O Estado, em matéria de desporto,tem competências que pode delegar nas federações desportivas. Para que tal ocorra as federações desportivas têm de preencher determinados quesitos organizativos. A questão, no plano jurídico-formal , é relativamente pacífica. Mas não o é no plano político. O Estado só pode delegar o que tem. E o que começou por ter era bem menos do que aquilo que agora diz ter. Porque o foi buscar precisamente aqueles a quem depois delegou.
As competências do Estado estão plasmadas no texto da Constituição. Incumbe ao Estado promover, estimular, orientar e apoiar o direito de todos à cultura física e ao desporto em colaboração com as escolas, associações e colectividades desportivas. Nada mais. O modo como Estado o faz plasma-se na respectiva lei de bases. Que por sua vez abre um conjunto de disposições complementares desagregando a níveis cada vez mais específicos o propósito constitucional enformador de todo o complexo normativo/legislativo.
O que se tem vindo a assistir é que a obrigação constitucional do Estado tem tido âmbitos e latitudes de crescente normativização, regulação e controle/fiscalização. O próprio desporto ao se desenvolver exigiu muita dessa intervenção. Mas também por vontade e decisão politicas. Tem prevalecido um entendimento ideológico/político de que, no caso das federações desportivas como entidades colaborantes com o Estado,não são livres de se organizarem como querem. Não basta avaliar se o que fazem merece ou não o apoio do Estado. Precisam também de se moldar ao que o Estado entende ser a melhor forma de cumprirem a sua missão. E nesse sentido caminhou-se para uma crescente estatização dessas entidades. No que em Portugal não é original.
Historicamente, na generalidade dos países europeus, Estado e federações desportivas coexistiram numa relação de efeito nulo. As federações desportivas obedeciam tão só ao regime geral que regulava o associativismo. No nosso país isto nunca ocorreu desde logo no exercício da liberdade associativa, por força do condicionamento da ditadura. Tudo passava -das “eleições”a muita das actividades das federações - pelo crivo do Estado. Mas com o regime democrático a relação modificou-se. No sentido de dar mais autonomia às organizações desportivas. Numa relação, é certo, sempre tensa. E de crescente condicionamento. O poder governamental entendeu dever ter uma regulação e um controle não apenas sobre o modo como aplicavam os dinheiros públicos, mas também sobre o que faziam e como o faziam. Incorporaram mais obrigações nas obrigações iniciais do Estado. Que depois delegaram. Através de um sofisma: o que se delegou é o resultado, em parte, de prévias avocações que se fez a favor do Estado de práticas e opções inscritas na matriz inicial do associativismo das federações desportivas. Com que argumento? O do interesse público. Esta tendência cresceu na exacta medida em que aumentou o grau de financiamento público. E com ele a dependência das organizações desportivas. A autonomia do movimento desportivo passou a uma figura retórica.
O complexo jurídico-normativo aumentou. A sua constante alteração, a um ritmo surpreendente, passou a elemento determinante. Alargou-se para campos cada vez mais específicos. E à medida que essa especificidade se aprofundou mais se distanciou do propósito inicial - o direito ao desporto – para se dedicar a temas que dificilmente se podem considerar como conexos com a original obrigação constitucional.
A questão politica da relação Estado/federações desportivas é hoje relativamente pacífica. Ninguém está interessado em discuti-la. Menos em contestá-la. O regime jurídico das federações desportivas é o exemplo perfeito da anomia do movimento associativo e do paternalismo do Estado. Problema que não é desta “lei”. A questão é bem anterior e está inscrita na matriz do associativismo desportivo português. Da ditadura à democracia. Financeiramente dependente. E cultural e politicamente subserviente.
As competências do Estado estão plasmadas no texto da Constituição. Incumbe ao Estado promover, estimular, orientar e apoiar o direito de todos à cultura física e ao desporto em colaboração com as escolas, associações e colectividades desportivas. Nada mais. O modo como Estado o faz plasma-se na respectiva lei de bases. Que por sua vez abre um conjunto de disposições complementares desagregando a níveis cada vez mais específicos o propósito constitucional enformador de todo o complexo normativo/legislativo.
O que se tem vindo a assistir é que a obrigação constitucional do Estado tem tido âmbitos e latitudes de crescente normativização, regulação e controle/fiscalização. O próprio desporto ao se desenvolver exigiu muita dessa intervenção. Mas também por vontade e decisão politicas. Tem prevalecido um entendimento ideológico/político de que, no caso das federações desportivas como entidades colaborantes com o Estado,não são livres de se organizarem como querem. Não basta avaliar se o que fazem merece ou não o apoio do Estado. Precisam também de se moldar ao que o Estado entende ser a melhor forma de cumprirem a sua missão. E nesse sentido caminhou-se para uma crescente estatização dessas entidades. No que em Portugal não é original.
