segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Todos vendem a alma ao diabo

Este é o segundo de uma série de três artigos de Fernando Tenreiro que a nossa colectividade agradece.

A leitura sobre a carência das ciências
sociais e a ilusão que outras áreas possuem da economia, que é do desporto português, pode ser aprofundada.
Anteriormente referi o peso da ineficácia do legislativo e do político sobre o mercado.
A arquitectura e a engenharia do desporto são áreas cujo impacto no modelo nacional é igualmente nefasto pelo economicismo do seu pensamento de que basta cumprir as equações da engenharia e a arquitectura ser assinada por um arquitecto, para a infra-estrutura não ser um mono e um estorvo para o bem-estar da população. O Euro2004 e o Estádio de Aveiro demonstram o contrário.
Portugal investe centenas de milhões de euros em infra-estruturas desportivas e não produz estatísticas sobre o investimento feito e a sua utilidade social. Não prestam contas do que fazem. Usam o dinheiro e desculpam-se com a lei, as políticas, as acções dos políticos quando questionados. Se se sugere que mostrem as estatísticas da utilização e da adequação às necessidades das populações dizem que não são eles que têm de produzir estatísticas sociais.
Mas há mais.
A engenharia e a arquitectura sabem que as infra-estruturas desportivas são aproveitadas pelas federações, as maiores, que podem criar a relação pecuniária entre determinado tipo de infra-estruturas e o patrocínio das empresas de materiais e equipamentos que acobertam outros fins os quais controlam o local, dimensão, qualidade e oportunidade do investimento, cujos parâmetros desportivos são minimizados. Este processo confunde a utilidade da infra-estrutura para o desenvolvimento desportivo e social e o interesse lucrativo no investimento em betão para os seus beneficiários empresariais. Dada a ausência de políticas dimensionadas em milhões de euros que incentivem as federações a promover o desporto para todos, as federações são entaladas no nicho do alto rendimento e em incentivos lucrativos perversos como no esmagamento dos activos desportivos materiais e imateriais.
Outro exemplo é o dos professores de educação física que confundem a performance desportiva com a missão da educação física. Chumbam os alunos porque estes não realizam bem o gesto desportivo, o que é devido aos campeões, e não avaliam os jovens de acordo com o saber de um estilo de vida activo e o gosto de desporto em todas as suas formas, para toda a vida. Avaliam o estudante como se estivessem numa SAD e não como o cadinho de saberes que perdurarão incluindo a lembrança imorredoura de quem lhes abriu aquele conhecimento sagrado.
Ainda outro, os gestores de desporto sonham tornar-se empresários de ginásios, nos clubes com SAD’s, nas grandes empresas de desporto e esquecem-se de exigir o investimento nos clubes de base e as condições de competitividade e de solvabilidade no mercado do desporto português.
Face a estes três exemplos, que é possível estender ainda mais, a opinião pública no desporto tende a lamuriar-se não sabendo chamar o nome que cada coisa deve ter.
Todos, vendem a alma ao diabo.
É uma arte portuguesa a do desconhecimento, propositado ou não, de como se faz desporto moderno.
O desporto moderno é o desporto que se fez na Europa durante o século XX, que Portugal nunca acompanhou materialmente e que actualmente não faz porque chega a ser negligente e mentiroso.
Se se negligencia, mente e se recebe o pagamento, para quê fazer o desporto que nunca se fez?
O pensamento do desporto português deixa-se corromper pela mentira do ‘orgulhosamente sós’ das tricas políticas.
Há bons profissionais mas do que estou a falar são das condições de trabalho que destroem a eficiência económica do mercado desportivo.
Se e quando fizer desporto moderno Portugal criará projectos que deixem de vender desporto a retalho, para conceber o desporto por inteiro, segundo o saber-fazer europeu.

2 comentários:

Luís Leite disse...

Não posso deixar de concordar, na generalidade.
No entanto, não podemos nem devemos esquecer que o relativo insucesso histórico do desenvolvimento do desporto português, quando comparado com outros países europeus de dimensão similar, deve-se a políticas sucessiva e sistematicamente erradas. Intencionalmente erradas em sede de decisão (o desporto serve bem para alienar, distrair as massas)e tecnicamente erradas, por desconhecimento, em sede de controlo e gestão de projectos e obras (autismo, falta de actualização e de diálogo com as Federações).
Há responsáveis. Eles estiveram sempre na administração pública, servindo interesses de regimes, de partidos e de personalidades.

Rui Gomez disse...

Excelente post!
Obrigado Fernando Tenreiro. Será que alguém (lá de cima da politica!) lê este blogue? Será que os profissionais do desporto acompanham as tendências referidas no post?
É pena porque existe material interessante para ler, reflectir e aplicar!
Será que posso adicionar este blgue à lista do meu blogue (http://escoladesportiva.blogspot.com).
Abr
Rui Gomes