terça-feira, 6 de abril de 2010

Estudar o sucesso

A optimização procura retirar o máximo de rendimento de uma capacidade ou de uma acção. É um esforço útil. E nunca está terminado. Porque faltará sempre algo. E a dúvida sobre se não seria possível fazer mais. Mas a optimização é também um risco. Em seu nome pode-se adiar uma decisão, não definir uma opção. É o caso dos perfeccionistas. Adiam o que fazer em nome de uma perfeição jamais alcançada. Convivem mal com a grandiosidade do que pensam comparada com a frugalidade do que realizam. Mas pior do que isso são as modas que, por tudo e por nada, procuram a excelência.
O palavrão entrou no jargão de tudo e mais alguma coisa: no desporto, na gestão, na psicologia, na política. Todos procuram a excelência que é assim a modos que um misto de Bill Gates (ter sucesso) com meditação budista (pensar positivo).
Os partidos políticos e os governos, sempre em cima do acontecimento, capturaram a tendência e também eles procuram a “excelência”. O que é, como se mede e onde está ela, é coisa que os livros dizem que ensinam. E quem não queira queimar as pestanas a ler tem à sua disposição um menu variado de cursos, seminários, fóruns e outros encontros do género. E, claro, as redes sociais que é óptimo para a saúde ocupacional. Hoje, estar actualizado, é procurar a “excelência”. E se a não encontra há que persistir e inspirar-se nos portugueses “que pensam positivo”
A “procura da excelência”tornou-se assim um novo “sound byte” das pessoas supostamente criativas. Um autor conceituado, Jim Collins, escreveu um livro Good to Great que em Portugal foi traduzido para Do bom ao Excelente. A onda pegou. Mas como em tudo na vida, o senso e o equilíbrio são a boa mistura.
A superação, a transcendência, a capacidade de fazer melhor é um desígnio humano. Mas a chamada “procura da excelência” é uma figura de retórica que, com tanta banalização, corre o risco de ser imaterializável. Ou então, medida à escala dos interesses próprios. A sua simples enunciação seria suficiente de que estaríamos num patamar superior.
Respigando programas, projectos e iniciativas desportivas, assistindo a seminários e outro tipo de acções de formação encontramos invariavelmente a ”procura da excelência”. O responsável governamental pelo desporto não a dispensa. Mesmo que não diga, nem saiba, em que se traduz e que indicadores a revelam. Passa a ser uma espécie de “estado de espírito”. Anda por aí e deve ser reconhecida!
Tal como os governos consideram que progredimos fazendo mais leis, também algumas tendências da gestão do desporto consideram que se muda a realidade alterando as terminologias e inundando os discursos profissionais de “clichés” e novidades terminológicas. Que se agravou com a chegada à dimensão comunicacional de muitos marqueteiros, para quem as estratégias se resumem a acções de gestão/comunicação mediática.
As organizações desportivas não deviam perder muito tempo com a procura “excelência”. Seria preferível estudarem os factores inibidores da acção e das escolhas. Tentar compreender o desvio entre o previsto e o realizado. E perceber um desporto que parece avançar mais rapidamente que o conhecimento que temos sobre ele e sobre o modo de o organizar.
Mais importante que a actualização do léxico da gestão é estudar os projectos, as organizações e os países que obtêm resultados e alcançam sucesso. Talvez isso ajude a explicar que no Brasil o mesmo livro de Jim Collins tenha tido como titulo Empresas feitas para vencer. É que, porventura, estudar o sucesso é bem mais importante. E constatar que ele ocorre nas organizações onde existe modéstia das palavras e dos propósitos. Mas uma clara definição das opções - poucas mas bem determinadas -uma clara focalização nas prioridades e a existência de estabilidade nas lideranças e nas políticas. Em que contam os resultados e não as intenções. Não é tudo. Mas ajuda muito.

14 comentários:

mdsol disse...

Aviso já que a gestão não é a minha praia. Se é que tenho alguma! Às vezes acho que gosto é de campo ou mesmo de montanhas difíceis de subir.
Mesmo interpretando-o como o interpreta, eu já não teria nada contra o conceito de excelência. [Tal como não tenho nada contra o conceito de ideal e outros. São faróis, não são portos. Ajudam a chegar aos lugares que queremos, mas que não são eles propriamente ditos. Mesmo assim já o acharia útil.]
Antes de continuar a discordar de si - alguma vez havia de acontecer - esclareço que não entrarei num jogo semântico, até porque não saberia como sair dele. Contudo, juntar "ter sucesso" com "pensar positivo", para esclarecer o conceito de "excelência", é obviamente legítimo, mas é uma escolha sua que não creio que seja solução generalizada. Adiante.
Desde as origens da civilização europeia, que se encontra em lugar privilegiado aquilo a que poderíamos chamar a cultura dos homens eficazes. Também, qualquer que seja o princípio activo no qual tenha origem a acção humana, o que verdadeiramente honra o homem não é o mero actuar, o participar na acção, mas a excelência da mesma, a acção com êxito. Já começa a aparecer aqui que êxito e excelência andam de mãozinhas dadas. Não fará sentido falar de um sem o outro. E que, falar de excelência sem falar de acção, também não tem muito sentido já que não se tem êxito sem se agir. Gosto de ligar isto ao conceito de aretê, cuja concepção se identificava, em grande parte, com a capacidade para lograr o êxito.
Este conceito (de aretê), mesmo quando habitualmente o traduzimos por virtude, não tem só uma conotação ético-moral. Tem como referente geral a ideia moderna de
“disposição” permanente para algo, “hábito, “habilidade”, uma capacidade ou excelência na execução de um determinado assunto ou de um determinado projecto seja sobre coisas, instituições ou pessoas.
A partir deste entendimento, acho o conceito de excelência muito interessante. A ver se cada um põe o melhor de si naquilo que faz. E, ou me engano muito, ou muitos dos males do país radicam exactamente nesta falta de cultura do rigor e empenhamento máximos e numa certa mentalidade em que as coisas atamancadas passam e até são louvadas. O que é preciso é fazer? Não, o que é preciso é fazer bem, entendendo-se este bem, como a materialização da nossa aptidão mais elevada. Dar o melhor de nós, simplesmente. E diga-me cá, aqui entre nós, que ninguém nos ouve: quanto tempo se perde a remediar o que se fosse logo bem feito... Oh meu caro, tanto tempo desperdiçado, nervos esfrangalhados e pessoas desmotivadas por causa da mentalidade "bota e vira".
Fazendo uma ligação rápida ao desporto - prática, o expoente máximo da aretê encontra-se no valor heróico, isto é, no valor que representa a acção executada de tal forma que requeira a aptidão mais elevada. Curiosamente, quem funde a aretê do guerreiro e a aretê do sábio ou nobre de espírito é Aquiles, educado para “pronunciar palavras e para realizar acções”.
Decerto o meu comentário não é excelente na exacta medida em que eu não vou ter êxito por tê-lo feito. Não cometo a leviandade de sequer admitir que o levarei a pensar mais dois minutos na sua ideia já tão elaborada! :))))

Ainda para ver que perfeccionismo e excelência (ou tentativa de...) não atinam forçosamente: eu sei que, possivelmente, escrevi a palavra aretê com erro. É que nunca soube qual é a acentuação correcta. Aretê? Areté? Aretè? Perdi a oportunidade de esclarecer isto quando estive com a Professora Maria Helena da Rocha Pereira, especialista em estudos helénicos.
[Onde e que eu já ouvi dizer que os tempos mais próximos são de retorno à filosofia? Ah pois! E esse retorno não há-de ser só para as coisas mais intangíveis da existência...]

:)))

Peço desculpa pelo testamento!

josé manuel constantino disse...

