terça-feira, 15 de maio de 2012

A ilusão performativa


Há quem entenda que devemos discutir as políticas e não as pessoas. A meu ver é uma tese errada. Porque as políticas são, em parte, um prolongamento do que são as pessoas. No limite o que são as pessoas em determinadas circunstâncias. O que são as suas qualidades/capacidades. O que são os níveis de confiança que inspiram. Os valores que perfilham. A segurança que transmitem. O sentido de missão pública que os anima. E as ideias/programas que defendem.
O atual secretário de estado para o desporto tem óbvias qualidades pessoais. A principal das quais é a entrega às funções governativas com sentido de responsabilidade e de lealdade. E o desejo de fazer obra. Mas não tem calo, nem experiência política. E como passou pelo desporto, mas o desporto não passou por ele, tem indisfarçáveis inseguranças de conhecimento. O resultado é a ilusão performativa: um estado híbrido com pose e discurso, mas onde ninguém o leva a sério. Dizer umas coisas certinhas é positivo. Mas não chega. E como repete muito o que diz, às tantas já fala sem dizer nada. Os tiques de sobranceria perante quem pensa de modo distinto são um mau sinal para um jovem burocrata que o destino colocou em funções de governação. E não se vislumbra, em quem o rodeia, gente suficientemente capaz e com solidez suficientes para o ajudar. E bem precisa. Sozinho, comparecendo a tudo e mais alguma coisa, não chega para as encomendas. E não bastam as boas intenções. O tempo de exercício de funções políticas revela uma elementar dificuldade: juntar à autoridade formal de que está instituído, capacidade de comando. O que é natural e até compreensível para quem nunca na vida teve necessidade de experimentar esse tipo de competências. E ser capaz de dirigir, aprende-se. Mas é uma aprendizagem cruel quando se começa no exercício de elevadas funções públicas. A tendência é para se deslumbrar com minudências adolescentes, próprias de uma certa aristocracia da advocacia de negócios: o vestuário, as fotos e o que a comunicação social vai dizendo. O amparo que deveria receber do ministro é pouco para tamanha tarefa. E o ministro, imagino, tem mais que fazer. A fonte protetora, inteligente, navega em outros mares, mais profundos, protegido das tempestades locais e só se aproxima da costa e da superfície se entretanto chegar um qualquer livro branco ou grupo de trabalho.E, por isso, no magistério do jovem secretário de estado, há alguns apontamentos positivos, mas não há uma linha de orientação política. Há boa vontade, mas não há rumo. Há energia, mas não há conhecimento profundo dos problemas. Há ação, mas sem resultados. Há adjuntos e assessores, mas sobra em direito o que falta em desporto. E há poder, mas não há política. E nada existe de mais perturbante e embaraçoso que ter o poder, sem ter política. É como querer andar mas sempre com areia nos pés.
Essa ausência de política começa por ser ideológica. O PSD de há muito que deixou de prestar qualquer atenção séria às políticas para o desporto. Limita-se a viver do impulso das pessoas que escolhe para o exercício de funções públicas. Mas não tem qualquer dimensão doutrinária que cimente a construção das decisões e escolhas políticas. E perante esse deserto programático inspira-se numas modas avulsas de origem europeia, muitas delas patetas, de que a mais notória tem sido a captura do desporto para fins higienistas e sanitários com a adequada bênção dos apóstolos académicos da atividade física e das indústrias dos estilos de vida saudável. E lá para cima, muito lá para cima, é historicamente atraído por relações de proximidade com o poder do futebol: Federação, Liga e o operador televisivo que compra os direitos de transmissão.
A insuficiência de doutrina política será mais evidente à medida que o tempo passa e as dificuldades do país se agravam. O vazio tenderá a ser ocupado pelos jovens burocratas, voluntariosos, de currículo ainda incipiente, que situações excecionais elevaram a governantes do desporto. Beneficiam, é certo, de uma completa e habitual ausência de debate sobre as politicas para o desporto. E do peso da herança recebida, um tique tipicamente socrático, que o governo jurou não usar, mas de que não tem feito outra coisa. Mas este estado de coisas não é eterno. Alguém lhes devia explicar, com paciência, porque ou se ensina ao princípio, depois é bem mais difícil, que o que mais atraiçoa qualquer governação é a ilusão de que o tempo não tem um efeito corrosivo e que as facilidades de hoje serão as mesmas de amanhã. A ilusão é sempre fatal. Sem andar muito para trás, avalie-se o consulado do antecessor.E como rapidamente passou do céu para o inferno.
Numa altura em que a governação é difícil e confrontada que está com o avolumar dos problemas desportivos é necessária outra forma de sentir e enfrentar os problemas. O estilo de que a resposta para tudo está na autonomia do movimento associativo e no anunciar de qualquer coisa faz lembrar os clubes de futebol que perante as derrotas anunciam a contratação de novos craques. E como nem tudo se resume a um problema financeiro o grande desafio está em perceber que a política para o desporto não pode ficar refém do administrativismo  ou de um ritual de relações públicas. Porque, a continuar assim, é desastre pela certa.

