico: falta-lhe um artigo a obrigar à apresentação de mais do que uma lista....
Não percebi se a anónima das 23:32h está a ironizar ou não, ao colcar a questão em termos de obrigatoriedade de mais do que uma lista.
O ponto não é esse, primeiro porque só se candidata quem quer e depois porque é possível forjar uma segunda lista intencionalmente para perder...
A questão é simples:
No novo ordenamento jurídico desportivo eleições com listas únicas revelam o quê?
Eu respondo:
1) Ausência de ideias e projectos diferentes;
2) Desinteresse de eventuais alternativas em concorrer (unanimidade sistemática em torno de gente da máxima credibilidade ou grande dificuldade em formar uma lista completa para todos ou alguns dos órgãos);
3) Défice democrático interno da própria estrutura, incapaz de se renovar.
Candidaturas únicas que se candidatam sozinhas há décadas mudando apenas uma ou outra cara, sem sequer apresentar programa eleitoral são próprias de um regime democrático?
Pelos vistos são, mas poucochinho...
As deliberações (legais) dos delegados em AG quando estão presentes menos de 50%, depois da tal meia hora, são morais?
Se sim, não representam a totalidade de quem os elegeu...
Se não, então temos uma lei imoral...
Armando Inocentes:
A verdade é que estas questões do foro eleitoral democrático têm muito que se lhe diga...
Não se trata de questões morais, mas questões de legitimidade democrática.
A moral não é para aqui chamada.
Se fosse, agora não teríamos um regime democrático em Portugal.
O próprio Presidente da República foi eleito, na segunda volta, com apenas 23,15% dos votos dos eleitores.
O partido (PSD) que ganhou as últimas eleições legislativas, teve apenas 21,2% dos votos possíveis.
E teve que coligar-se com o PP, que teve 6,44% dos votos dos eleitores, para poder exercer o poder com maioria.
No total, a coligação "a posteriori" somou 27,64% dos votos do eleitorado.
Tudo legítimo e legal, apesar de quase 3/4 dos eleitores não terem votado naqueles partidos.
Quanto às votações em Assembleias Gerais de Federações havia tanto para dizer...
Não é mesmo de moralidade que se trata, meu caro.
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