Três modalidades desportivas (ginástica, basquetebol e andebol) anunciaram a suspensão de eventos como consequência da autarquia que habitualmente os apoiava (Portimão) não ter condições financeiras para manter os apoios . Não é surpresa. E muito provavelmente surgirão situações do mesmo tipo com outras modalidades. Há uma situação de conjuntura que o explica, mas o problema tem antecedentes. E ,agora, mais do que chorar sobre o leite derramado ( ou o inflacionamento de eventos e equipamentos suportados pela despesa pública..) importa olhar para a frente.
Nos últimos dez anos o Estado central através das políticas públicas para o desporto aumentou os seus mecanismos de regulação e de supervisão. Mas diminuiu o financiamento. Foi mais Estado para umas coisas e menos Estado para outras. Se levarmos em linha de conta as transferências feitas para o sistema desportivo desde meados da década de 90 mais concretamente desde 1995 encontramos uma taxa média anual de -1,6% em termos nominais e - 3.9 % em valores corrigidos da inflação (1).
No mesmo período o número de praticantes desportivos aumentou. No desporto não-formal não se sabe quanto. No sistema federado passou de 260 mil praticantes para perto dos 500 mil ou seja o crescimento da prática desportiva federada foi indiferente à perda do financiamento do Estado central. A explicação para este facto pode residir em outras fontes de financiamento público designadamente o poder local. Estima-se que o financiamento público ao desporto por parte deste sector equivalha, em média, a 4 a 5 vezes mais que o Estado central. Nos próximos anos tudo isto vai mudar. Vamos assistir a uma quebra significativa do financiamento. Como o produto desportivo é fortemente influenciado pelas políticas públicas, designadamente a do financiamento qualquer alteração/mudança nessas políticas terá imediatas repercussões no sistema desportivo. E, provavelmente, com as autarquias financeiramente exauridas é deste lado que o sistema desportivo mais vai sentir os efeitos da crise.
As razões para que isso ocorra são conhecidas. Uma parte significativa das organizações desportivas compõe o seu orçamento com dotações públicas, pelo que serão obrigadas a reduzir por força das disposições contidas com vista à diminuição da despesa e do défice público do Estado. Os serviços e bens desportivos vão encarecer com a nova imputação fiscal (IVA) com implicações numa provável redução da procura. A diminuição do rendimento disponível das famílias torna expectável que ele seja dirigido para bens de primeira necessidade e não a consumos lúdico-desportivos ou de manutenção da condição física. Os impactos recessivos na economia vão ter reflexos em dotações das empresas para a publicidade e o patrocínio desportivo. A dívida transitada na administração pública desportiva conjugada com a expectável cativação de verbas em sede da lei de execução orçamental reduzirá ainda mais o orçamento líquido disponível. O efeito conjugado das situações anteriores traduzir-se-á numa significativa redução dos recursos financeiros disponíveis. Há uma certeza e pouco animadora: nos próximos anos, não será possível ao país superar o fosso que o separa dos restantes países europeus. Pelo que, como aqui temos escrito, o mais razoável, e sobretudo pragmático, é definir prioridades. Ou seja, fazer escolhas. O maior risco é o de políticas de navegação à vista.
Qual vai ser a orientação do governo sobre esta matéria? Não sabemos. O documento estratégico para os próximos quatro anos -as Grandes Opções do Plano - é omisso e limita-se a uma vaga declaração de interesses sobre ”um desporto com todos e para todos” e à fusão da administração pública desportiva com a da juventude. Se a primeira preocupação é louvável, a segunda é cedo para avaliar.
As declarações públicas do responsável político pelo desporto atribuem a crise de financiamento para o próximo ano a um abaixamento das transferências dos jogos sociais. Em parte é verdade. Mas só em parte. A redução também se vai verificar naturalmente com transferências que têm outras origens. Estranho seria que isso não acontecesse. O problema é outro: como preparar o sistema desportivo para o cenário recessivo?
O governo, tudo o leva a crer, ignora ainda quais as consequências da crise financeira nas políticas públicas para o desporto e não dispõe de qualquer estudo que cenarize e prepare o futuro. A recente descriminação negativa dos espectáculos desportivos em sede de imputação fiscal relativamente aos espectáculos culturais revela uma crescente menorização das políticas desportivas, de resto já patente nas Grandes Opções do Plano com o meritório acolhimento da Cultura e a vulgaridade e banalidade como as politicas desportivas foram tratadas. O futuro irá ser diferente?
