quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

A violência, A Bola e o CND


Saberão muitos que no passado sábado, em Inglaterra, durante o encontro entre o Birmingham e o Arsenal, Eduardo da Silva, avançado desta última equipa foi alvo do que vem sendo descrito “por uma arrepiante agressão”, em virtude de uma violenta “entrada” de Martin Taylor, jogado do Birmingham.
Desse incidente resultou fractura da tíbia e do perónio do atleta profissional do Arsenal.

Daí podem derivar consequências jurídicas bem significativas, não só para o atleta como para o próprio Birmingham. Não seria a primeira vez que os tribunais (no estrangeiro, particularmente em França) configurariam estar reunidos os pressupostos para o reconhecimento de um direito a indemnização, em sede responsabilidade civil por acto ilícito (veja-se, neste sentido, a recente situação ocorrida na Argentina).

Ora, diz quem acompanhou a transmissão televisiva, nem uma repetição do sucedido veio a ter lugar. Informa o jornal A Bola, de hoje, que todas as televisões – e o próprio Youtube – não passam essas imagens. «Inglaterra censura agressão», é mesmo o título da notícia.

Por cá, a apenas alguns dias de um jogo a disputar entre o Sporting e o Benfica, A Bola “encheu” toda uma sua primeira página com notícias acerca de confrontos que tiveram lugar entre elementos de claques dos dois clubes, na madrugada de domingo. Tais confrontos, ainda segundo o noticiado, foram graves e combinados entre esses dois (?) (quais?) grupos.

A Bola instalou, por assim dizer, um ALERTA VERMELHO.

Hoje, no seguimento dessa “antevisão de violência” para domingo próximo, o mencionado jornal recolhe afirmações de Manuel Brito, membro do Conselho Nacional do Desporto (CND), nesse órgão ainda desempenhando as funções de presidente do Conselho para a Ética e Segurança no Desporto (CESD), uma das secções do CND.
Esta secção é composta por 20 membros.

Permitam-se-me alguns comentários a partir das suas palavras, não estando obviamente em causa a sua “preocupação” e o facto de, a partir de ter tomado conhecimento dos factos, “não mais ter descansado”, tendo, desde então, estabelecido “intensos contactos”, com vista a inteirar-se de todos os contornos do ocorrido.

Em primeiro lugar, Manuel Brito revela-se surpreendido.
Este estado de espírito é, a nosso ver, sintoma da uma leitura errada – de há muitos anos a esta parte – do fenómeno da violência no desporto e do papel das claques, que vem sendo sustentada pelos poderes públicos.
Basicamente, a mensagem, repetida até à exaustão, é a seguinte: em Portugal há fenómenos de violência, há problemas com as claques, mas nada de comparável com o que se passa no estrangeiro.
Daí que, quando sucedem manifestações de violência, como a da madrugada do passado domingo, já recorrentes em outros países, os responsáveis se surpreendam.
Ou seja, o discurso permissivo da actividade violenta das claques que percorre o imaginário português, entidades públicas e privadas competentes, só pode responder desta forma.

Encontrando-se Portugal, em demasiados aspectos, numa situação de atraso estrutural face à Europa, mais valia, neste caso, que se aproveitasse esse atraso (para arrepiar caminhos que percorreremos inevitavelmente no futuro), pois é certo e sabido – até pela “cooperação internacional das claques” e por um mais do que notório fenómeno de imitação –, que o que sucedeu lá fora, vai entrar na nossa casa, mais ano ou menos ano.

De seguida anuncia-se “um acrescento de um ponto” à próxima reunião do CESD, agendada para o dia 11 de Março, em face da gravidade da situação. Espero, sinceramente, que não tenham que se reunir no dia 3.
De todo o modo, convém ter presente, que nada resultará de verdadeiramente significante desta reunião, realize-se ela a 3 ou a 11 de Março, ou mesmo a 25 de Abril ou no dia Santo António.
A composição, competência se forma de funcionamento do CESD, a lei em vigor (e a sua não aplicação) e a nova (?) lei (e a sua futura não aplicação), são dados que nos permitem, com alguma segurança, prognosticar um elevado grau de ineficácia nas decisões ou pareceres do CESD. Aqui, por exemplo, já o país vizinho, não funcionou como “texto a copiar” para a solução nacional.

