segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

E, no entanto, elas andam aí

Texto publicado no Público de 22 de Janeiro e 2012.

1. A imprensa deu devido eco ao facto da Liga Portuguesa de Futebol Profissional ter-se visto obrigada – por decisão de tribunal – a retirar todas as menções à Bwin da sua página e da denominação de uma das competições que organiza, a Taça da Liga (bwin cup).
Sucederam-se, naturalmente, as declarações sobre o impacto negativo desta decisão judicial quanto ao financiamento do futebol profissional. O presidente da FPF referiu que "são cerca de 20 milhões [euros] que estas casas investem no futebol português. Numa época de dificuldades em obter sponsors e receitas, é uma machadada muito significativa no futebol em Portugal". Por seu turno, a Bwin “pondera acção contra o Estado português”. A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, monopolista, ainda de acordo com as notícias, através dos seus advogados, manifestou a sua tranquilidade: "A nossa posição é de imensa tranquilidade, até porque a questão jurídica não se revela complexa, mas de enorme simplicidade: esta actividade contraria a lei portuguesa". Por "lucros cessantes", a Santa Casa pediu uma indemnização no valor aproximado de 27 milhões de euros.

2. Estamos perante mais um episódio – sem dúvida dos importantes – de uma questão legal que tem já muitos anos de tribunal (ou de tribunais).
Entretanto, por boa parte da Europa, os Estados regularam o mercado das apostas on line, pondo termo aos monopólios públicos existentes, e recolhendo daí proveitos directos (receitas fiscais, combate aos jogos ilegais e protecção do consumidor) e indirectos (financiamento ao desporto).
Por cá, como sempre, os ventos europeus chegam bem mais tarde.

3. Não se descura que há uma questão jurídica, mais complexa do que o referido pela SCML, mas há, bem se induz, uma questão política: deve ou não haver em Portugal um mercado aberto (regulado) neste sector?
O anterior Governo estudou a questão, mas depois o silêncio imperou.
Este Governo, como em muitas outras matérias, herdou esse silêncio.
Estará à espera que o problema se revolva nos tribunais?

4. Num recente acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, abordaram-se questões de natureza criminal respeitantes a duas sociedades que operam neste sector, Uma, com sede nos Estados Unidos, especializada em apostas desportivas on-line, prestando serviços como “betting advisor”, que passa pela gestão de “apostas e contra-apostas”, concomitantes e relativas ao mesmo evento desportivo, cobrindo dessa forma todos os resultados possíveis, usando um método matematico-lógico, com base em casas de apostas on-line. A outra é uma sociedade com sede em Malta, dedicada às apostas desportivas on-line e o seu papel é servir de intermediária entre apostadores, que pretendam fazer ofertas a outros jogadores. As sociedades são controladas por cidadãos portugueses, residentes em território nacional.

5. Tal actividade originou fundos superiores a 3 milhões de euros e, em cerca de três meses, tal montante rodou por diversas instituições financeiras.
Por isso, e outras razões adicionais, foi-lhes aplicada a medida de controlo de contas bancárias, com suspensão de movimentos a débito pelo prazo de três meses. O Tribunal, em recurso, marcou um limite temporal: manter por três meses, tempo suficiente para conclusão da investigação, a contar da data desta decisão, findo o qual a medida caducará.

6. Alguém anda a dormir. Resta saber a razão para tanto joão-pestana. Porque há razões para tudo. Umas são confessáveis; outras, nem tanto.

2 comentários:

joão boaventura disse...

Temos de aprender, de umas vez por todas que o Estado, não só rouba como também não permite que a massa crítica desportiva resolva os seus problemas.

Além de não saber governar-se nem deixar-se governar, intuiu tanto essa ideia jubilar de Júlio César, que a aplica à sociedade civil de que carece porque dela lhe vêm os proventos, as veleidades financeiras e os faustosos gastos em prémios fabulosos.

E não satisfeito com esse despautério e desassombrado descaramento, visível para quem queira ver, e que é impossível deixar de ver, tão desavergonhadamente se nos apresenta diariamente, o Estado diz que, para salvar o país da ruína, há que empobrecer a suas ignaras gentes.

E de vergonha em vergonha, abre-se a cortina do palco e vê-se que os ricos aumentam a sua riqueza na mesma proporção em que se empobrece a plebe, ao ponto de a convidarem a emigrar para que aos ricos não faleçam as prebendas financeiras, antes as aumentem.

E quando o Estado incita a plebe a ter iniciativas, seja dinâmica, resolva os seus problemas, encontre soluções, discorra, porque o Estado não é o Pai Natal, e quando o Estado verifica que a plebe foi capaz de resolver os seus problemas financeiros no futebol, através das apostas Bwin, a que foi obrigada porque foi esbugalhada ardilosamente nas apostas mútuas desde a sua origem, cabendo ao desporto, como propalava constantemente o Estado Novo "cinquenta por cento do bolo", escondiam que os cinquenta por cento eram os cinquenta por cento de outros cinquenta por cento.

Depois, aqui d'El-Rei que os Bwin podem não ser sérios - e o Estado é? - mas o respaldo da UE de que se serve, para argumentar os seus direitos exploratórios, já não servem porque há comunidades europeias que admitem as apostas Bwin e a UE fica queda e muda, porque é muito difícil governar.

Ah! Pois! Com certeza que as leis estão aí, são leis lusitanas, prontas a não deixar os clubes funcionarem. a fecharem-lhes as portas da sobrevivência.

Posto este Estado andarilho na caça ao tesouro, perdido no horizonte da riqueza que faz brilhar os olhos, aconselha os imigrantes a não saírem de Portugal, e os portugueses a trilharem as sete partidas do mundo, e esvaziado o país da sua juventude, mas mantida a juventude imigrada, apresenta-nos o quadro menos indicado para elaborar um suposto salvífico documento para proteger as selecções nacionais, e eu pergunto:
-"Salvar de quê?". Só se for das nossas patetices provincianas rurais.

Ou seja enterra-se o borrego, o Bwin, os recursos financeiros, mas depois salvam-se selecções ? De quê? Sem dinheiro ?

De há muito se sabe que as fronteiras dos jogadores não são os países... são os clubes, porque é neles que jogam as suas capacidades, é neles que o mercado funciona.

Para os jogadores de futebol, é a dimensão do clube que o atrai, não é a dimensão do país onde o clube está radicado.

Mas, enfim, se a UE produz milhares de documentos por que não há-de o Estado produzir também os seus ?

Já que o Estado é incapaz de pôr os mercados a funcionar, desenvolver a economia, estimulá-la, investir, e arranjar emprego à sociedade civil, ansiosa pelo trabalho que lhe prodigaliza os meios de subsistência, como é que tem a coragem de, perante tanta incapacidade, ficar estática a assistir ao abandono da sua juventude e consequente suicídio de um país ?

Armando Inocentes disse...

O que se vê nos outros países onde há apostas?

Jogos arranjados... mesmo que o jogo seja em Inglaterra, aposta-se em Singapura!

E mesmo sem haver apostas no nosso país, as nossas equipas (jogadores, árbitros, dirigentes) não estão livres de serem corrompidas por esses arranjos.

Na realidade, "há razões para tudo. Umas são confessáveis; outras, nem tanto." Resta saber se são mais as "confessáveis" ou as "nem tanto"!

Grande abraço!