quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

A má consciência

A história repete-se primeiro como tragédia e depois como farsa
Karl Marx


Salários em atraso, infelizmente, não existem apenas no futebol e no Estrela da Amadora. Mas por razões de especial mediatização do futebol e pelos níveis de alguns salários praticados o problema atinge uma dimensão pública distinta dos trabalhadores das muitas centenas de empresas e unidades comerciais que não pagam aos seus trabalhadores. Ou se vêem na contingência de pura e simplesmente encerrar a produção e despedir as pessoas.
Não quero discorrer sobre as causas do fenómeno no que concerne”aos salários em atraso no futebol”. A voz experiente, sabedora, especialista e sempre autorizada do secretário de estado do desporto sapientemente explicou algo que o comum dos mortais nunca tinha pensado: o problema deriva do facto dos ”clubes viverem acima das suas possibilidades”. Hélas! Uma espécie de BPN ou BPP mas sem o Constâncio a regular. No desporto o regulador não se chama Vítor, chama-se Laurentino José e é homem de que só se conhece uma palavra: a verdadeira. Se ele disse está dito. Ora, esta trágica situação, “ o de se viver acima das possibilidades”, é um assunto que atinge milhares de portugueses e daí termos até uma administração pública desportiva, sempre sobre o olhar atento e responsável do dito governante, a investigar “cientificamente” o perfil do tecido adiposo dos portugueses cuja importância no desenvolvimento do desporto nacional é óbvia.
As perguntas que apetece fazer são outras: não há salários em atraso no andebol? E no basquetebol? E no ciclismo? E no hóquei em patins? E no atletismo? E no voleibol? E no pagamento árbitros e outros agentes em várias modalidades? Não existe uma economia da prática “profissional e camuflada do desporto” que está tecnicamente falida? O nosso “regulador” quer estudar o assunto. Não é que ele não conheça as razões. Mas o tempo em que não gostava de estudar já lá vai. Agora adora estudar. E com quem? Precisamente com aqueles que conduziram a esta situação. Que por acção ou por omissão nunca estudaram o que agora lhes é proposto que estudem. É uma espécie de novas oportunidades agora para os membros de CND. A que o patrão da BDO, também presente, e porta-voz oficial do organismo, não deixará de dar o seu precioso contributo resultante da excelente supervisão efectuada sobre o BPN.
Enquanto tão elaborado estudo não ocorre, uma vez mais, na ausência de estudos credíveis sobre a economia das modalidades, cada um fica com as suas impressões resultantes de um contacto mais ou menos directo com esta ou aquela realidade.
Surpreendente é que num quadro de acentuada crise financeira do sistema desportivo - juntando debilidades próprias e importando a crise geral da economia - não se oiça uma voz dirigente do movimento desportivo e das sua organizações que, com sentido de responsabilidade, entenda que o que se está a passar no Estrela da Amadora e outros clubes são o sintoma de um problema mais geral e mais profundo do desporto e do sistema desportivo nacional .E o de perceber que o económico e o financeiro não são autonomizáveis do organizacional, do político e do social. E que os comportamentos económicos e financeiros são acima de tudo comportamentos humanos.
Lendo as intervenções dos líderes das mais importantes organizações desportivas nacionais (COP e CDP) em recentes cerimónias alusivas a efemérides próprias não sei se dá para rir, se para chorar. É penoso que após trinta e alguns anos de democracia e modernidade cultural, com tanta produção académica, com tanta matéria de estudo e de reflexão não permitam que partilhemos de uma dimensão distinta, com classe, que valorize e nobilite as responsabilidades culturais do desporto e que não ignore as dificuldades porque passam as organizações desportivas. Comportam-se como se estas ocorrências, dos salários em atraso, fossem uma abstracção limitada a este ou aquele clube e não um problema do sistema desportivo nacional.
De facto é mais fácil empurrar para o lado e deixar o problema entregue ao futebol, ao Presidente da Liga Profissional de Futebol e ao Sindicato dos Jogadores, mesmo que na modalidade vizinha se passe algo similar. Mas até nem precisava de se passar. Um responsável desportivo não pode deixar de ter uma posição pública sobre os salários em atraso de qualquer praticante desportivo independentemente da modalidade. Mas parece que neste trágico país deixou de haver lugar à inquietação cívica. Numa época complexa e difícil a velha tradição salazarenta do discurso da genuflexão -chova ou faça sol está tudo bem e no bom caminho -, mesmo gasto e sem brilho, é preferível a ter ideias, a ter futuro e a ter coragem de ter um julgamento ético sobre o que se está a passar. Uma má teoria não é apenas sintoma de uma má consciência. É um elemento da própria crise.

8 comentários:

Anónimo disse...

