domingo, 10 de janeiro de 2010

Verdade desportiva – exibicionismo, farsa e pantomina

Há dias subiu ao palco da Assembleia da República uma peça, encenada pelo oportunismo serôdio. Não foi a primeira vez - nem será a última - que aquela acrópole da nobreza e decência cívicas se viu usada para uma tragicomédia. Só que desta vez a desfaçatez atingiu as raias do absurdo, sendo de pasmar como é que pessoas idóneas e ilustres, de boa-fé e impoluto carácter, se deixaram instrumentalizar para finalidades que podem situar-se nos antípodas das proclamadas.
Mas então a verdade desportiva não é um objectivo que todos devemos acalentar? Não é uma causa que a todos deve inquietar e mobilizar?
Certamente. Todavia a verdade não se passeia nos andores de festas e foguetórios. Mais, não decorre fundamental e automaticamente - qual fruto de geração espontânea! - do emprego de meios tecnológicos. Nem é com o recurso a estes que ela se almeja. A montante disto está a conduta quotidiana dos diversos agentes desportivos. Que compromisso com a verdade têm eles no seu dia-a-dia? Como é o relacionamento com a ética nos seus desempenhos e comportamentos, nas distintas tarefas e actividades que assumem no sector plural do desporto?
Chega de atirar poeira para os olhos dos incautos, ingénuos e bem-intencionados! Acaso um grande número dos jornalistas e comentadores desportivos, que enxameiam o espaço gráfico e áudio-visual, tem formação no desporto? Acaso tem conhecimentos suficientes que legitimem a sua intrusão neste domínio? Ocupar um lugar e abocanhar uma função, sem pressupostos para tal, não é usurpar e faltar à verdade? É mentira que alguns dos protagonistas desta ‘cruzada’ pífia pautam as suas intervenções, comentários e escritos, por fundamentalismo, facciosismo e fanatismo, por grosseiras mistificações, por atropelos ostensivos, por uma manifesta fuga da ética, da verdade e da moral? Os comoventes apelos, as belas palavras e as enganosas encenações produzidas para a sua promoção nos ecrãs não têm correspondência nos seus actos; pelo contrário, são o prolongamento e a expressão da desfaçatez e do modo como fazem jus ao estatuto de actores espertos e ladinos, peritos em ardis e malabarismos de insana índole, em ludibriar e vender gato por lebre.
Constituem a ética e a estética, a verdade e a beleza os fios do prumo do porte de muitos dos propagandistas da dita ‘verdade desportiva’? Têm estes princípios, ideais e valores alguma consideração e espaço na formação, conduta e avaliação dos agentes desportivos, tanto dos que intervêm directamente no terreno como dos que usufruem de acesso fácil ou de lugar cativo no panorama mediático?
Sem ética e estética o desporto não presta para nada de positivo, renuncia ao seu sentido e fim, à sua essência e substância, isto é, deixa de o ser. Mas… encontra esta preposição reconhecimento ou até algum eco na actuação e nas preocupações dos principais agentes desportivos?
Não há ‘jornalistas’ (melhor dizendo, paus mandados) sevandijas, capazes de toda a veniaga, traficância e infâmia, desde a mentira à falsificação, que, sem qualquer escrúpulo e rebuço, atropelam constantemente a deontologia profissional e agem a mando de outrem? Não há dirigentes que saem sempre em defesa de atletas (?) apanhados nas malhas do doping? Não há túneis minados e armadilhados, onde a arruaça e a provocação são propositadamente instaladas e estão particularmente em casa? Não é isto um atentado à verdade? Quão curta é a memória! É por esta não ir além da missa de sétimo dia que tais sujeitos cuidam que os outros também são desmemoriados.
E que dizer dos árbitros que tripudiam a letra e o espírito das regras, permitindo que o jogo decorra a roçar a violência?! Não é isso um flagrante desvio da verdade, da ética e da estética?! Cumpram primeiro a sua parte e então, sim, venham pedir ou reivindicar o apoio de meios tecnológicos.
Estão disponíveis a FPF e a Liga para testar paulatinamente o emprego de tais meios nos jogos organizados sob a sua alçada e, a partir dos resultados atingidos, tentar sensibilizar os organismos internacionais que superintendem na matéria? Se não é esse o caso, o que é que leva os Presidentes daquelas entidades a alinhar no ridículo de montar na Assembleia da República uma mesa destinada a apregoar, impingir e vender tão baixa bufarinha? Será o receio de serem criticados por não aderirem ao politicamente correcto e ao faz-de-conta em que se transformou a vida pública?
Enfim, a verdade é um valor a perseguir afincadamente não só no desporto, mas em toda a nossa vida. Infelizmente, a cruzada aqui em causa tresanda a demagogia, manipulação, populismo e hipocrisia, ao serviço de fins inconfessos. Há sobeja gente, envolvida e inscrita neste circo, que está muito longe de irradiar verdade e parece ter pacto com o seu contrário. Sejamos assertivos e claros: a verdade, no desporto como noutras áreas, não se alcança com espectáculos, engalanados e espampanantes, de grande impacto mediático, mas sim com a firme determinação de a respeitar e cultivar nas pequenas e silenciosas coisas, sem visibilidade e alarde publicitários. Ora sobejam motivos para duvidar das ‘razões’ que presidem a tanta pompa e circunstância. Faça cada um primeiro a sua parte, aquilo que é possível e depende da sua vontade. Concentremos nisso o nosso esforço, mobilizemo-nos para essa pequena grande missão, antes de nos voltarmos para a tecnologia.
Obviamente a busca da verdade é um empreendimento tão relevante que não se deve descartar o auxílio da tecnologia para o concretizar. Mas antes há que assumir, avivar e afirmar convicções básicas, adquirir atitudes, hábitos e rotinas, dar passos e percorrer etapas que casem a alma, a razão e o coração com a verdade. Sem isso nada feito. A inversão dos papéis indicia uma tentativa de abafar uma consciência acusativa da falta de apego à verdade; é legítimo vê-la como uma máscara ou uma prótese cosmética, para encobrir um persistente e impenitente defeito.
Afinal tanta propaganda, tanto estardalhaço e tamanha teatralização podem ser tão-somente a bandeira de uma manobra de ocultação de intenções absurdas e pouco sérias, ausentes do senso e do equilíbrio das proporções e consequências.

