quinta-feira, 10 de junho de 2010

Questões de timbre

Os indicadores que regularmente têm vindo a lume sobre a saúde financeira do futebol profissional na Europa são tudo menos animadores: Com 65% das receitas destinadas a salários e prejuízos globais de 578 milhões de euros, num total de 5,5 mil milhões de euros, de acordo com a UEFA 47% dos principais clubes europeus têm prejuízos declarados. Só a Premier League inglesa representa 56% das dívidas totais.

No actual contexto não surpreende que o Comité Executivo do organismo máximo de governação do futebol europeu tenha reforçado o sistema de licenciamento das suas competições com um novo quadro regulamentar de medidas de fair-play financeiro aprovado no passado dia 28 de Maio - há longa data anunciadas, e bem acolhidas pela UE em diversos documentos de política desportiva -, as quais assentam em três pilares:

  • Requisito de equilíbrio financeiro segundo o qual os clubes não podem gastar mais do que as receitas que geram ao longo de um período de tempo;
  • Inexistência de dividas vencidas por pagar durante a época (em relação a outros clubes, empregados e/ou autoridades fiscais e de segurança social);
  • Fornecer à UEFA informações financeiras necessárias para o efeito: de modo a garantir que os clubes possam cumprir as suas obrigações futuras.

Cumprirá ao Painel Independente de Controlo Financeiro dos Clubes, presidido pelo deputado europeu e antigo primeiro-ministro belga Jean-Luc Dehaene, monitorizar e avaliar todo o processo, e definir o regime sancionatório, a apurar caso a caso, podendo os clubes ser impedidos de participar em competições como a Liga Europa ou a Liga dos Campeões, ainda que a elas tenham acedido por mérito desportivo. Relembre-se que no passado 49 clubes nestas condições não foram admitidos nas competições da UEFA por incumprimento dos critérios de licenciamento.

Tendo como objectivo primordial garantir maior sustentabilidade nas opções financeiras ao nível do futebol profissional e estancar a acumulação de dívidas, os investimentos em infra-estruturas e formação desportiva caiem fora deste âmbito, o que limita as verbas disponíveis para o mercado de transferências em despesas de curto prazo e incentiva o investimento em programas de desenvolvimento ao nível da formação, ainda que susceptível de apontamentos críticos, nomeadamente em relação às infra-estruturas, como repararam os deputados na apresentação feita no Parlamento Europeu.

O perigo de eventuais abusos de posição dominante e de comprometimento das competições abertas baseadas no mérito desportivo – pilar essencial do modelo europeu de desporto, que habilmente o mundo do futebol gere como instrumento político para reclamar a especificidade do desporto –, suscita necessárias cautelas na abordagem a ter com estas medidas, em particular quando o registo da UEFA neste domínio em nada abona a sua autoridade, dado o histórico de desequilíbrios financeiros gerados pelas opções que tomou na repartição de receitas das suas competições, cuja reforma na Liga dos Campeões é o exemplo acabado.

A falta de competência para impor estas regras a nível das ligas nacionais e o facto das receitas televisivas advirem fundamentalmente das competições internas do que das competições europeias, carece de uma resposta no plano interno, a nível político e desportivo. Com efeito, tem-se assistido a diversos estudos e debates com propostas para a reforma do desporto profissional e dos seus mecanismos de financiamento em países como a França, a Espanha (onde se empossou uma Subcomissão parlamentar para o efeito), o Reino Unido e outros.

Por cá o “saneamento financeiro” tem sido uma prioridade das diversas direcções da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, com os resultados que são conhecidos… Questões como a regulação do mercado de apostas desportiva online, dos direitos de propriedade intelectual dos organizadores de competições desportivas e da venda de direitos televisivos (caso Espanha siga a actual inclinação do seu Congresso para um modelo colectivo Portugal será o único país onde a negociação destes direitos é feita individualmente pelos clubes) permanecem uma miragem no horizonte, sem um diagnóstico sério e rigoroso sobre as opções a tomar.

Por certo a nova direcção da Liga, que também se comprometeu com aquela prioridade, está ciente da necessidade de adoptar atitude díspar da que tem marcado a actuação política nesta vertente – bem mais preocupada com o nobre tema da “verdade desportiva” por via electrónica –, caso queira liderar uma agenda reguladora do futebol profissional sem ficar refém de uma concepção normativista, cujo timbre tem sido a mera replicação de soluções adoptadas noutros ordenamentos jurídico-desportivos. Um timbre frequentemente intempestivo e desajustado da estrutura e dinâmica do nosso sistema desportivo.

13 comentários:

fernando tenreiro disse...

O Dr. Fernando Gomes está metido numa camisa de onze varas.

Se fizer alguma medida de fundo o chefe critica-o, se errar o chefe cala-se, quando os jornais criticarem, o chefe lava as mãos e diz que a responsabilidade é privada da Liga.

Actuar através do CND leva anos e como diz o João Almeida a via normativa tem limites.

A União Europeia está no bom caminho a especificidade do desporto é o caminho certo.

O Dr. Hermínio Loureiro demonstrou que é possível herdar uma situação cheia de armadilhas e criar uma esperança de inovação e transformação.

O Dr. Fernando Gomes pode olhar para a Europa com uma casa arrumada, tem os esqueletos fora dos armários, e desafios que são mais graves do que os europeus.

Há muito em aberto na Europa e em Portugal e a Liga depende apenas de si própria, não podendo acreditar muito nos parceiros nacionais que noutros países são fundamentais na promoção das melhores medidas.

João Almeida, boa súmula do que se passa na Europa.

José Manuel Meirim disse...

Excelente análise.JMMeirim

João Almeida disse...

Obrigado

A propósito de "questões de timbre" não deixa de ser curioso o facto de a FIFA também estar a mudar o seu timbre.

Fernando Tenreiro disse...

O abandono da regra 6+5 por pressão da União Europeia é um erro da UE.

Goste-se ou não de Blatter a defesa dos jogadores nacionais é positiva para o desporto mundial.

A excepção às leis e aos princípios económicos da UE devem ser criados.

ftenreiro disse...

Continuando o comentário anterior

A União Europeia está a retirar as consequências profundas do seu pensamento.

A prazo ou a especificidade do desporto, que existe em inúmeros tratados e documentos da União Europeia, é assumida ou existe um retrocesso nos mesmos princípios.

Os princípios definidos têm consequências económicas e, mais importante ainda, tem impactos desportivos e sociais que os países europeus mais desenvolvidos beneficiam e que o projecto europeu pretende assumir para o continente, como dizem as leis e os tratados, mas cujas implicações estão por apreender em toda a sua dimensão material.

A dimensão material é decisiva porque é ela que demonstra que o desporto que se pratica na Europa tem impactos no produto desportivo e no produto social.

Espero que não tenham ficado mais confusos.

A Europa também tenta saber as consequências do que anda a fazer e embora seja acompanhada por parceiros globais como a FIFA, e os seus parceiros privados lhe estejam a sugerir melhorias, ela procura e tem conseguido não perder o pé.

O sistema de licenciamento dos clubes profissionais é o complemento e desenvolvimento do Relatório Arnaut e tem o protagonismo do parceiro privado mais relevante, o futebol, e que a União Europeia compreende como fundamental para complementar a sua especificidade do desporto.

Luís Leite disse...

Uma pergunta ingénua:

Quem paga os prejuízos dos Clubes de Futebol, sejam SADs ou não?

Outra pergunta ingénua:

Seremos nós todos através dos impostos?

Ainda outra pergunta mais ingénua:

Para onde vai o dinheiro que falta aos clubes para pagarem as suas dívidas?

Outra ainda mais ingénua, diria mesmo parva:

Qual o papel dos governos europeus no meio destas vergonhosas negociatas?
Complacência? Porquê?

Anónimo disse...

Fazer perguntas que se chamam 'ingénuas' e responder com uma pergunta que se chama 'parva'.

Onde quer o Luís Leite chegar?

Luís Leite disse...

Onde pretende o anónimo chegar?

Anónimo disse...

Não estava a falar com o Luís Leite, porque o Luís Leite não fala com anónimos.
A pergunta está em português.
Onde quer o Luís Leite chegar com perguntas imbecis e parvas?

"Porque não te calas Luís Leite?"

Luís Leite disse...

Será que temos aqui um anónimo chamado Juan Carlos de Bourbon?
Será que ele pensa que eu sou o Hugo Chávez?
Isto só dá para rir...
O que eu pretendo é discutir política desportiva com gente séria, não com gente desta.
Repito as perguntas:
Para onde vai o dinheiro do Futebol que se vai gastando de tal forma que as SADs e os clubes estão todos falidos?
Quem tem pago ou vai pagar os gigantescos buracos finaceiros dos maiores clubes e SADs?

Tiago Viana disse...

Os clubes, Sad's de Portugal são o reflexo de um país habituado a viver acima das suas possibilidades.
Algumas pessoas ganham muito dinheiro com o futebol profissional.
Em Portugal os apoios estatais, sejam sobre a forma de subsídios dados directamente pelo Estado Central ou pelas autarquias, de mudanças de PDM que permitem construcção de habitações em terrenos oferecidos aos clubes para instalações desportivas, têm sido enormes e mesmo assim estão falidos.
A crise vai agravar as suas receitas e as despesas são muitas delas fixas.
O negócio é gerido por entidades de costas voltadas que o fazem para disfarçar a gestão deficiente que têm nas maioria dos casos e por interesses pessoais.
Veremos qual a forma do habitual balão de oxigénio que o Estado lhes arranjar desta vez. Será o Mundial conjunto com a Espanha. Mas e se ele vai para outra organização?

Anónimo disse...

Tanta insistência do Luís Leite, deve ser para concluir: deve ser o Sócrates, talvez, que paga os prejuízos dos clubes portugueses e mesmo dos clubes europeus...

Anónimo disse...

Mas, verificadas as intervenções do Sr. Luis Leite é lícito perguntar: porque não vai para Deputado? Até poderia chegar a secretário de estado! Ao menos aí já podia fazer as perguntas todas que lhe viessem à cabeça e até, veja-se bem, poderia fazer alguma coisa pelo Desporto, em vez de andar por aqui com angústias sobre os anónimos! OA