Calma! Tudo está a ser tratado: "Dando continuidade ao Programa de Formação de Recursos Humanos para o Desporto, desenvolvido pelo Centro de Formação da CDP, terá lugar nos próximos dias 12, 13, 19 e 20 de Dezembro de 2008 uma acção de formação para Dirigentes das Federações", como se pode ver em http://www.cdp.pt/centro-formacao/noticias/7118-accao-de-formacao-protocolo-organismos-desportivos.html

Oh, caramba! Afinal não...

matérias importantes da formação:

o protocolo de Estado!
a arte de saber estar!
etiqueta à mesa!
etiqueta em viagem!
a arte de presentear!

público alvo: dirigentes e técnicos de federações desportivas!

tudo isto e muito mais no folheto de divulgação.

Anónimo disse...

O problema dos salários e fornecedores em atraso não é só no futebol. Pelo que por ai se diz a recente "guerra" entre o COP e o IDP sobre as verbas dos projectos olimpicos "esperanças olimpicas 2012 e prioridades" faz com que o COP por um lado pediu às federações que se candidatassem no inicio do ano e agora vem dizer que não tem dinheiro porque o devolveu ao IDP e este diz que entregou tudo ao COP....no meio vão ficar ordenados e fornecedores por pagar porque as federações executaram os planos apresentados a contar com aquelas verbas e agora....não há!! Também é de intrigar este silêncio federativo ou não o será!! já nem sei se há crise.
Nave do jamor

Anónimo disse...

Há muitos anos que não ouvia este nome que ainda me provoca uma valente gargalhada. A ser verdade o que fará o SEJD...manda pagar ao movimento associativo ou virá o nosso primeiro lançar um programa de ajuda como para o BPN, BPP e ramo automóvel! Vou aguardar para ver

Anónimo disse...

Quando saiu um artigo sobre as contas do IDP entrou-se num verdadeiro desvario securitário, com medidas e mais medidas de controle e segurança não chegasse lá fora o que cá dentro não se pretende que se saiba sobre a verdadeira situação financeira do IDP.Os atrasos nos pagamentos são tantos que se pode dizer em bom rigor que atrasos nos compromissos não são só no futebol. Esperem para ver o que aí vem mesmo com os Isaacs e seus acólitos a fazerem de policias do comportamento dos funcionários.

Ex-Complexo da Lapa

José Correia disse...

Liderança, Organização, Estrutura e “Amadorismo” no Olimpismo em Portugal

Quem ler a entrevista lata do Presidente do Comité Olímpico de Portugal, Comandante Vicente Moura, no Jornal Público de hoje (4 de Dezembro de 2008) tem de reconhecer que o nosso desporto de alta competição encabeçado pelo COP nos últimos anos, e com o mesmo Presidente há mais de uma década ininterruptamente no cargo, tem sido servido por uma enorme falta de liderança e de visão, de pensamento estratégico, de adequadas estruturas organizacionais e de um consequente modelo de financiamento e de avaliação de desempenho.

Em nenhum lado da extensa entrevista dada pelo Comandante Vicente Moura se percebe que existe ou existiu algures na cabeça do Presidente do COP um efectivo e planeado projecto de transformação do nosso desporto de competição, que havia por isso necessariamente uma visão profundamente arreigada que estabelecia as ambições e propósitos de uma liderança, pela qual de dava o exemplo de trabalho incansável e “profissional”, a “cara” e o melhor dos esforços, ou mesmo sequer um pensamento estratégico relativamente elaborado pelo qual se enquadrava o desenvolvimento das actividades e a tomada de decisões ou a escolha de opções alternativas.

Ou que se estabeleciam programas de melhoria contínua e se negociavam meios físicos, processos de trabalho com as federações, atletas e treinadores e recursos financeiros com as entidades governamentais para acolher as perspectivas de evolução e afirmação competitiva do nosso desporto de alta competição no panorama mundial.

A longa entrevista do Comandante Vicente Moura é isso sim um imenso e despreocupado exercício de “amadorismo” bem retribuído (2.500 euros mensais mais despesas de representação ditas como de “compensação” e agora finalmente confirmadas), com exercício de um poder considerado como inquestionável por quem quer que seja, e desde logo pelos atletas destinatários da acção do COP, poder que se perpetua com base numa “cadeia de jogos de influência e dependência” em que o Comandante Vicente Moura é o respectivo elo central.

Esta centralidade, que é sempre fonte de poder imenso em qualquer organização, resulta do papel determinante que lhe foi atribuído por um Estado/Governo que alijou a responsabilidade efectiva de conduzir a política de fomento do desporto de alta competição com expressão olímpica entregando ao COP a efectiva gestão do programa de preparação da participação nacional nos Jogos Olímpicos de Pequim (pelo menos).