Sem peso político, sem discurso e entregue à adolescência tardia dos apparatchik’s sem currículo ou mérito profissional demonstrado o desporto seguirá a via da contabilidade pública que se aprende no INA e na burocracia do Estado: investir nos procedimentos financeiros e legais para evitar não debater o desporto. E, consequência expectável, a uma deriva da política em que a governação se resume a uma matéria para ser tratada por um fiscal de finanças. Para os que se não recordam, relembre-se que o descalabro das políticas públicas para o desporto se iniciou com um movimento de regeneração ao mau uso dos dinheiros públicos. Com os resultados que se conhecem. Até hoje, com poucos avanços e muitos recuos, nunca mais se recompôs.
(1) Fonte INE, recolha de Fernando Tenreiro em trabalho n/editado.
Nos últimos dez anos o Estado central através das políticas públicas para o desporto aumentou os seus mecanismos de regulação e de supervisão. Mas diminuiu o financiamento. Foi mais Estado para umas coisas e menos Estado para outras. Se levarmos em linha de conta as transferências feitas para o sistema desportivo desde meados da década de 90 mais concretamente desde 1995 encontramos uma taxa média anual de -1,6% em termos nominais e - 3.9 % em valores corrigidos da inflação (1).
No mesmo período o número de praticantes desportivos aumentou. No desporto não-formal não se sabe quanto. No sistema federado passou de 260 mil praticantes para perto dos 500 mil ou seja o crescimento da prática desportiva federada foi indiferente à perda do financiamento do Estado central. A explicação para este facto pode residir em outras fontes de financiamento público designadamente o poder local. Estima-se que o financiamento público ao desporto por parte deste sector equivalha, em média, a 4 a 5 vezes mais que o Estado central. Nos próximos anos tudo isto vai mudar. Vamos assistir a uma quebra significativa do financiamento. Como o produto desportivo é fortemente influenciado pelas políticas públicas, designadamente a do financiamento qualquer alteração/mudança nessas políticas terá imediatas repercussões no sistema desportivo. E, provavelmente, com as autarquias financeiramente exauridas é deste lado que o sistema desportivo mais vai sentir os efeitos da crise.
As razões para que isso ocorra são conhecidas. Uma parte significativa das organizações desportivas compõe o seu orçamento com dotações públicas, pelo que serão obrigadas a reduzir por força das disposições contidas com vista à diminuição da despesa e do défice público do Estado. Os serviços e bens desportivos vão encarecer com a nova imputação fiscal (IVA) com implicações numa provável redução da procura. A diminuição do rendimento disponível das famílias torna expectável que ele seja dirigido para bens de primeira necessidade e não a consumos lúdico-desportivos ou de manutenção da condição física. Os impactos recessivos na economia vão ter reflexos em dotações das empresas para a publicidade e o patrocínio desportivo. A dívida transitada na administração pública desportiva conjugada com a expectável cativação de verbas em sede da lei de execução orçamental reduzirá ainda mais o orçamento líquido disponível. O efeito conjugado das situações anteriores traduzir-se-á numa significativa redução dos recursos financeiros disponíveis. Há uma certeza e pouco animadora: nos próximos anos, não será possível ao país superar o fosso que o separa dos restantes países europeus. Pelo que, como aqui temos escrito, o mais razoável, e sobretudo pragmático, é definir prioridades. Ou seja, fazer escolhas. O maior risco é o de políticas de navegação à vista.
Qual vai ser a orientação do governo sobre esta matéria? Não sabemos. O documento estratégico para os próximos quatro anos -as Grandes Opções do Plano - é omisso e limita-se a uma vaga declaração de interesses sobre ”um desporto com todos e para todos” e à fusão da administração pública desportiva com a da juventude. Se a primeira preocupação é louvável, a segunda é cedo para avaliar.
As declarações públicas do responsável político pelo desporto atribuem a crise de financiamento para o próximo ano a um abaixamento das transferências dos jogos sociais. Em parte é verdade. Mas só em parte. A redução também se vai verificar naturalmente com transferências que têm outras origens. Estranho seria que isso não acontecesse. O problema é outro: como preparar o sistema desportivo para o cenário recessivo?
O governo, tudo o leva a crer, ignora ainda quais as consequências da crise financeira nas políticas públicas para o desporto e não dispõe de qualquer estudo que cenarize e prepare o futuro. A recente descriminação negativa dos espectáculos desportivos em sede de imputação fiscal relativamente aos espectáculos culturais revela uma crescente menorização das políticas desportivas, de resto já patente nas Grandes Opções do Plano com o meritório acolhimento da Cultura e a vulgaridade e banalidade como as politicas desportivas foram tratadas. O futuro irá ser diferente?
