Um dos problemas que mexe com o funcionamento de uma sociedade democrática é o de saber se no exercício de cargos eletivos deve ou não existir uma limitação de mandatos. E em que cargos? Para todos ou apenas para alguns? Existe quem defenda que a vontade dos colégios eleitorais deve ser respeitada sem quaisquer limitações. E existe quem defenda que deve existir alguma limitação a essa vontade. A questão não tem uma resposta simples.
A limitação de mandatos, como qualquer solução democrática, não é uma solução perfeita. Tem vantagens e tem inconvenientes. Verificamo-lo nas situações em que não há qualquer limitação e naquelas em que essa limitação ocorre. E na avaliação ao trabalho realizado encontramos de tudo. Pelo que se não deve diabolizar quem não coloca qualquer limitação ao exercício dos respetivos mandatos. Nem idolatrar quem o faz. Cada situação concreta e modo como se encara o exercício do poder determinará a melhor solução. O que faz uma vida democrática não são as eleições, nem os mandatos. É sobretudo aquilo que se faz no intervalo das eleições, com o mandato que se tem.
A principal vantagem da limitação de mandatos é o da renovação das lideranças no exercício do poder e o de funcionar como um antídoto a formas de o perpetuar. Porque, mesmo em situações formalmente democráticas, é sempre possível de manter o poder pelo seu uso continuado e sistemático. E desse modo dificultar a eventual alternância democrática.
A principal desvantagem é o de, em nome da alternância, se prejudicar a continuidade de um trabalho de qualidade, ganhando-se no plano democrático formal o que se perde no plano substantivo. No caso dos organismos desportivos de topo, federações desportivas, dá-se igualmente a circunstância de as lideranças nacionais atuarem num quadro internacional onde se não coloca o mesmo problema de temporalidade de exercício o que introduz um fator de que pode não ser útil à estabilidade das redes de trabalho e cooperação criadas.
No balanço, entre vantagens e riscos, sempre defendi a limitação de mandatos no exercício de certo tipo de funções públicas. E como tal entendo qua cabe aos poderes públicos autorregular essa matéria. E também defendo a limitação de mandatos no exercício de cargos dirigentes nos organismos desportivos. E entendo que deveria caber aos respetivos organismos os termos dessa regulação.
O anterior governo entendeu que situações públicas e associativas eram matéria que deveria regular. No primeiro dos casos, por razões óbvias: só os poderes públicos têm essa possibilidade reguladora. No segundo por entender que, no caso das federações desportivas com o estatuto de utilidade pública desportiva, existem competências publicas delegadas e, como tal, esta é uma matéria que no âmbito da organização das federações, o Estado deve intervir. Em outro momento comentámos o modo como o Estado delegou competências públicas, estatizando progressivamente muitas das competências das federações desportivas, através de um mecanismo de expropriação em que as matérias a delegar saíram da órbita associativa para passarem para o domínio público do Estado que por sua vez as restituiu sob forma delegada aos seus proprietários originais. O caso mais evidente é o da organização de competições e a atribuição de títulos desportivos ou as representações nacionais. Mantemos esse entendimento. Razão pela qual, sempre defendemos que a limitação de mandatos o deveria ser por via da autorregulação dos organismos desportivos. Aceitando situações de vário tipo. Quer no número de mandatos, quer mesmo à ausência de qualquer limitação.
A tese da autorregulação, também ela, comporta vantagens e riscos. A vantagem de se adequar a cada situação concreta. O risco do resultado se traduzir numa inalterabilidade da situação.
Legislar, como se fez com os autarcas em que a limitação de mandatos dos presidentes de câmara não é para a função mas para o território, pelo que podem continuar a concorrer para onde quiserem desde que o não seja para o concelho onde acumularam três mandatos consecutivos, essa sim, é uma decisão canhestra. Legislar como se fez para os dirigentes desportivos e agora admitir, na contabilidade do tempo dos mandatos, outras leituras, não parece o caminho desejável. Uma e outra das situações a justificarem uma avaliação sobre se a solução encontrada é a melhor.
9 comentários:
Tenho uma opinião própria sobre a limitação de mandatos.
Em princípio, concordo com a limitação imposta por Lei.
No caso do Desporto em geral e das Federações Desportivas em particular, acho que a medida é importante para, em casos normais, impedir a perpetuação no poder.
Só que há casos em que, quem está no poder há décadas, teve tempo (e vontade) para estruturar a organização à medida dos seus interesses.
Quando toda uma organização está dependente financeiramente de um Presidente plenipotenciário que, ao longo do tempo soube eliminar todas as hipóteses de oposição, temos uma organização obediente, manipulada e fragilizada.
Nestes casos (estou a falar dos chamados dinossáurios), a limitação de mandatos não resulta, já que o Presidente pode (não) sair e continuar a mandar, sem sair do seu gabinete, agora noutro cargo e durante um mandato.
Como por exemplo Presidente da Mesa da Assembleia Geral.
Basta arranjar alguém da sua confiança que aceite ser um Presidente virtual.
Como já aconteceu no passado.
Portanto, é possível, respeitando a Lei, contorná-la.
Para tal, basta que o eucalipto tenha secado tudo à volta, criando um deserto de conhecimento, de ideias e de vontade de alternância.