E se o modelo de preparação para Londres 2012 se mantiver o mesmo – como foi intempestivamente anunciado pelos governantes da tutela desportiva – é altamente provável que o tipo de liderança transaccional (como esta é face às características essenciais das tipologias habitualmente definidas pelos teóricos da gestão), com a sua consequente tradução no comportamento e no método de gestão e de tomada de decisão do COP e do seu Presidente, se tenda a manter inalteráveis por mais um quadriénio.

José Pinto Correia

P.S.: Este comentário corresponde a parte de um texto mais vasto que estou a preparar e terá o título indicado pois tocará todos os temas que o compõem!

Anónimo disse...

Aos condóminos do blogue,
Os meus amigos considerem lá a hipotse de entrada para escriba do blog do José Correia. O homem é esforçado e assim não teríamos de levar com opiniões fora do contexto dos artigos publicados no blogue pessoal e doses de publicidade ao jornal.
Ao José Correia,
Colocar aqui as mesmas opiniões que no jornal ou no seu blogue leva a que, lá tenha 0 comentários e aqui estejam fora de contexto.

Anónimo disse...

Gostava de comentar o artigo em dois níveis.
Em 1ª lugar comentando este seu artigo onde escreve …. A voz experiente, sabedora, especialista e sempre autorizada do secretário de estado do desporto sapientemente explicou algo que o comum dos mortais nunca tinha pensado: o problema deriva do facto dos ”clubes viverem acima das suas possibilidades.
A voz sapiente dos lados de Algés, bafejada provavelmente pelos ventos do conhecimento, sabe que todos, vivem acima das possibilidades. Contrair dividas e não pagar….. é a situação comum….. o aparelho do estado da po exemplo. Desde IDP, passando pelas autarquias, pela saúde, pelas forças armadas etc… todos devem, porque todos são conduzidos pela geração que não sabe o que é POUPAR, mas por uma geração que sabe e quer satisfazer os seus caprichos e a ânsia do TER. Não sabe bem o quê, mas sabe que quer, e quer ter … TUDO.
Como dizem: Tudo a que têm direito, o colocando a voz num ar de superioridade dizem: Para mim o melhor …. Serve!
TUDO, o que lhes dê prazer, mordomias, status, e importância.
Exigem tratamento diferenciado, gostam de “chauffeur”( uns dizem motorista, outros dizem chofer)…exigem deslocações em executiva, mesmo que o voo seja de curta duração, (há quem tenha bilhete de económica e depois faça a exigência ao comandante do avião para passar para executiva) utilizam o carro de serviço em deslocações em particulares, em ferias , e no dia a dia familiar desde a escola , ao cabeleireiro, ao cinema, etc...e o Zé a pagar!!!( este Zé não é o Sá Fernandes), gostam de sair em noticias, fazem-se fotografar junto de quem pensam que é importante, de forma a que a comunidade do seu “bairro”, lhe reconheça notoriedade...enfim, é a mediocridade que temos..
Mas este “modus vivendi” atinge-se como?
Ou à conta do erário publico, ou recorrendo ao crédito, ou mais simplesmente não pagando!
Mas há um que não se pode atrasar um só segundo nos seus compromissos….. sabem quem é? O Zé (!!!( este Zé também não é o Sá Fernandes) porque tem de alimentar a pança de todos aqueles que vivem à sua custa.
È esse, a quem lhe negam quase tudo, porque estamos em crise, porque a conjuntura não é favorável, esse, dizia eu, vê aparecer, de um momento para o outro, milhões e milhões para quase tudo (menos para pagar as dividas contraídas há anos e com o IVA já sacado por aqueles senhores de barriga grande), como se este mago da ilusão, com o tempo não se transformará num “prestidigitador de carteiras.”

Em segundo lugar gostava de responder ao Ex-Complexo da Lapa
È obvio que ao IDP e quem o dirige não é cómodo que se saiba o que se passa lá dentro. Mas será que essas alminhas não consegam pensar que são eles próprios e com os comportamentos que assumem perante terceiros (fornecedores+movimento associativo desportivo) que estãopassar a imagem que tanto querem esconder e a cavar a sua própria sepultura???
Será com a introdução de medidas de segurança e com a implementação de medidas onde todos desconfiem de todos conseguem resolver os problemas? Querem um conselho?
Se forem capazes (a imagem já esta tão feia) olhem-se ao espelho e paguem a quem devem, e comecem a saber respeitar os outros!!!!
Será que é desta que conseguem colocar as câmaras nos corredores, e gabinetes????? Já agora nas casas de banho….. (alguém ficaria realizado)
Um abraço e continuem escrevendo…

Anónimo disse...

Oh homem não me fale do IVA que me lembra logo o Jamor e os milhares de euros que não cobrados pelo IDP pelos serviços prestados numa clara fuga fiscal.