Texto publicado no Público de 15 de Abril de 2012.
1. A semana encontra-se marcada por mais um “caso” no futebol. Sobre o mesmo já dissemos aquilo que é possível dizer (neste momento), uma vez que manchas de nebulosidade ainda perduram. Apenas uma observação adicional de uma pessoa insuspeita quanto à hipervalorização da nação do futebol no nosso desporto e sociedade (veja-se o triste exemplo do secretário Mestre Picanço a marcar presença no lançamento da final da Taça da Liga): não só o futebol padece destes “casos”, tenham estes ou outros contornos. Com efeito, sabem-no bem clubes e agentes desportivos que vivenciam outras modalidades, que também aí proliferam actos, omissões e factos que não desmerecem do desvalor futebolístico. No fundo, é sempre uma questão de decência ou indecência, no futebol, no desporto e no todo que é este infeliz país.
Vamos, pois, ao que realmente interessa.
2. O Tribunal Constitucional (TC), a 28 de Março, proferiu importante decisão relativa aos direitos dos praticantes de alto rendimento. Entendeu o TC julgar inconstitucional, por violação do princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança, a norma do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 393-A/99, de 2 de Outubro, na redacção dada pelo artigo 46.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 272/2009, de 1 de Outubro, quando interpretada no sentido de exigir a estudante abrangido por este regime que obtenha as classificações mínimas fixadas pelos estabelecimentos de ensino superior para as provas de ingresso e para nota de candidatura no âmbito do regime geral de acesso, quando parte dessas provas foi realizada antes da mencionada alteração legislativa.
3. Eis a história. Uma atleta gozava do estatuto de praticante desportivo no percurso de alta competição. Nessa qualidade beneficiava de regime especial de acesso ao ensino superior. Esse regime foi, no entanto, substancialmente alterado pelo Decreto-Lei n.º 272/2009. Estes atletas passaram a ter obrigações semelhantes a todos os outros estudantes, que pretendam aceder ao ensino superior.
4. À data da entrada em vigor da alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 272/2009, a atleta acederia ao ensino superior. Todavia, por força do novo regime estatuído pelo Decreto-Lei n.º 272/2009, de 1 de Outubro, a atleta veria inviabilizada a sua candidatura. Assim, a mudança superveniente das regras que regulamentavam a sua situação, com a qual esta não podia razoavelmente contar, e surgida em momento que a impossibilitou de, adequadamente, definir metas e estratégias de trabalho em função dessas novas regras de acesso ao ensino superior (dado já se encontrar no início do 12.º ano), destruiu o seu investimento de confiança na manutenção do regime legal.
5. O TC afirma que quando “o estudante se apresentou aos exames nacionais do 11.º ano, realizados no ano lectivo anterior (2009-2010), não lhe era possível estabelecer metas e estratégias conformes e adequadas ao cumprimento de uma exigência de classi? cações mínimas que, à data, não lhe era aplicável. Pelo contrário, a lei então vigente não incentivava um especial cuidado com tais provas, uma vez que apenas exigia aos atletas de alta competição a aprovação nas disciplinas do ensino secundário correspondentes às provas de ingresso. Uma gestão do tempo (e a sua repartição na preparação dessas disciplinas e no treino desportivo) que tenha procurado tirar proveito desse regime mostrasse razoável e justificada”. “E o interessado não tinha qualquer razão para se precaver contra a possibilidade de o regime em vigor deixar, quanto a este ponto específico, de o beneficiar, por força da aplicação retrospectiva de um outro, tanto mais que esse regime se encontrava estabilizado por uma vigência normativa de largos anos”, acrescenta.
6. Este texto é dedicado à família António e aos estudantes atletas de alto rendimento.
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