domingo, 10 de junho de 2012

Vamos ao parque aquático

Texto publicado no Público de 10 de Junho de 2012.

1. Enlevado, o país aguarda a prestação da selecção nacional no Europeu de futebol. Todavia, os miúdos deste infeliz local anseiam férias e muitos vão para as piscinas e recintos com diversões aquáticas. Daí que se preste atenção, uma vez mais, às questões que se prendem com a sua vida. O caso chegou ao Supremo Tribunal de Justiça. Parabéns à mãe de Vizela.

2. Em Agosto de 2005, uma criança foi a um parque aquático com quatro piscinas, duas com escorregas de água. Sentou-se na plataforma de lançamento a aguardar que fosse dado o sinal de partida. Dada a autorização por funcionário, para se iniciar a descida, o menor, juntamente com o seu irmão e outros, iniciou a descida. Mas, ao efectuar o impulso para iniciar a descida, embateu com a cabeça no assento e devido ao embate, desceu o escorrega sem sentidos e caiu à piscina.

3. O irmão retirou-o da água e transportou-o ao posto de socorros. Porém, não se encontravam no local quaisquer vigilantes credenciados para operações de salvamento e primeiros socorros. Os bombeiros transportaram o menor para o Centro de Saúde da Marinha Grande e deste para o Hospital de Leiria. Veio a dar entrada no Hospital Pediátrico de Coimbra, onde esteve internado 10 dias.

 
A criança sofreu fractura occipital mediana, fractura do rochedo esquerdo e da parede do seio frontal esquerdo, bem como pequeno foco de contusão frontal direito e colecções gasosas intracranianas, contusões hemorrágicas com edema peri-lesional, com localização frontal anterior e fronto-basal, à esquerda, fronto-polar e frontal superior à direita e cortical temporal esquerda, fractura da massa lateral do atlas, temporal posterior retromastoideia à direita com aparente envolvimento do rochedo e mastóide até ao canal semicircular posterior: preenchimento tecidual da mastóide direita e ântero-mastóide direita, à esquerda. Reabsorção parcial dos pneumocelos. Sofreu ainda fractura do atlas, laceração da parótida, infiltração para-faríngea, com desvio lateral direito da hipofaringe.

 
4. Após cirurgia, tratamentos médicos e medicamentosos, ficou a padecer de surdez profunda bilateral. Tem uma incapacidade permanente geral de 60%.

 
5. O Supremo, entre outras questões, ocupou-se em saber se a exploração do parque constitui uma actividade perigosa.
Útil esta qualificação? Muitíssimo. Em regra, para que haja responsabilidade, tem de haver culpa de quem provoca o dano e é ao lesado que cumpre fazer prova da conduta culposa. Não é assim, quando se “parte” de uma actividade que seja considerada perigosa. Aqui, a culpa presume-se e cabe ao lesante fazer prova de que não existiu culpa. É, pois, bem diversa a posição inicial. A seguradora tinha que provar que quem explorava o parque empregou todas “as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os [danos] prevenir”.

 
6. Diz o Supremo: “Assim, [...], decerto que na maior parte das vezes não se possa considerar perigosa [...] a exploração duma piscina. Mas convenhamos que realidade bem diferente é o funcionamento de um parque aquático, composto por um complexo de piscinas, neste caso quatro, com escorregas de água, com várias pistas, em duas delas, por natureza não especialmente vocacionado para a prática da natação usual e relaxante, aberto ao público com uma frequência que, em regra, excede em muito a ocupação de uma vulgar piscina, por vezes mesmo em sobrelotação e concorrido maioritariamente por jovens em busca de alguma adrenalina, predispostos a condutas irreverentes, bem como por muitas crianças, grande parte das vezes não vigiadas, em actividades aquáticas, elas mesmas de risco, com empurrões, correrias, e brincadeiras nem sempre ajustadas”.

 
7. E a seguradora não conseguiu fazer a prova que a lei lhe exigia.

Sem comentários: