domingo, 21 de março de 2010

Limpeza do país

Durante alguns dias foi anunciada, com toda a pompa e circunstância, uma jornada de limpeza do país. A ressonância da propaganda foi tanta que até o Senhor Presidente da República cuidou de ser lesto a associar-se à iniciativa, a saudá-la e a atribuir-lhe um simbolismo muito particular.
Que o país está imundo e atolado num pântano de indecência e sujidade, raramente visto – eis uma realidade abundantemente funesta, óbvia e pesada que a maioria das pessoas suporta com ansiedade, desalento e amargura. Tal como não tem dúvida de que o negrume da conjuntura requer, com todo o carácter de urgência, uma barrela extensa e profunda que deixe a quadratura limpa e asseada por fora e por dentro, no corpo e na alma. Não há nisto qualquer assomo de exagero. O país tornou-se uma feira de exposição de incontáveis e inconcebíveis formas de lixeira e cloaca a céu aberto, fede mesmo; está nauseabundo e irrespirável.
Por este motivo era compreensível, legítima e enorme a expectativa de que a iniciativa ontem realizada atingisse um grande impacto e largo alcance. O dia marcava o começo da Primavera, a saída de um tempo escuro, cinzento, feio, frio, húmido, nebuloso e triste, a entrada numa estação de luz, de ressurgimento da vida, da beleza, do sol, da alegria e do canto. Logo o contexto era deveras propício para emprestar ao evento um significado e uma força de irradiação com consequências e efeitos manifestos muito para além dele. Como seria bom que assim fosse!
Nesta conformidade ficamos à espera de que o milagre acontecesse, com o credo na boca e o desejo no coração. Sonhamos com o advento da alvura, da brancura, de caras e paredes tingidas das várias cores da confiança e esperança. Esperávamos acordar e sentir o calor de um tempo luminoso e radioso a entrar, generoso e estimulante, pelas janelas da necessidade que dele temos. Desejávamos que o previsível sucesso da operação desencadeasse uma mobilização cívica, à procura da moral perdida e visando a sua reposição.
Mas isso foi ontem. Passadas algumas horas, somos forçados a poisar os pés na terra; não se vêem pretextos para alimentar semelhante crença, muito menos possibilidades para ela se concretizar. Afinal hoje não é um dia novo, não amanhecemos com o ânimo transfigurado, a transbordar de euforia, razão e paixão justificadas. No horizonte pairam apenas nuvens por demais ameaçadoras da harmonia do nosso viver colectivo. A desilusão teima em nos atormentar e envolver como uma segunda pele; recrudesce na exacta medida do descaramento dos actores da tragicomédia demagógica e populista. A cada passo e instante surgem dados e revelações a desmoralizar e matar a nossa vontade de fé na vinda da decência, do decoro e da sensatez.
O que a corte diz é só embuste e do mais grosseiro; tudo não passa de faramalha e de empáfia velhas e relhas. Com estes protagonistas e o projecto que os anima o país escusa de confiar em dias melhores ou em curas de salvação; pelo contrário, deve contar com o agravamento da doença. A imundície vai continuar a crescer e a ofender os olhos e princípios éticos, estéticos, cívicos e republicanos.
Os tartufos persistem em encenar uma farsa de péssimo gosto; são incapazes de se ver ao espelho e reconhecer que são parte do problema e não da solução. E nós, seja por cegueira ou inconsciência, seja por cobardia ou omissão, seja ainda por apatia ou erosão da sensibilidade e dignidade, vamos dando azo a que eles ponham e disponham do nosso destino a seu bel-prazer, nos salpiquem de bosta, se entretenham em jogos de poder em que nunca perdem, porquanto pertencem a um circo que garante a todos os seus membros sempre índices de crescimento, de acumulação e aumento. Ao passo que a maioria dos cidadãos é condenada à atrofia, a estiolar, secar, mirrar, sumir e desaparecer na dor do anonimato, do silêncio e esquecimento.
Não se invertam os papéis e visões, nem se coloque o secundário e periférico no lugar do principal e central! Para limpar o país é preciso tomar medidas contra aqueles que o emporcalham, contra a respectiva sostrice e trafulhice. Enquanto gastarmos tempo, energias e atenções a fazer, em cima do nosso olhar, espuma de sabão e distracção, nós e o país ficaremos cada vez mais afectados e sujos pela alienação e desolação. A lama e a trampa serão tamanhas que dificilmente lograremos abrir um caminho limpo.

2 comentários:

Luís Leite disse...

Seria interessante ouvir os comentários a este texto da deputada/actriz do PS Inês de Medeiros, que recebe por dia 528 euros de suplemento ao pobre vencimento, por ter residência oficial em Paris, mais uma viagem de ida e volta ao fim-de-semana.
Tudo pago pelos nossos impostos.
É isto o socialismo democrático.
A classe média dos palermas que não são políticos ou gestores de EPs que pague a dívida pública.
Crise? Qual crise?

gimno disse...

bem dito e bendito Luis! Ja teria o meu voto!