3 comentários:

Anónimo disse...

Não fiquei menos do que atónito com a quantidade de gente pela qual tenho alguma consideração que se prestou a este papel. Verdade seja dita que apesar de cada vez menos o parecer a Assembleia da República presume-se séria e nem ela escapou a esta palhaçada (medo se der contra a verdade desportiva?).
Há que referir que o tipo que liderou este movimento (vergonha teria eu de o seguir na rua quanto mais num movimento) decidiu questionar o que teria feito pelo futebol o presidente do FCP no tempo de antena de que dispõe; primeiro, nem em roda pé da história o tipo do cabelo empastado ficará e, segundo, o presidente do FCP fez muito pelo futebol, quanto mais não seja porque não se aliou a esta palhaçada.

Ah, o argumento baixo, mesquinho, triste e mono neuronal de que quem não assina é contra a verdade desportiva (haverá título mais demagogo para uma petição?) só não é provinviano porque a província merece mais respeito (bem como os próprios palhaços, diga-se).

Luís Leite disse...

É sintomático o facto de uma questão meramente "futebolística" ser designada por "desportiva".
Em Portugal, para a maioria, desporto é igual a futebol.
Gritemos pois "Pela verdade futebolística"! O resto não existe!
Quanto ao distinto "anónimo" defensor do exemplar senhor Jorge Nuno Pinto da Costa, fica-lhe bem o anonimato...

Anónimo disse...

A verdade nos desportos e sempre bem-vinda desde que seja sempre pela verdade desportiva ...´

Mas como não temos mais Egas Moniz neste país vamos vendo uns a carpir magoas aos outros!