O exemplo da legislação espanhola conduz-nos à nossa última observação.
Adianta o presidente do CESD, que em elaboração está já a criação de uma comissão permanente, que “visa ser célere e reunir e decidir casos de urgência.»

E informa sobre a sua composição, pormenorizando que “falta apenas o presidente da Federação Portuguesa de Futebol, Gilberto Madaíl, indicar um representante do organismo a que preside para a comissão ficar constituída” (sublinhámos).
Aqui chegados, ganha espaço legitimo uma constatação que fizemos o ano passado no Público – a propósito da composição e funcionamento do CND.

Com efeito, como é que é possível tal indicação de “representante” por parte do presidente da FPF, para a referida “comissão permanente”, se nos termos do diploma de criação do CND (Decreto-Lei nº 315/2007, de 18 de Setembro), a representação da FPF, através do seu presidente, tem natureza pessoal e não pode ser delegada (artigo 4º, nº3)?
Que validade vai ter uma eventual decisão dessa “comissão permanente”, a qual, à partida, se compõe à margem do próprio diploma que criou (mal) CND?
Violenta-se a lei?

Para A Bola, parecem ficar (e bem ajustadas são), as últimas palavras de Manuel Brito: não se apaga fogo com gasolina.

3 comentários:

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...

gostava de colocar o problema da violência e do racismo noutra dimensão

há maior probabilidade em ter problemas de violência e racismo num desporto subdesenvolvido do que num com níveis superiores de desenvolvimento

assim é que que nos grandes países europeus e mais desenvolvidos e com sociedades mais abertas e sujeitos a desafios sociais mais profundos, os problemas com a violência e o racismo continuam a acontecer

portugal terá um maior desenvolvimento desportivo e existirão ainda actos de violência e racismo

importa observar o impacto marginal da violência e do racismo em estados distintos de desenvolvimento para sugerir que o ideal será alcançar níveis superiores de desenvolvimento com menores ocorrências de violência e racismo

de um ponto de vista económico é valorizável a subdivisão operada no CND de regime jurídico e ética como instrumentos do nosso futuro

agora que se fala em avaliação noutros sectores da actividade, estes são critérios objectivos para a determinação do desenvolvimento e da ética


Não li a notícia passada da Bola mas faço fé no que se escreve.
Lembremo-nos que a Bola se recusou no passado a dar a palavra inflamada aos dirigentes dos clubes, o que demonstra como a matéria é importante para um investimento de longo prazo sem secundarizar nenhum agente, mesmo os mais importantes

Anónimo disse...

Comentário ao seu artigo do jornal Público de domingo passado

Primeiro ponto

Diz o José Manuel Meirim, no Público, no artigo “Basquetebol: uma “bomba” de 3 pontos?”, em 2 de Março de 2008:
“A lei é uma faca de dois gumes. Consagra direitos, mas impõe deveres. Aplica-se ou não se aplica. Viola-se ou respeita-se. Joga-se mão dela quando interessa, mas esquecemo-la, facilmente, quando não nos agrada. É assim para o Estado e restantes poderes públicos, mas é assim para os cidadãos, as organizações e os poderes privados. É assim em Portugal e um pouco em todo o mundo. É assim em todos os segmentos do viver social. É assim, pois, no desporto.”

Pela parte que me toca devo dizer que o parágrafo é uma lufada de ar fresco.
Parabéns!

São estes textos que fazem o Bom Direito, aquele que a ser criado tornará o desporto português concretizador face aos objectivos do desenvolvimento desportivo.
O Direito deste parágrafo permite desenvolvimentos contraditórios, é o que vale a pena colocar aos agentes desportivos, consumidores e produtores, visando a melhoria do seu bem-estar.