MDSOL,
Por norma não respondo a anónimos ou a comentários com pseudónimos. Em todo este tempo creio que houve apenas uma excepção que na altura justifiquei. Mas no caso vertente deste comentário não preciso de invocar qualquer excepção: sei a quem me estou a dirigir.
Saúdo o regresso aos comentários. Já sentia a tua (dispenso o cerimonioso você) prolongada ausência.
Começo por dizer no meu texto que a superação, a optimização a transcendência são comportamentos normais que caracterizam a nossa dimensão humana. A excelência como caminho, como designio parece-me natural. O que combato é a sua banalização e com ela a respectiva vulgaridade. Constituiu-se como um adorno da retórica que ao querer dizer muito acaba por não traduzir nada. Se respigarmos a prática e o discurso de muita gente que teve sucesso na vida o que encontramos são desígnios de querer fazer sempre melhor. O conceito de excelência é de uso muito parcimonioso. E não é impeditivo de um afirmação que fazes e com a qual eu concordo:”E, ou me engano muito, ou muitos dos males do país radicam exactamente nesta falta de cultura do rigor e empenhamento máximos e numa certa mentalidade em que as coisas atamancadas passam e até são louvadas. O que é preciso é fazer? Não, o que é preciso é fazer bem, entendendo-se este bem, como a materialização da nossa aptidão mais elevada. Dar o melhor de nós". Eu cederia na minha opinião se o critério de excelência for esse: dar o melhor de cada um de nós. Mas a excelência só pode ter como o padrão o mais elevado dos padrões de cada um de nós .Como os definir ?E como os avaliar ?
Quanto aos perfeccionistas eu sei o que pensas. Mas respondo-te com as tuas próprias palavras: "o que é preciso é fazer bem, entendendo-se este bem, como a materialização da nossa aptidão mais elevada".

Obrigado pela tua discordância.

mdsol disse...

Oh! Gostava tanto desta cerimónia!
E, muito obrigada, pela resposta.


:)))) [rasgadíssimo]

Luís Leite disse...

Sucesso e excelência. Pois...
O sucesso e a excelência medem-se.
Pelos resultados conseguidos.
No caso concreto do desporto português, o que temos são casos muito isolados de sucesso e excelência, que normalmente pouco ou nada tiveram a ver com planificação e pré-definição de objectivos.
Esforços desgarrados de uma inexistente estratégia colectiva.
Globalmente e em termos de política desportiva nunca soubemos sequer aquilo que queríamos. E continuamos a não saber. O que há é muita encenação e muito fingimento. E muito dinheiro mal gasto.
Estudar o sucesso em Portugal nunca levou a nada. Porque os nossos casos são isolados e porque sempre estivemos (e estamos) irremediavelmente atrasados.
Copiemos, pois (e depressa), aquilo que pode e deve ser copiado dos países desenvolvidos.
Com as necessárias adaptações.

josé manuel constantino disse...

Diz Luís Leite:"copiemos, pois (e depressa), aquilo que pode e deve ser copiado dos países desenvolvidos".Mas para copiar(e adpatar) não é o preciso estudar?O estudo nunca fez mal a ninguém...

Luís Leite disse...

A minha ideia é que não vale a pena estudar o fracasso das políticas desportivas que não resultaram e que nos deixaram na cauda da Europa.
Reafirmo que nunca houve uma ideia clara de modelo desportivo para o país no médio e longo prazo.
Só a seguir ao 25 de Abril, com o Prof. Melo de Carvalho, existiu um modelo estratégico (marxista-leninista e demasiado utópico) de desenvolvimento desportivo a longo prazo, num contexto revolucionário cuja ideologia política não vingou.
De então para cá, não se fez nada de suficentemente forte e determinado, numa perspectiva assumidamente reformista.
Apenas medidas isoladas e legislação que se revelou sempre pouco aplicável, distorcida da realidade, inútil.
E uma incapacidade de descobrir a nossa incapacidade, comparando-nos com os outros estados europeus da mesma dimensão demográfica.
Muitos projectos metidos na gaveta, muito fogo de vista, muitas promessas vãs.
Um país sem desporto escolar mimimamente sério e sem desporto universitário o que é que pretende?