(1)Título retirado da leitura de um texto de Manuel Maria Carrilho, ”O que conta é a coragem das ideias”, publicado no Diário de Notícias,10.5.2012

17 comentários:

Luís Leite disse...

Mais um texto notável de JMC.
Com a devida vénia, permito-me acrescentar o seguinte:
Há governantes que se limitam a ocupar cargos e, sem terem nada para oferecer, limitam-se a a aparecer e a repetir o óbvio como se fosse uma novidade.
Não há uma única ideia para o Desporto português para além da necessidade de poupar dinheiro e andar de braço dado com os protagonistas de um Futebol profissional falido e estrangeirado.

Entre o intervencionismo governamental e a autonomia das Federações prefiro a segunda opção, mas também aí os vícios, o amadorismo e a eternização de personagens e modelos não auguram um futuro melhor.
Como se verá em breve nos Jogos Olímpicos.

Anónimo disse...

Desconhecia que o Dr. Manuel Maria Carrilho, estava atento ao deserto das ideias no Desporto do actual Governo... através da Tutela ou seja Drº Alexandre Mestre.
Nada de novo e porque os piores ocupam os lugares e os melhores porque não se oferecem continuam na Vida caminhando e de espinha direita...
AC

Anónimo disse...

Ontem foi um dia em que o desporto foi valorizado com a publicação de um livro do Professor Manuel Sérgio. Gostei da cerimónia, de rever antigos professores e gente do desporto. E vi um secretário de estado pouco á vontade ,tenso, dando sinais evidentes de que é um peixe fora daquela aquário, uma face agreste, sisuda ora tirando, ora colocando as mãos na cara tipo Gabriel O pensador. Será porque na sala estavam Laurentino Dias e José Constantino. Ou porque este artigo estava afazer mossa? O certo é que convidado a usar da palavra quando protocolarmente se justificava ,antes do autor encerrar ,declinou esse convite para mudar de opinião e falar no final. Curiosamente num altura em que na sala já não estavam Laurentino e Constantino. Coincidência ou coragem tardia?
ADC

Anónimo disse...

Contiuam a zurzir no SE. É um caminho errado. Que continua a esconder aquilo que criticam, concretamente, «o debate e a apresentação de soluções credíveis para o Desporto em Portugal». Não é só agora. Também o foi no anterior Governo. E antes. Uma ladainha oca de conteúdo que ouvimos dos mesmos há décadas. E, bastava uma Folha A4 como aquela que fiz. Críticos e criticados parecem aquelas figuras de cera do extraordinário filme que a história do cinema nos legou: "O Baile". Acrescentaria eu, «baile mandado». A propósito de futebol, o Prof. Sérgio está para o Desporto como o Prof. Carrilho está para a Filosofia: Grandes Pensadores que influenciaram, da extrema esquerda à extrema direita, uma mão cheia de não sei quês... E se todas estas Excelências começassem a trabalhar para ver se merecem as chorudas reformas que recebem à conta do Estado e dos Cidadãos que pasam mal?

