Este é o segundo de uma série de três artigos de Fernando Tenreiro que a nossa colectividade agradece.
A leitura sobre a carência das ciências sociais e a ilusão que outras áreas possuem da economia, que é do desporto português, pode ser aprofundada.
Anteriormente referi o peso da ineficácia do legislativo e do político sobre o mercado.
A arquitectura e a engenharia do desporto são áreas cujo impacto no modelo nacional é igualmente nefasto pelo economicismo do seu pensamento de que basta cumprir as equações da engenharia e a arquitectura ser assinada por um arquitecto, para a infra-estrutura não ser um mono e um estorvo para o bem-estar da população. O Euro2004 e o Estádio de Aveiro demonstram o contrário.
Portugal investe centenas de milhões de euros em infra-estruturas desportivas e não produz estatísticas sobre o investimento feito e a sua utilidade social. Não prestam contas do que fazem. Usam o dinheiro e desculpam-se com a lei, as políticas, as acções dos políticos quando questionados. Se se sugere que mostrem as estatísticas da utilização e da adequação às necessidades das populações dizem que não são eles que têm de produzir estatísticas sociais.
Mas há mais.
A engenharia e a arquitectura sabem que as infra-estruturas desportivas são aproveitadas pelas federações, as maiores, que podem criar a relação pecuniária entre determinado tipo de infra-estruturas e o patrocínio das empresas de materiais e equipamentos que acobertam outros fins os quais controlam o local, dimensão, qualidade e oportunidade do investimento, cujos parâmetros desportivos são minimizados. Este processo confunde a utilidade da infra-estrutura para o desenvolvimento desportivo e social e o interesse lucrativo no investimento em betão para os seus beneficiários empresariais. Dada a ausência de políticas dimensionadas em milhões de euros que incentivem as federações a promover o desporto para todos, as federações são entaladas no nicho do alto rendimento e em incentivos lucrativos perversos como no esmagamento dos activos desportivos materiais e imateriais.
Outro exemplo é o dos professores de educação física que confundem a performance desportiva com a missão da educação física. Chumbam os alunos porque estes não realizam bem o gesto desportivo, o que é devido aos campeões, e não avaliam os jovens de acordo com o saber de um estilo de vida activo e o gosto de desporto em todas as suas formas, para toda a vida. Avaliam o estudante como se estivessem numa SAD e não como o cadinho de saberes que perdurarão incluindo a lembrança imorredoura de quem lhes abriu aquele conhecimento sagrado.
Ainda outro, os gestores de desporto sonham tornar-se empresários de ginásios, nos clubes com SAD’s, nas grandes empresas de desporto e esquecem-se de exigir o investimento nos clubes de base e as condições de competitividade e de solvabilidade no mercado do desporto português.
Face a estes três exemplos, que é possível estender ainda mais, a opinião pública no desporto tende a lamuriar-se não sabendo chamar o nome que cada coisa deve ter.
Todos, vendem a alma ao diabo.
É uma arte portuguesa a do desconhecimento, propositado ou não, de como se faz desporto moderno.
O desporto moderno é o desporto que se fez na Europa durante o século XX, que Portugal nunca acompanhou materialmente e que actualmente não faz porque chega a ser negligente e mentiroso.
Se se negligencia, mente e se recebe o pagamento, para quê fazer o desporto que nunca se fez?
O pensamento do desporto português deixa-se corromper pela mentira do ‘orgulhosamente sós’ das tricas políticas.
Há bons profissionais mas do que estou a falar são das condições de trabalho que destroem a eficiência económica do mercado desportivo.
Se e quando fizer desporto moderno Portugal criará projectos que deixem de vender desporto a retalho, para conceber o desporto por inteiro, segundo o saber-fazer europeu.
2 comentários:
Não posso deixar de concordar, na generalidade.
No entanto, não podemos nem devemos esquecer que o relativo insucesso histórico do desenvolvimento do desporto português, quando comparado com outros países europeus de dimensão similar, deve-se a políticas sucessiva e sistematicamente erradas. Intencionalmente erradas em sede de decisão (o desporto serve bem para alienar, distrair as massas)e tecnicamente erradas, por desconhecimento, em sede de controlo e gestão de projectos e obras (autismo, falta de actualização e de diálogo com as Federações).
Há responsáveis. Eles estiveram sempre na administração pública, servindo interesses de regimes, de partidos e de personalidades.
Excelente post!
Obrigado Fernando Tenreiro. Será que alguém (lá de cima da politica!) lê este blogue? Será que os profissionais do desporto acompanham as tendências referidas no post?
É pena porque existe material interessante para ler, reflectir e aplicar!
Será que posso adicionar este blgue à lista do meu blogue (http://escoladesportiva.blogspot.com).
Abr
Rui Gomes
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