O trabalho encomendado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos à Universidade Católica Portuguesa sobre a avaliação de duas leis quadro do país representa uma oportunidade importante para reflectir sobre a produção de politicas públicas em Portugal e a concepção que os agentes políticos têm sobre este processo, expressa nas suas práticas e discursos.
Salvo casos de excepção, como sejam alguns domínios do ambiente
ou do ordenamento do território – e mesmo aí fruto de imposições do direito da UE
– não existe no país uma tradição de avaliação do impacto da regulação, seja
previamente á tomada de opções politicas, durante o processo de formulação da decisão,
ou após a sua implementação, ao contrário do que ocorre em Estados onde tal
requisito constitui elemento essencial para a produção ou alteração de uma
politica.
Ora, quando a isto se junta uma carência de dados sólidos
sobre o objecto de regulação, como claramente acontece no âmbito do desporto, cria-se
um ambiente favorável às patologias associadas à ausência de fundamentação de políticas
baseada em factos, para além das consequências que isso acarreta em depredação
de recursos públicos.
O Estado subverte o seu papel desde logo porque sem informação relevante, tratada e analisada, é impossível justificar a potencial
mais valia da intervenção pública, ou avaliar o retorno do investimento, a
produção de escala, os benefícios e o valor criado para os destinatários das
suas politicas (perdoem-me os puristas da língua pátria mas não temos um conceito
que se aproxime do anglicismo “value for money”) chamem-se eles atletas de alto
rendimento, praticantes, clubes ou federações.
O processo de produção de políticas facilmente se confunde e
reduz ao processo legislativo – como se se esgotasse e resumisse na produção de
normas – e a mecânica legislativa transforma-se, passo a passo, num expediente para
mostrar acção, preocupação e trabalho. Os meios confundem-se com os fins, os
outputs com outcomes, e assim - pela métrica da produção de leis, normas e regulamentos –,
sem mais, se avalia e justifica toda uma política.
O discurso político, mesmo em sede parlamentar, cavalga
sobre este tropismo capcioso e recruta cada vez mais acólitos, que também por
vezes campeiam neste blogue, ao ponto ridículo de anunciar a refundação do
Estado Social em meia dúzia de meses.
Retomando algo que já aqui se abordou, os actos normativos
estão longe de ser o alfa e o ómega de qualquer política, estas avaliam-se
pelos resultados e não pelas intenções. Medem-se pelo valor criado a partir do
que se investe e não apenas pelo montante das verbas que se despendem ou pelos recursos
que se afectam. Medem-se pelo número e fidelização de praticantes e pela
qualidade e continuidade dos resultados alcançados nos diversos níveis de
competição, dentro e fora de portas, e não apenas pelas eventuais oportunidades
que se geram para que isso aconteça ou pela circunstância efémera de episódios
mediáticos que se queiram promover sobre o rótulo de “interesse público”.
Perante tal cenário de desinformação que conduziu a um
panorama regulador congestionado e agrilhoante, pouco apelativo à inovação e à
iniciativa empreendedora, continuar a saturar o espaço público com este quadro
de valores apenas contribui para gerir os egos de um núcleo circunscrito de
interesses, promover arbitrariedades justificadas pela urgência do processo de
ajustamento, e dispersar a mobilização do tecido desportivo em torno de um
debate critico sobre os problemas e desafios que efectivamente atravessa,
precisamente num momento determinante na vida desportiva do país, onde se operam
mudanças em diversas federações e organismos de topo.
Por isso, iniciativas como aquela protagonizada pela Fundação
Francisco Manuel dos Santos, representam uma pedrada no charco para se assumir
uma outra perspectiva.
No âmbito das políticas públicas para o desporto existem também oportunidades, por explorar, para uma redefinição de olhares... Delas abordaremos em próximo escrito.
No âmbito das políticas públicas para o desporto existem também oportunidades, por explorar, para uma redefinição de olhares... Delas abordaremos em próximo escrito.
* O titulo deste texto reproduz o titulo de uma das obras de um notável autor cujo pensamento politico nos influenciou e se homenageia. Albert Hirschman faleceu na passada Segunda-Feira.