Historicamente, na generalidade dos países europeus, Estado e federações desportivas coexistiram numa relação de efeito nulo. As federações desportivas obedeciam tão só ao regime geral que regulava o associativismo. No nosso país isto nunca ocorreu desde logo no exercício da liberdade associativa, por força do condicionamento da ditadura. Tudo passava -das “eleições”a muita das actividades das federações - pelo crivo do Estado. Mas com o regime democrático a relação modificou-se. No sentido de dar mais autonomia às organizações desportivas. Numa relação, é certo, sempre tensa. E de crescente condicionamento. O poder governamental entendeu dever ter uma regulação e um controle não apenas sobre o modo como aplicavam os dinheiros públicos, mas também sobre o que faziam e como o faziam. Incorporaram mais obrigações nas obrigações iniciais do Estado. Que depois delegaram. Através de um sofisma: o que se delegou é o resultado, em parte, de prévias avocações que se fez a favor do Estado de práticas e opções inscritas na matriz inicial do associativismo das federações desportivas. Com que argumento? O do interesse público. Esta tendência cresceu na exacta medida em que aumentou o grau de financiamento público. E com ele a dependência das organizações desportivas. A autonomia do movimento desportivo passou a uma figura retórica.
O complexo jurídico-normativo aumentou. A sua constante alteração, a um ritmo surpreendente, passou a elemento determinante. Alargou-se para campos cada vez mais específicos. E à medida que essa especificidade se aprofundou mais se distanciou do propósito inicial - o direito ao desporto – para se dedicar a temas que dificilmente se podem considerar como conexos com a original obrigação constitucional.
A questão politica da relação Estado/federações desportivas é hoje relativamente pacífica. Ninguém está interessado em discuti-la. Menos em contestá-la. O regime jurídico das federações desportivas é o exemplo perfeito da anomia do movimento associativo e do paternalismo do Estado. Problema que não é desta “lei”. A questão é bem anterior e está inscrita na matriz do associativismo desportivo português. Da ditadura à democracia. Financeiramente dependente. E cultural e politicamente subserviente.
46 comentários:
Concordo com o diagnóstico. Só não conheço a alternativa que propõe. E até gostava de conhecer.
Concordo totalmente com a lucidez da análise.
Acrescento apenas que a dependência financeira da maioria das Federações em relação ao Estado criou situações de subserviência de determinados Presidentes que, não investindo muito na procura de outras formas de financiamento, aceitam placidamente formas de relacionamento com o Governo, falsamente simpáticas, mas que ajudam a perpetuar internamente o seu próprio Poder.
O protagonismo mais ou menos discreto de certos Presidentes de Federações criou uma teia de interesses muito curiosa, que relegou a CDP para uma inutilidade total. A CDP é uma abstracção politicamente colada e subserviente aos interesses governamentais.
E, surpreendentemente ou talvez não, ninguém quer mudar nada.
Prevalece, no relacionamento com o poder, a ideia do salve-se quem puder, reforçando-se protagonismos pessoais.
O texto de José Manuel Constantino é, no plano das ideias e da sua ulterior precipitação jurídica, muito estimulante.
Mas não entra em linha de conta - a meu ver - com todas as variáveis do problema.
Com efeito, quem leia aquele texto fica com a ideia de que o que aí vem descrito, se passou - ao abrigo de uma qualquer "distorção" da democracia - com as federações desportivas. E apenas com estas.
Nesta lógica o Estado teria ido "tirar" às federações desportivas algo que originariamente lhes pertencera - para depois devolver-lhes esses poderes por intermédio de uma delegação de poderes. E onde é que o Estado quereria chegar com este "tira e põe"? À tutela sobre o exercício do poderes (pretensamente) "delegados".
Esta construção, porém, deixa por explicar o disposto no nº 6 do artº 267º da Constituição (introduzido apenas com a 5ª revisão constitucional, operada pela Lei nº 1/97, de 20 de Setembro): as entidades privadas que exerçam poderes públicos podem ser sujeitas, nos termos da lei, a fiscalização administrativa.
