Texto publicado no Público de 30 de Dezembro de 2012.
1.
A propósito do debate em torno da criação do Tribunal Arbitral do Desporto –
infelizmente mais de juristas e menos do desporto –, tem vindo ao de cima, pela
voz do Governo, a questão da diferença ideológica entre a sua proposta e a do Partido
Socialista. De um lado, o Governo respeitador da autonomia do movimento
associativo; de outro, o Partido Socialista favorável a uma espécie de
“governamentalização”.
É
manifestamente uma falsa questão. Com efeito, nada há de mais intervencionista
do que criar, por via legislativa um tribunal arbitral necessário.
A
divergência entre os protagonistas deste debate (?) não é de política
legislativa, de visão diferenciada para o desporto nacional. É, acima de tudo,
directa, mas também em nome de outras pessoas, uma querela pessoal.
E,
neste infeliz país, são as questões pessoais que determinam muito do que se
produz ou chumba em termos de legislação. No desporto e fora dele.
2.
A questão “ideológica” existe mesmo, mas localiza-se em momento bem a montante
da criação de um Tribunal Arbitral do Desporto que, em ambas as iniciativas,
projecta o exercício de poderes públicos por parte das federações desportivas.
A
“questão ideológica” encontra-se na Lei de Bases da Actividade Física e do
Desporto e no regime jurídico das federações desportivas, quando se entende que
essas entidades máximas da regulação das diversas modalidades desportivas são
uma extensão de regulação pública e não são, pura e simplesmente, associações
privadas.
E,
aqui chegados, sem prejuízo dos diplomas em vigor, provindos do Partido
Socialista, se mostrarem como os mais intervencionistas de todo o tempo
democrático, a verdade é que, nas mesmas águas navega (e navegará) o Governo.
3.
Do Governo já vieram sinais suficientes relativamente à reformulação do regime
jurídico das federações desportivas. Contudo, vai adiando dar esse passo.
Porventura o ano de 2013 conhecerá, por fim, essa reforma.
Mas,
num claro exemplo de falta de uma política consistente – legislando à vista -,
quando parte para a criação do Tribunal Arbitral do Desporto, autolimita-se,
afirmando, uma vez mais, a publicização da actividade desportiva federada.
Ora,
na lógica autonómica sustentada pelo Governo – os outros anteriores também o
foram afirmando quando lhes foi conveniente – o que se devia estar a debater –,
ainda antes do Tribunal Arbitral do Desporto, era o modelo de relacionamento
entre o Estado e as federações desportivas. E, se não o discute, é porque o
mesmo vai manter a mesma “ideologia”.
4.
Não brinquemos, a dois ou três.
5.
E a brincar parece andar o Secretário de Estado Mestre Picanço quando no início
da audição par(a)lamentar, como que justificando o “nascimento” do Tribunal
Arbitral, fala em suspeitas sobre a justiça desportiva e na não publicidade das
decisões dos órgãos federativos que a aplicam.
Só
pode estra a brincar. Quando há uma regra legal, desde 1 de Janeiro de 2009 –
há quatro anos -, que as obriga a tal, e ele e os serviços públicos, nada dizem
a tal respeito, no sentido de repor a legalidade.
6.
2013 será, pois, tudo o indica, mais um ano perdido para este infeliz país.
12 comentários:
Concordo com a essência da sua fornulação e vejo que segundo as suas palavras, ou o espírito que manifesta, ser possível a real autonomia / regulação privada do associativismo desportivo português.
A ser assim já seremos dois com essa convicção?!
Poderei acrescentar-lhe caso veja utilidade nisso munição económica do mais alto calibre que eu possa encontrar.
Estas parecem-me umas excelentes saídas de 2012!
Gostaria de acrescentar algumas ideias,
Principalmente concordo com esta sua frase quando afirma que são associações privadas:
"A “questão ideológica” encontra-se na Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto e no regime jurídico das federações desportivas, quando se entende que essas entidades máximas da regulação das diversas modalidades desportivas são uma extensão de regulação pública e não são, pura e simplesmente, associações privadas."
Já tendo a aceitar o interesse público da regulação privada o que não verto para a jurisdicionalização ou para o domínio público destes entes privados ou da sua missão desportiva, económica ou social.
Por fim, acho que pela constituição intrínseca dos actuais poderes públicos a sua agenda permanece escondida desde início o que, por exemplo, o debate para o COP, dentro e fora dele, como vértice de um momento democrático não consegue extrair esse abcesso da ética pública.
Bom Ano
Caro Fernando Tenreiro,
Obrigado pela sua participação. Julgo, todavia, que necessito esclarecer algo.
Há anos a esta parte que venho defendendo que um dos males profundos do desporto radica na permanente contradição entre o legislado - a publicização de parte significativa da actividade das federações desportivas - e o discurso e a acção política - acenando constantemente com a autonomia do associativismo desportivo.
O que propugno, seja público, seja privado, é que esses dois segmentos caminhem a uma "só voz".