Sem peso político, sem discurso e entregue à adolescência tardia dos apparatchik’s sem currículo ou mérito profissional demonstrado o desporto seguirá a via da contabilidade pública que se aprende no INA e na burocracia do Estado: investir nos procedimentos financeiros e legais para evitar não debater o desporto. E, consequência expectável, a uma deriva da política em que a governação se resume a uma matéria para ser tratada por um fiscal de finanças. Para os que se não recordam, relembre-se que o descalabro das políticas públicas para o desporto se iniciou com um movimento de regeneração ao mau uso dos dinheiros públicos. Com os resultados que se conhecem. Até hoje, com poucos avanços e muitos recuos, nunca mais se recompôs.
(1) Fonte INE, recolha de Fernando Tenreiro em trabalho n/editado.
11 comentários:
Análise certeira de JM Constantino.
O desporto português, globalmente o mais fraco da Europa com excepção dos micro-estados e da Albânia, vai definhar e reduzir-se à expressão mínima do sub-desenvolvimento.
Temos o que merecemos.
Como sempre tivemos.
Londres 2012 vai revelar, uma vez mais, o que valemos.
Temos o que merecemos e você pelos vistos é um dos culpados. Suponho que andou lá e enquanto por lá andou nada denunciou daquilo que de criminoso lá se passava. Está na altura de se candidatar para passar uma esponja sobre os seus próprios erros.Faça mexer a democracia.
O comentário das 12.08h é um abuso mentiroso.
Nunca usei a palavra criminoso.
Não sou culpado de nada e não tenho intenções de entrar mais neste sistema desportivo putrefacto.
Enquanto português sim, tenho o que mereço, tal como o anónimo das 12.08h.
Concordando, desde logo, com tudo o que José Manuel Constantino diz neste "post", gostaria só de referir que, no caso da Ginástica, modalidade que melhor conheço, e em relação à qual penso se esteja a falar do Torneio Internacional /Taça do Mundo de Portimão em Ginástica Rítmica, desconheço qualquer suspensão formal da competição, até porque isso seria difícil de explicar. A competição em causa tem inscrito no orçamento da FGP já aprovado a verba de 110 000 € de despesas, sabe-se que é uma das taças do mundo mais importantes do circuito e que é, ou é potencialemnte, como são todas as etapas das taças do mundo de ginástica, altamente lucrativa. Em abono da verdade o facto de uma autarquia como a de Portimão, eventualmente não poder disponibilizar os mesmos meios que em anos anteriores, não invabiliza, seguramente a realização desse evento. Pode é inviabilizar a sua realização nos moldes em que era efetuada anteriormente. é preciso negociação, bm senso, imaginação. Ou seja, TRABALHO!
E depois não tinha quem criticar...
"O comentário das 12.08h é um abuso mentiroso.
Nunca usei a palavra criminoso."
Como você costuma dizer os mais atentos conhecem-lhe o estilo e o conteúdo habitual das suas intervenções e, como tal, é de depreender que é a mesma pessoa.
Ofender-se agora ao ponto de apelidar de abuso mentiroso o que o anónimo das 12:08 disse é no mínimo caricato. Todo este forum conhece o teor das suas intervenções sobre os principais actores do sistema desportivo português. Apelidar de criminosos alguns dos actos desses incompetentes é quase um elogio na sua boca. Engraçado,falar em actos criminosos é um abuso mentiroso mas dizer que o sistema desportivo é putrefacto já vale - é muito mais moderado. Agora sim parece uma "Madalena Ofendida". Seja coerente.Faça mexer a democracia no sistema - como lhe disse o anónimo das 12:08. Doutro modo você só contribui para que o sistema cheire mesmo muito mal.
Muito mal lhe devem ter feito.
Nunca chamei criminoso a ninguém neste blog.
Nem o poderia fazer.
Aqui manifestam-se opiniões.
E é legítimo denunciar mentiras.
Opiniões que não devem ser insultos.
Dizer que o sistema desportivo está putrefacto pode ser entendido como um exagero.
Não pretendi nunca ofender ninguém.
Anónimo das 12.42h
Uma questão fundamental é conseguirmos conversar respeitando o outro e as suas palavras.