Eu acentuaria que o Direito tem os limites que esta alternativa de usos permite.
A realização ou celebração do Direito deve ser relativizada porque a sua capacidade de sucesso depende da inteligência da sua concretização seja na criação inicial, seja na oportuna avaliação dos limites que o mercado desportivo cria, seja na correcção eficaz e eficiente face aos objectivos de maximização do interesse social.

E porquê? Porque o Direito Desportivo é um meio e não um dogma pela forma como muitas vezes é colocado aos agentes desportivos portugueses.

Cabe aos melhores oficiais do Direito desportivo português entenderem os limites do seu “métier” e potenciarem o seu produto face à realidade dinâmica onde actuam, a do desporto português.
O remanescente seguirá a tendência que identificarem mais lucrativa.

JMMeirim, há oficiais que recusam estas suas palavras. Por interesse político, pessoal ou de oportunidade. Nenhuma é relevante.


Segundo ponto

O interesse económico do direito desportivo, que o direito desportivo português tradicional informaliza, é dado no próprio artigo do Público.

Afirma o JMM que “O objectivo da LCB (Liga de Clubes de Basquetebol) é cristalino: obter um número estável de participantes na competição profissional que não esteja sujeito a variações de “humor” dos clubes e, deste modo, assegurar a própria solidez da competição. A FPB (Federação Portuguesa de Basquetebol) discorda, por inteiro do que lhe foi proposto.”

Refere o JMM que estamos perante “variações de ‘humor’ dos clubes” os quais pretendem ser regulados pela acção da LCB e da FPB. Afirma que de acordo com a Lei de Bases, o contrato vigente tem determinada formalização jurídica que as duas partes celebraram e uma delas a LCB propõe a revisão. Como a FPB não aceita a proposta da LCB, a decisão será dada por uma terceira instituição o CND.

Não se trata de “humor” estamos a tratar do interesse legítimo de agentes desportivos que quando são afectados, por exemplo: não lhes assegurando pela regulação as condições básicas de funcionamento; obtém-se ou produtos inferiores ou remunerações insuficientes e em consequência de um ou de outra a provável falência do mercado.
Não há “humores” apenas “plain economics”.

A legislação desportiva portuguesa dá a líderes desportivos, LCB, FPB ou CND, o direito de agir sobre o mercado do desporto porém, não define critérios de eficiência desportiva, económica ou social, ou outra.

O que importa aos consumidores e produtores do basquetebol português, em todos os seus escalões, é saber quais os modelos desportivos, económicos e de governance subjacentes a uma decisão que equilibre o deve e o haver das suas contas em cada mês que passa.

Por exemplo, o JMM não indica quais os valores económicos que estão na base da posição da LCB e da FPB. Eles existem? Do ponto de vista económico que processos é que a lei obriga? O seu artigo no Público não o refere!

Segundo se percebe, a solução segundo a lei é que quando os dois agentes de uma determinada modalidade, sejam a federação e a liga, não se entendem no seu processo de conquistarem o mercado desportivo, por razões que têm a ver com posições naturalmente divergentes entre entidades com e sem finalidade lucrativa, quem resolve a diferença de opinião são instituições de outras modalidades suas concorrentes no mercado do desporto e representadas no CND.

Parece inverosímil que sejam outras federações e ligas a resolverem na perspectiva do basquetebol as diferenças de perspectiva entre as duas instituições do basquetebol.
A não ser que seja esta a penalização que se pretende incutir nos agentes privados: Caso não resolvam os problemas entre vocês são os vossos adversários desportivos e económicos a decidirem por vocês.

Qualquer outra instituição de uma outra modalidade desejará definir estratégias e decisões que impeçam a modalidade litigante a ocupar o mais espaço no mercado. Racionalmente as modalidades representadas no CND preferirão que a modalidade litigante tenha decisões ineficientes e que, no limite, vá directamente para a falência. Brincamos ou quê? Ficam libertas de concorrência aos praticantes, clubes e financiamentos públicos e privados.

Contraditoriamente este mecanismo é o mais interessante e o que surge com maior potencial de eficiência.

O problema neste caso é que não tem critérios objectivos e transparentes. Por isso, o articulado jurídico tem possibilidades de falhar.