Ou seja:
- o conceito de que existem entidades privadas que exercem poderes públicos, do ponto de vista constitucional, não é privativo do desporto, sendo um conceito genérico e transversal a toda a administração pública;
- sobre tais "entidades privadas" pode exercer-se fiscalização administrativa (=tutela do Estado), o que constitui uma derrogação do disposto no artº 46º da mesma Constituição (=liberdade de associação).
O que as "leis desportivas" fazem, afinal, não é mais do que concretizar a possibilidade constitucional aberta pelo artº 267º da CRP.
E, portanto, não podemos falar do caso do desporto como se constituísse uma aberração no contexto do Direito Português aplicável a todos os demais aspectos da vida nacional.
a) José Manuel Chabert
Caro José Manuel Constantino
Começando por responder ao Anónimo sugiro que a questão mais simples é assumir dois pontos:
1 - A situação portuguesa está fora da lei e da praxis europeia.
2 - A alternativa é criar em Portugal o Modelo Europeu de Desporto.
Quanto ao poste inicial
Concordo com o espírito e a estruturação do poste e tendo 3 questões sugiro a conclusão que indiquei inicialmente.
As 3 questões são:
1 – nos países europeus a relação entre o Estado e o associativismo tem resultados positivos e não nulos. (este ponto relaciona-se com a minha terceira questão)
2 – o financiamento público tem diminuído em Portugal o que se reflecte na diminuição do produto desportivo agregado, recreação mais alto rendimento e profissional. O que tem aumentado é a dependência administrativa e financeira, a perda de capacidade de decisão e assumir do risco por parte das federações e a capacidade de produzir mais desporto. Os clubes nem mexem, vão à falência e o glorioso é uma panela de água a ferver.
3 – em todo o poste não fala do produto desportivo. Em regra ninguém em Portugal fala do produto da actuação das organizações desportivas. Esse é o resultado positivo da actuação do associativismo e do Estado europeu desenvolvido.
A alternativa, para ajudar o anónimo, é criar um modelo de produção desportiva que seja capaz de desenvolver a produção desportiva sustentadamente em Portugal produzindo, por exemplo, actividade desportiva para valores superiores a 7 milhões de consumidores, 70% da população.
De uma próxima vez que discutirmos a política desportiva para Portugal, façamos ao contrário:
1 - Em vez de avançarmos com os direitos constitucionais, discutamos a produção desportiva colocando Portugal e portugueses acima da média europeia.
2 - Depois, vamos ver que programas de desenvolvimento, economia, leis e hábitos são melhorados para atingir o objectivo da média europeia.
É a minha humilde sugestão.
O modelo europeu tem de ser aplicado em Portugal porque como diria Fidel, o Castro: este modelo nacional, nem para os autores do modelo português já serve.
Escreveu José Manuel Constantino:
A questão, no plano jurídico-formal , é relativamente pacífica. Mas não o é no plano político. O Estado só pode delegar o que tem. E o que começou por ter era bem menos do que aquilo que agora diz ter. Porque o foi buscar precisamente aqueles a quem depois delegou.
Quem leia, porém, o nº 6 do artigo 267º da Constituição - a que me referi no meu anterior post - conclui que, pelo menos desde 1997, o Estado afirma que existem "entidades privadas que exercem poderes públicos".
Quer isto também dizer - para além do que já aduzi - que a frase de José Manuel Constantino - e o que começou por ter era bem menos do que aquilo que agora diz ter - é duplamente incorrecta:
- não se pode dizer que "o que (o Estado) começou por ter" - mas sim, o que o Estado começou por "dizer que tinha";
- e não se pode afirmar que é bem menos do que "agora diz ter" - deve antes dizer-se, "do que agora tem".
O que é substancialmente diverso do que José Manuel Constantino sustentou. E a diversidade de premissas conduz-nos a outras conclusões também muito diferentes das que Constantino extraiu.
E deixe-me terminar, José Manuel Constantino, para lhe dizer que a explicação cabal e exaustiva do que acima vai dito, daria origem a um pequeno Tratado. Ou, se quiser, a um grosso romance sobre a forma de fazer política em Portugal.
a)José Manuel Chabert
Caro José Manuel Chabert,
Grato pelo seu comentário.