Os dados que JMC trouxe são uma pequena amostra daquilo que o desporto desconhece e porque desconhece e não quer ver actua mal no domínio da sua política.
Esta 'zizanie' anónima é a força que nos prende ao nosso pior desporto.
Elogiar o texto partindo para a discussão 'descabelada' destroi à mesma o mensageiro e a notícia.
Há coisas a acontecer como os treinadores portugueses classificados para fases finais dos campeonatos mais competitivos do mundo.
Estes debates surdos ignoram não só o que de fundamental se avança como a relevância para a política desportiva do sucesso que se alcança e não se pensou e do insucesso que ninguém no desporto quer ver.
JMC pergunta para onde vamos e se o futuro irá ser diferente.
Há que ter a consciência de que muito do que antes era dito sobre o PS enchia de gozo pessoas que os substituíram, que se calavam e até eram capazes de criticar a crítica publicamente para não parecer mal áqueles com quem trabalhavam.
Porém, aquilo que agora se critica tem o mesmo peso e a mesma medida do que antes se notava.
Quem mudou não é quem é coerente com o que dizia e diz.
As 'facturas na sala fechada' são uma responsabilidade do Estado e uma questão ética.
A política desportiva envolve outras questões e essas são as perguntas para onde vamos e se o futuro irá ser diferente.
Materialmente há pormenores de política desportiva que se praticados teriam uma contestação antes como agora.
Será insuportável que agora não se chamem as situações pelos seus nomes.
Não será ético nem está no plano dos princípios reptir erros, falhar momentos de política, nomear currículos improváveis e aceitar o inaceitável.
Se aconteceu no passado que sirva para não se repetirem os mesmos erros.
A arte de muitos políticos é entrarem de rompante e depois, sendo inteligentes, corrigirem a sua prestação.
A correcção hoje como amanhá será sempre uma capacidade e uma arte, que apenas alguns conseguem, outros continuam sempre em frente...
Quanto às perguntas de JMC: a 'ver vamos' como diz o cego.
Sobre a "fusão da administração pública desportiva com a da juventude"
é uma novidade nanotecnológica impressiva e fixativa, porque se não sabe o que fazer ao desporto e à juventude, mas se calcula que seja 50% para cada um, faltando averiguar 50% de quê e para quê.
A outra novidade microtecnológica impressiva e fixativa, foi a redacção do Livro Branco da Juventude - porque a Comissão Europeia também os elabora - ficando assim a Secretaria de Estado com duas bandeiras:
-- fusão da juventude com o desporto
-- elaboração do Livro Branco
Conclusão: futuro incerto perante ofertas tão ténues às portas do Natal.
Elogiar o texto partindo para a discussão 'descabelada' destroi à mesma o mensageiro e a notícia.
Sr. Fernando Tenreiro, como anónimo não sinto ter qualquer autoridade para lhe colocar questões. Assim, apenas gostaria de lhe dizer que a grande força que nos prende ao nosso pior desporto não é esta "zizanie" anónima. A força (ou forças) que nos prende ao nosso pior desporto não têm nada a ver com opiniões de anónimos ou querelas entre anónimos. Você, provavelmente, deveria saber que força é essa mas se não sabe mesmo, eu digo-lhe: precisamente essa forças têm nome, não são anónimos,são todos aqueles que desempenharam cargos de responsabilidade nos organismos que tutelaram e tutelam o nosso desporto. Também são aqueles que desempenharam e desempenham cargos técnicos nos mesmos organismos. São aqueles que ao longo do tempo tomaram decisões, não as tomaram ou tomaram as decisões erradas ou as tomaram fora do tempo certo. Será que existe alguma outra força que nos prenda ao nosso pior desporto? O desporto português tem sido mal dirigido e continua a ser mal dirigido. Culpa de quem? Das pessoas que o dirigem.Culpa de quem? De quem os nomeou para o dirigirem.Culpa de quem? De quem permitiu que políticos/dirigentes sem preparação neste domínio escolhessem outros igualmente sem preparação para dirigir o desporto. Culpa de quem? De todos nós.
Gostava de saber o que entende Fernando Tenreiro por discussão "descabelada".
Será uma discussão por e para carecas?
Quanto ao anónimo das 02:17h concordo consigo.
A culpa é de todos nós e temos e teremos o que merecemos.
O problema é mesmo cultural.
Mas também é culpa dos políticos, que não souberam, até hoje, dar passos no sentido de nivelar por cima a cultura dos portugueses.
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