10 comentários:
Completamente de acordo no que respeita à importância fundamental da avaliação rigorosa dos resultados, praticamente inexistente nos 3 níveis da administração pública.
Penso que o relativamente fraco nível do desporto português se deve sobretudo à abordagem da administração pública face ao desporto, meramente populista e eleitoralista, mas essencialmente desinformada, desatualizada e inculta.
Liberal que sou, julgo que, analisando o passado e dadas as circunstâncias atuais, quanto menos o Estado se meter no desporto melhor.
A legislação existente é excessiva e disparatada em muitos casos.
A construção de equipamentos desportivos acabou por décadas.
Tal como noutras áreas, deixemos a iniciativa privada mostrar o que vale, se é que vale alguma coisa.
Citando o mais votado deputado brasileiro (Tiririca):
"Pior do que está não fica".
Sobre este post de João Almeida vieram-me à lembrança as palavras de Kant, ao criticar a permanente oscilação entre o «pensamento vazio» e «pensamento cego». Porquê?
Porque crer que pode haver um «funcionamento ideal e abstrato das instituições», ou a crença de que bastam «razões, critérios, estudos, e avaliações» para resolver as lacunas que se diagnosticam, ou as intenções de mudança que se sonham, são simplesmente ilusões cegas e vazias de operacionalidade. Seja essa fundação, seja a PwC, sejam outras, tudo isso não deixa de ser feito por pessoas concretas, num contexto particular, e num tempo específico.
Essas avaliações que João Almeida reclama iriam ser feitas por quem concretamente? Quais são os nomes dessas pessoas, e que curriculum de vida no desporto português as torna mais habilitadas do que os que cá andam há anos exercendo responsabilidades concretas? Conhecerão minimamente o desporto português? Ou essas avaliações e esses estudos serão feitos por alguém propositadamente ocultado, cujos resultados são pagos à medida dos resultados que alguém quer antecipadamente provar? Será que dessa opacidade viria a iluminação que os que cá trabalham não possuem? E quem decide que isso seja feito dessa maneira? Qual o nome de quem decide isso?
Será que essa avaliação pode alguma vez, em alguma circunstância, ser feita por um misterioso processo de ocultação decidido por uns quantos que se autoproclamam melhores dos que cá estão? Seria assim que se alcançaria a solução miraculosa que se presume que os que cá andam não conseguem atingir? E quem decide que é assim que vale? Qual é o seu nome?
Este comentário vem a propósito de um momento importante que porá à prova todas as teorias que se vêm escrevendo aqui e noutros locais. E que brevemente confrontará o desporto português com a possibilidade, ou não, de um novo ciclo de orientação estratégica e de Desenvolvimento. E nesse momento, sem o acto da opção a que seremos obrigados, tudo o que João Almeida escreveu neste post se torna abstrato, cego, e vazio.
Na próxima Primavera haverá uma escolha. Dessa escolha resultará um caminho novo ou a continuação do mesmo. É aí que todas as teorias se porão à prova na prática.
A Folha A4 (feita em 2008 e mostrada aqui em 2012) mostrou que o tempo anterior já não volta mais. Isto é, que «a relação entre o Estado, o Olimpismo, e as Federações» exigirá uma perspetiva diferente (que curiosamente os recentes estudos encomendados a uma empresa internacional vieram confirmar).
É necessário eleger uma Pessoa que antecipe, e saiba lidar com os novos desafios que advêm do Estado pretender aliviar a responsabilidade direta na administração do desporto, e consequentemente dos recursos (financeiros, administrativos, e outros) que costumava lá alocar. A passagem do financiamento para a Santa Casa, e os recentes episódios com o TAD são disso um pronúncio.