Escreve JMC, a propósito da limitação de mandatos:
O anterior governo entendeu que situações públicas e associativas eram matéria que deveria regular.
Salvo o devido respeito, não terá sido bem assim.
A matéria da limitação de mandatos foi introduzida na legislação desportiva portuguesa pela alínea d) do nº 1 do artigo 23º da Lei nº 30/2004, de 21 de Julho.
No texto da Exposição de Motivos que acompanhou a respectiva Proposta de Lei (nº 80/IX) ao Parlamento, dizia-se o seguinte:
No âmbito do que se prevê como obrigatório nos estatutos federativos passa a constar a limitação dos mandatos dos dirigentes, como forma também de moralizar o exercício de poderes de natureza pública.
Quando - vale a pena recordar:
- Hermínio Loureiro era Secretário de Estado do Desporto;
- Augusto Baganha, seu Chefe do Gabinete;
- Alexandre Mestre, seu adjunto jurídico;
- José Manuel Constantino, presidente do IDP.
Essa norma da Lei de Bases, porém, não foi regulamentada - como todas as restantes, aliás.
O que o Governo que se lhe seguiu fez foi regulamentar tal norma, depois de a incorporar na Lei nº 5/2007 (nº 3 do artigo 19º).
E fê-lo então pelo nº 3 do artigo 13º, conjugado com o artigo 50º do Decreto-Lei nº 248-B/2008, de 31 de Dezembro (actualmente em vigor).
E a ideia (da limitação de mandatos) que até aí era boa, a partir do momento em que foi regulamentada (por outro Governo...) - ou seja, tornada eficaz... - passou a ser horrível e a carecer de urgente revisão...
Pode ainda acrescentar-se que, na discussão parlamentar que então se fez sobre a Proposta de Lei que veio a dar origem à Lei 30/2004, José Luís Arnaut, então Ministro Adjunto do Primeiro Ministro (com a área do desporto), afirmou:
Importa ainda salientar, no que diz que respeito à limitação de mandatos, que essa é a nossa diferença, Sr. Deputado, porque, nesta matéria, temos opções, sabemos o que queremos. Não é só em matéria desportiva, é também em outras áreas, que entendemos que é importante haver limitação de mandatos - para nós, é uma questão de princípio -, que também tem de ser aplicada ao desporto e, depois, tem de ser regulamentada no Regime Jurídico das Federações Desportivas. É uma questão de princípio, de que não abdicamos.
Estávamos, então, a 17 de Outubro de 2003...
Não é uma exceção que abro a este anónimo ao lhe responder. Ele sabe porque lhe digo isto. O pensamento do José Manuel Constantino sobre esta matéria é conhecido desde que foi Presidente da Confederação do Desporto de Portugal e na respetiva alteração estatuária propôs, salvo erro em 2002, a introdução de uma norma de limitação de mandatos. E não mudou por ter sido Presidente do IDP: o Estado não tem que se meter nesta matéria. Vale o que vale, mas é o meu entendimento do problema. E é o que sempre defendi. Qualquer que fosse a companhia. No antes ,no durante e no pós IDP.
A obrigação da limitação de mandatos nos estatutos federativos é uma exigência normativa desde 2004, mas a sua regulamentação, decorrente de opções políticas, nesta matéria similares, em sede de lei de bases, entre PS e PSD, coube ao anterior governo. E nessa regulamentação o governo decidiu limitar, definindo o tempo de duração desses mandatos. É nesse sentido que afirmo que o anterior governo decidiu regular. Mas é igualmente correto que essa vontade normativa já havia sido manifestada, ainda que não concretizada, pelo governo que o antecedeu.
Insisto: o essencial da questão colocada não é a inegável boa intenção de limitar os mandatos, mas sim o facto de a legislação e a regulamentação não preverem as formas de essas disposições poderem ser facilmente contornadas e poderem ser, na prática, ineficazes.
Aos legisladores da coisa: seria possível na FPFutebol ao magnífico Madail candidatar-se novamente, se houvesse uma cessação do actual mandato federativo de Fernando Gomes?
Não sou jurista.
Mas da leitura atenta do Decreto-Lei 248-B/2008 conclui-se que o impedimento existe apenas em relação aos ÓRGÃOS para que foi eleito o número máximo de vezes.
Eu não estava a pensar no caso da FPF mas no de outra importante Federação Desportiva que terá eleições este ano.
Mas obviamente a Lei é igual para todas as Federações.
Á Lei permite o retorno ao mandato de Presidente órgão após o interregno de um mandato.
Portanto, Madaíl poderia sempre candidatar-se a Presidente se Fernando Gomes resignasse e fossem convocadas novas eleições.
E poderia, entretanto, ser Presidente da Assembleia Geral.
Claro que isto presta-se a arranjinhos sempre com as mesmas pessoas...
Ó meu amigo de 15 de junho de 2012 que escrevinhou pelas 17:28 certinhas.
Neste país tudo é possível desde que não chateiem quem está à frente dos destinos de todos nós: FPF ou Governo.
Tem dúvidas ? Basta ver o andar da carruagem de todos eles: FPF ou Governo... onde a pouca vergonha se mostra como a maior das virtudes.
Está tudo do avesso. E nós a preocuparmo-nos com coisas menores como os mandatos finitos ou infinitos.
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