O texto constitucional, no meu entendimento - e não estou sozinho - abre espaço a soluções mais publicistas ou mais privatísticas.
Um dos meus receios - para uma privatização total da actividade federada - reside na violação dos direitos fundamentais, desde logo dos atletas, particularmente aquando do exercício do poder disciplinar. Os muitos contactos com situações de manifesto arbítrio federativo, neste domínio, impõem muita cautela numa eventual "privatização" total do modelo desportivo federado.
JMM
A minha opinião é a seguinte:
Infelizmente não existe uma solução ideal para a questão de um maior ou menor intervencionismo do Estado, sustentado (ou não) por via legislativa.
Num país com débeis estruturas organizativas, na maior parte dos casos lideradas por muita gente que percebe pouco de desporto, nas diversas instâncias públicas e privadas, a tendência natural é para que prevaleçam interesses muito diversos e até contraditórios.
O recrutamento/envolvimento dos melhores para o dirigismo é muito difícil, tal como a sua profissionalização.
Os lugares são atrativos enquanto "passerele" de vaidades.
Entre o politicamente correto ignorante da intervenção governamental e a blindagem que visa efeitos perversos e por vezes a eternização do poder nas Federações, venha o diabo e escolha.
Por alguma razão a CDP implodiu e deixou de ser um parceiro socio-desportivo.
E se mantém um CSD incompetente e inútil.
Deixou há muito de existir um verdadeiro associativismo desportivo, com cariz global.
Ficaram apenas interesses dispersos e particulares.
Ou, como dizia George Orwell
"Quem controla o passado controla o futuro; e quem controla o presente
controla o passado."
É um colete de forças que estrangula não apenas a independência do desporto, estende-se e alarga-se a toda a sociedade civil.
É uma ditadura com roupagem democrática.
Consequentemente o filme continuará em 2013, porque quem controlou o passado, tomou-lhe o gosto, e vai continuar a controlar o futuro.
Muito cepticamente, enfim, para nos enganarmos... BOM ANO 2013
Cordialmente
Caro José Manuel Meirim
Não é privatização que sugiro.
As federações terão sido esbulhadas dos seus direitos vitais, o que tantas vezes e depois de tanto tempo parece que elas aceitam (gostam?).
A Europa tem a tradição bem coonsolidada de um mercado privado competitivo e uma actuação determinada por parte do Estado.
Ambos são complementares e o livre arbítrio é um problema, como a corrupção, para o qual há que encontrar soluções sem matar o paciente.
O que assistimos é a morte do nosso paciete e isso é que é inaceitável.
Como fazer e o que fazer são enormes desafios que convinha defrontar.
Renovação de boas entradas e certamente que continuaremos a procurar abrir os horizontes deste nosso desporto.
Há um tempo em que é preciso
abandonar as roupas usadas,
que já tem a forma do nosso corpo,
e esquecer os nossos caminhos,
que nos levam sempre aos mesmos lugares.
É o tempo da travessia: e,
se não ousarmos fazê-la,
teremos ficado, para sempre,
à margem de nós mesmos.
Fernando Pessoa
Jamais haverá ano novo,
se continuar a copiar os erros dos anos velhos.
Luís Vaz de Camões
Escreve F. Tenreiro:
" As federações terão sido esbulhadas dos seus direitos vitais, o que tantas vezes e depois de tanto tempo parece que elas aceitam (gostam?)."
A alternativa qual é?
6 meses sem verbas o ano passado...
As federações precisam do apoio do Estado?
Caro Anónimo de 3 de Janeiro de 2013 18:39
Quem esbulha não dá alternativas porque só a esbulhar o desporto é que é possível contemplar os amigos dos políticos para os trazer contentes e satisfeitos.
Os governos querem medalhas desportivas sem qualquer custo para o erário público, o que é pecaminoso, irreal e utópico.
Mas que pensa, pensa. Mas prefere a adesão dos amigos para serem reeleitos.
Cordialmente
Ao anónimo de 3 de Janeiro
sobre o esbulho que refiro algures
Enquanto entes sociais e desportivos as federações têm direitos e responsabilidades e assumem riscos os quais são outputs vitais do desporto nacional.
Os duodécimos são um processo administrativo menor para o conceito que sugiro.
Para instituições exauridas da mínima vitalidade obviamente concordarei consigo que o conceito que indico em primeiro lugar será um idealismo.
Coloco-lhe a seguinte questão: prefere lutar por um concieto pleno de direitos e de responsabilidades para assumir maiores riscos e potenciar o desporto ou prefere ficar atado ao duodécimo?
Ou de outra forma: Quando é que você e tantos outros líderes desportivos endireitam as costas e exigem à sociedade os direitos maiores a que têm direito face ao output que produzem e que ninguém como vocês sabe produzir em Portugal?
Caso eu soubesse o seu nome indicar-lhe-ia soluções alternativas para a sua área específica.
Assim ficamos cada um para cada lado.
Mande sempre!
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