Ora, por causa do espaço vazio que essa fuga do Estado vai provocar há que eleger alguém que, com ponderação e competência, saiba exigir a ambas as partes (ao Estado e ao Movimento Associativo) a responsabilidade de não porem em risco o Desenvolvimento do Desporto Português. Isto é, que tenha uma «estratégia» eficaz, e tenha uma «agenda de ação» que lidere a inevitável mudança que os próximos dez anos imporão ao desporto português. Uma pessoa que consiga gerir esse caminho apesar das sucessivas mudanças partidárias.
No momento de fazer essa escolha, que terá que ser feita na próxima Primavera, aí sim, é que veremos o que valem as teorias, os estudos, as avaliações, as folhas, e os demais bocejos dos que aqui e noutros locais costumam teorizar. O Talvez, por causa das razões que explicitou, gostaria de votar. Não sabe se o fará porque essa pessoa nem sequer é candidata. E provavelmente terá muita relutância em ser. Mas para que a crítica de Kant não se concretize, e os pensamentos não fiquem sempre na cegueira ou no vazio, o nome que o Talvez desejava era o de J.M.Constantino.
Talvez
Quais são os três níveis da administração pública? Só dou com dois níveis, o central e o local, a não ser que se meta no meio os governos regionais. Há aqui uma confusão qualquer. Até já se cita o Tiririca.
Anónimo das 18:46:
Há 3 níveis na administração pública, com poderes distintos: central, regional e local. Os arquipélagos são regiões autónomas.
Quanto ao Tiririca, não baixa o nível do debate.
Vivendo nós numa democracia e o Brasil também, há que dar crédito ao mais votado de todos os candidatos a deputados.
Ou não?
Quanto ao galáctico A4, uma pergunta apenas:
Já ouviu falar em auto-avaliação?
Não?
É o acto em que as pessoas se confrontam com o seu desempenho, dele têm que tirar conclusões e passá-las ao papel.
A coisa funciona.
Mesmo que a atitude seja desonesta. Essas pessoas são confrontadas com a sua desonestidade.
Tratemos do concreto, e das soluções para os problemas efetivos que fragilizam a Política Desportiva em Portugal.
Quando num comentário anterior referi a obsessão, e a exagerada preponderância do «alto-rendimento que está ao serviço do Internacionalismo e do Olimpismo», cuja consequência tem sido a destruição da possibilidade dos cidadãos praticarem Desporto liberto desse objetivo-de-elite, fui violentamente atacado. Argumentei que em todas as idades as pessoas desejam praticar Desporto (independentemente de também gostarem de praticar Atividade Física, «caminhadas», e das outras modalidades não-desportivas que fazem parte da “Carta Performativa Humana” (R. Schechner). Tentei alertar para que o Estado não podia continuar a ser manipulado para sustentar esse monopólio, pois estava a agir contra a maioria das pessoas que queriam praticar um Desporto liberto da coerção das organizações que apenas pretendem esse elitismo. E também porque estava a ignorar uma procura crescente desse tipo de Desporto que não tem por objetivo ganhar medalhas em provas internacionais de elite.
Chamei a atenção para que esse conflito entre a Procura e a Oferta desportiva haveria de, mais cedo ou mais tarde, cair em cima da responsabilidade de quem executa as políticas públicas do desporto.
Não imaginava é que esse conflito, entre os dois tipos de Desporto, ocorresse com tanta virulência e rapidez passados apenas uns dias. As palavras seguintes são eloquentes dessa comprovação (passo a citar): “A Fundação INATEL respondeu hoje ao que considera ser «recentes equívocos» sobre competições desportivas por si organizadas, contestando acusações feitas pela FPF, nomeadamente de «concorrência desleal» face às associações distritais na organização de provas. A Fundação INATEL tem mais de 75 anos de história na organização de competições desportivas com prestígio amplamente reconhecido», refere a nota do INATEL, antes de reforçar que os seus praticantes têm seguro desportivo obrigatório e que os árbitros são remunerados. A crescente adesão de equipas dos Centros de Cultura e Desporto (CCD’s) ao Desporto INATEL reflete a eficácia, a responsabilidade, e a credibilidade que a INATEL ao longo dos tempos tem alcançado», refere ainda a nota hoje divulgada”.