Copiemos, pois. Estudemos qual o modelo estrangeiro que mais nos interessa copiar, adaptar e adoptar.
Estudar o que se passou por aqui no passado não adianta nada. É só perder tempo.

F. Gaspar disse...

Após ler atentamente pertinente discução, e considerando que o sistema desportivo é apenas um dos, senão todos, subsistemas nacionais que sofre deste mal.

Deixo uma questão:

Será o Sistema Desportivo e os seus "players" capaz de ser o exemplo para Portugal, ou esperará eternamente que a mentalidade nacional mude para mudar a seguir?

Temo que tenhamos aqui uma pescadinha de rabo na boca.

Anónimo disse...

Diz-se que foi feita uma revolução com a formação de treinadores depois de seis anos, seis, de trabalhos que 'mudam tudo'.

Há revolucionários assim ...

Nos blogues e no poder os 'players' playão segundo as suas regras, como manda a mentalidade da pescadinha.

Luís Leite disse...

Respondo ao amigo GASPAR.
Como sou professor, tenho que lhe dizer primeiro que "discussão" escreve-se assim.

1) Um dos grandes problemas deste desgraçado país é precisamente o nível a que se chegou no Ensino (não escrevo Educação, isso é outra conversa). Enquanto o Ensino em Portugal não subir consideravelmente de nível e se continuar a brincar às escolas, não vamos a lado nenhum.
Temos já duas gerações maioritariamente de analfabetos funcionais.

2) Sendo assim, têm que ser os de antigamente, agora com mais de 50 anos, mais as minorias mais jovens que aprenderam qualquer coisa, a fazer as reformas de que o país necessita.

3) De pescadinha de rabo na boca estamos nós fartos. E o que é grave é que a responsabilidade do estado a que isto chegou é de uma partidocracia maioritariamente formada por agentes políticos que têm mais de 50 anos. E que não saem de cima... Só querem comer à mesa do orçamento e ter privilégios.

Portanto e em conclusão, arrogo-me o direito de ser céptico.
Assim, não vamos lá de certeza.
Absoluta.

Quanto ao outro anónimo, além de não responder a anónimos, não se entende nada do que escreveu...

Anónimo disse...

O pescadinha revolucionária Luís Leite vai lá de mentalidade na boca a brincar aos analfabetos funcionais.

Luís Leite disse...

Temos poeta!...

F. Gaspar disse...

Realmente, faço "mea culpa" do erro de português. Reconheço que de vez em quando não o trato da melhor forma, especialmente no que toca à escrita.

Quanto à questão da formação - neste caso a desportiva - não vejo matéria humana de qualidade (ou potencial), em quantidade (pois há algumas boas excepções, embora insuficientes), capaz de forçar um processo inverso e dar o exemplo ao topo da pirâmide. Ou seja: ter visão, objectivos, organizar, dinamizar e projectar nos clubes e pequenos grupos informais de forma a forçar as associações a fazê-lo também, e por consequência as federações e por ai fora... tirando definitivamente o rabo da boca da "pescadinha".

Poderia ser uma alternativa! Teremos capacidade humana? Teremos quantidade humana? Teremos força? Deixar-nos-ão ter força? Quanto na base dos sistema terão iguais interesses ao topo? embora na respectiva dimensão e com ânsias de lá chegar.

Para quem lida com várias faces do sistema diariamente, e procura uma postura pró-activa facilmente perceberá estas questões e sentirá na pele estas adversidades.

Mais uma vez obrigado pela chamada de atenção pelo erro.

Pedro Peixoto disse...

JMC no seu melhor

Pedro Peixoto disse...

"êxito e excelência andam de mãozinhas dadas"
Ó mdsol! onde é que você tem andado? O século XXI mostra precisamente o contrário: da China à McDonalds, da TVI à Microsoft, o êxito não tem nada a ver com excelência.