Funcionário do Estado

Luís Leite disse...

A folha A4 volta a atacar!
E eu que nunca a pude ler...

Anónimo disse...

Tem de ter paciência!Num dia de maior aperto o nosso funcionário público teve necessidade de se limpar e era o que tinha mais à mão.E perante a ausência de alternativas ,usou-a!

Anónimo disse...

Com a apresentação de mais um livro sobre o desporto, a literatura desportiva cresce exponencialmente enquanto no terreno o desporto anda de gatas.

Mas é o que cada um pode oferecer ao desporto, e a cavalo dado não se olha o dente.

Anónimo disse...

Por causa da folha A4, o Funcionário do Estado, no meu círculo, é conhecido como "o bazófias".

Anónimo disse...

Do livro apresentado, reza a história?

Anónimo disse...

Ao anónimo de 17 de maio 2012.22.38

O livro tem o título de
"Crítica da razão Desportiva"

e deve ser uma sequela de um dos seguintes livros de Kant:
"Crítica da razão pura"
ou "Crítica da razão prática"

Como o Desporto é uma prática, há quem aposte que é uma sequela do segundo livro de Kant.

Desconhece-se a reacção de Kant.

Anónimo disse...

São estes os métodos desta gentinha que manda no desporto e juventude nos ministérios, secretarias e direcções de institutos. Métodos de gangsters com espionagem à vida privada das pessoas, mais chantagens e ameaças a tudo e todos. Demitam-se. Ver notícia em: http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=555023&tm=9&layout=121&visual=49

Anónimo disse...

A velocidade de "Monocelha" em reagir à notícia das bolsas em atraso é demonstrativa do que efectivamente pensa dos atletas e em especial do movimento federado. Só sabem fazer ruído perturbando o seu excelente e ético trabalho em prol do desporto.
Comentário prestado no momento em que se deslocava de um jogo de petanca para uma corrida de sacos de serapilheira.

Anónimo disse...

O «Monocelha» tem um problema recorrente com o protocolo - como bem assinalou o anónimo das 16,25 de 16 de Maio.
De facto, sendo convidado e não sendo aquela uma cerimónia oficial, deveria falar antes do homenageado.
Mas, como aqui já foi zurzido por ter falado em primeiro lugar na cerimónia do PNED, agora - bronco como só ele sabe ser - quer falar SEMPRE em último lugar.

Nota final: a foto, escolhida pelo JMConstantino, é um achado. É ele todo, com aqueles olhos pequeninos, encovados e manhosos, sobrepujados por uma garbosa e rutilante cobertura capilar que lhe valeu a alcunha!!!!

Anónimo disse...

Alexandre Mestre, no RECORD, de 19.5.2012:

Os Jogos Olímpicos são o maior evento à escala global e o governo português vai estar representado em Londres.

E por quem? Em que modalidades? O Mestre sempre vai alinhar nas meias-finais da petanca? Ou optou pelo boccia? E o Relvas? Sempre vai à mariposa? Ou preferiu o tiro a chumbo?

Temos que acompanhar isto...Espero que transmitam na SportTv...

Luís Leite disse...

Para passear estão sempre disponíveis.

Os objetivos, obviamente, são:

1) A passeata em si mesma;

2) Não vá dar-se o caso de haver alguma medalha, é preciso tirar a foto da praxe, enquanto pelo telemóvel se vai sabendo das transferências futebolísticas.

Não faz mal, nós pagamos...

Anónimo disse...

Ao que consta, de Pequim é que se falou 'atléticamente' ao telemovel...

Anónimo disse...

Concordo inteiramente com este post.
Ao actual secretário de estado falta autonomia, visão estratégica, influência e calo político. Na verdade, e como todos sabemos, ele apenas foi contratado para "aparecer". Tal como o prof. Baganha "aparece" em vez do Dr. João Bibe.
Enfim, por enquanto muita crítica à terrível herança, muita mentira em sede parlamentar e zero de política desportiva.

Melhores cumprimentos,

um ex-funcionário do Estado