Ora nem mais…
O Estado vai ser chamado à responsabilidade por esse desvirtuamento. E tal como nas reformas que estão a ocorrer na Saúde, na Cultura, ou na Educação, os serviços e domínios que estão dispersos tenderão a concentrar-se. O Estado não pode ter vários responsáveis pelo Desporto espalhados por vários departamentos sem a necessária coordenação. Os Secretários de Estado têm que ter jurisdição sobre essa dispersão, para não continuarmos a ter essa bagunça organizativa de há décadas.
A Mudança Organizacional que a Folha A4 propõe, como se pode ver no quadro da APD, inclui essa coordenação. Obviamente.
Porque é que passados tantos anos, de terem passado tantos responsáveis pelo poder, ainda não está feita, nem sequer iniciada?
Talvez
Imagine-se, por um segundo apenas, que Talvez um dia chegava ao Poder e tratava de gastar o dinheiro das apostas da Santa Casa com as caminhadas, feijoadas e afins:
O Desporto português, já na cauda da Europa com exceção da Albânia e micro-estados, seria rapidamente ultrapassado pela dita Albânia e até pelos micro-estados.
E teríamos 10 milhões e meio de portugueses (incluindo os recém-nascidos e o Manoel Oliveira) em campos de trabalhos forçados de atividade física e "desportozinho".
Tudo muito niveladinho por baixo. Com bandeirinhas de Portugal nas mãos quando ele chegasse.
Até a Coreia do Norte ficava com inveja...
Caro João Almeida
E com essa argumentação arguta tudo está dito e retratado, não direi exaustivamente mas q.s.
Para uma legislatura que, a maior parte das vezes, nunca alcança o seu termo senão com a soma de dois a três governos,i.é,cabe a cada governo dois a três anos de governação, a preocupação, em tão curta duração, será a de acelerar os trabalhos e legislar, bem ou mal, o que interessa é mostrar trabalho, o que é um reflexo da psicose do povo que exige, mesmo aparências, para auto-convencimento de que o Estado está a fazer qualquer coisa.
É o sistema de relação Povo-Estado que impõe o fingimento de que o Estado trabalha.
Enquanto a sociologia estuda a relação causa-efeito para descortinar as correcções a introduzir, a política não dispõe de tempo - que acusamos de demasiadamente célere - para averiguar como legislar fde facto e de direito.
É por isso que já dispomos de não sei quantos normativos aleatórios sobre a violência associada ao desporto, porque é mais fácil legislar do que fazer estudos.
É preferível legislar, ainda que arbitrariamente, do que não o fazer. É o pecado original nacional, derivado de factores costumeiros conideraddos como óbvios, sem o serem.
Com um abraço Natalício
Caro João Almeida
E com essa argumentação arguta tudo está dito e retratado, não direi exaustivamente mas q.s.
Para uma legislatura que, a maior parte das vezes, nunca alcança o seu termo senão com a soma de dois a três governos,i.é,cabe a cada governo dois a três anos de governação, a preocupação, em tão curta duração, será a de acelerar os trabalhos e legislar, bem ou mal, o que interessa é mostrar trabalho, o que é um reflexo da psicose do povo que exige, mesmo aparências, para auto-convencimento de que o Estado está a fazer qualquer coisa.
É o sistema de relação Povo-Estado que impõe o fingimento de que o Estado trabalha.
Enquanto a sociologia estuda a relação causa-efeito para descortinar as correcções a introduzir, a política não dispõe de tempo - que acusamos de correr demasiadamente célere - para averiguar como legislar, de facto e de direito.
É por isso que já dispomos de não sei quantos normativos aleatórios sobre a violência associada ao desporto, porque é mais fácil legislar do que fazer estudos.
É preferível legislar, ainda que arbitrariamente, do que não o fazer. É o pecado original nacional, derivado de factores costumeiros consideraddos como óbvios, sem o serem.
Com um abraço Natalício
Caro João Boaventura.
Grato pela lucidez cristalina da sua análise, retribuo as saudações natalicias extensiveis a todos os leitores e comentadores deste espaço.
Abraço
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