Em parte alguma do texto encontra qualquer apreciação de que os poderes públicos não possam exercer tutela administrativa sobre entidades privadas que exercem de forma delegada poderes públicos. Ou que isso seja exclusivo do desporto. Aí estamos de acordo. O que disse e acrescento é que essa “tutela” é cada vez mais extensa .No caso das federações desportivas já não basta o serem reconhecidas como de “utilidade pública”É preciso que cumpram mais quesitos para lhes ser reconhecida a capacidade de delegação pública .E têm de organizar-se de acordo com um determinado modelo, regulando o “fiscalizador” matérias como remunerações ou duração de mandatos. E que esse crescendo de “tutela”está na razão directa do financiamento público ser uma matéria sensível que leva o decisor politico a procurar equilíbrios “entrando”, a meu ver, na matriz fundacional do associativismo .Note que a vontade do legislador ,qualquer que ele seja, opera num quadro de relações de poder. E o poder do movimento federativo é por razões históricas, culturais e de dependência dos actores presenciais permeável,. Ou então preferem emigrar para a Suiça como o COI e muitas das federações desportivas internacionais que dessa forma se furtam às obrigações, designadamente fiscais. O que, como sabe, excluindo uma outra voz dissonante merece o silencio e a cumplicidade de generalidade dos governos e das autoridades politicas mundiais.
A instituições privadas de solidariedade social têm competências públicas delegadas Recebem dotações públicas bem mais avultadas que as que recebem as federações desportivas .O grau de “fiscalização administrativa” é bem mais ténue. O espartilho administrativo bem menor. O que explica esta diferença do decisor político?
O José Manuel Chabert volta a questionar e respondo o seguinte:
É relativamente claro o crescente grau de controle publico das federações desportivas. Parece-me pacifico reconhecê-lo. Mas concordo “que a explicação cabal e exaustiva” destas matérias dariam “origem a um pequeno Tratado”. Ou, como afirma, “a um grosso romance sobre a forma de fazer política em Portugal.” Mas aí o José Manuel Chabert tem uma autoridade politica que reconhecidamente não tenho
Escreveu José Manuel Constantino:
A instituições privadas de solidariedade social têm competências públicas delegadas Recebem dotações públicas bem mais avultadas que as que recebem as federações desportivas .O grau de “fiscalização administrativa” é bem mais ténue. O espartilho administrativo bem menor. O que explica esta diferença do decisor político?
As instituições particulares de solidariedade social têm um estatuto jurídico constante, básicamente, do Decreto-Lei nº 119/83, de 25 de Fevereiro.
Este diploma foi posteriormente alterado (em aspectos menores) pelo Dl 9/85, de 9 de Janeiro; DL 89/85, de 1 de Abril; DL 402/85, de 11 de Outubro; e DL 29/86, de 19de Fevereiro.
Estas instituições de solidariedade social são juridicamente qualificáveis como "pessoas colectivas de utilidade pública administrativa" -que, no unânime entender da doutrina, representam o grau máximo de sujeição ao interesse público e, consequentemente, estão sujeitas aos mais amplos poderes de intervenção do Estado (tutela).
Surpreendeu-me, por isso, a afirmação de José Manuel Constantino de que aqui - isto é, com estas instituições - o grau de "fiscalização administrativa" seria "bem mais ténue".
Bem pelo contrário: é aqui que o grau de intervenção do Estado é maior.
Em todo o caso, citei os respectivos diplomas legais para que, caso se discorde da minha afirmação, se poder fazer a respectiva demonstração, assinalando, no estatuto das ipss, o tal eventual "grau ténue" de intervenção do Estado.
Devo aliás acrescentar que, "in illo tempore", foi ponderado se não se poderia decalcar o regime jurídico das federações desportivas do estatuto das ipss ("just for the record", foi essa a proposta do ex-Director-Geral dos Desportos, Lopes Marques, embora pessoalmente esteja convicto de que ele não teria percebido exactamente o que estava a propôr...). E concluiu-se então que, tal remissão, originaria profundo desconforto no Movimento Associativo, porque o grau de tutela seria, nesse caso, máximo.
Por isso se criou uma realidade "menor" do que aquela - e foi este percurso que deu origem ao específico "estatuto de utilidade pública desportiva" (que é bem menos, do que a utilidade pública administrativa).
a) José Manuel Chabert.
Ainda em relação ao texto de José Manuel Constantino:
O que seria também interessante perguntar é como é que foi possível aos Poderes Públicos, entre 1990 (data da publicação da Lei 1/90 de 13 de Janeiro, que aprovou a Lei de Bases do Sistema Desportivo) e 1997 (data da publicação da Lei Constitucional 1/97, de 20 de Setembro), trabalharem com o conceito de "entidades privadas que exercem poderes públicos", sem o amparo constitucional do nº 6 do artigo 267º da Constituição (introduzido nesta última data) e sem que tivesse sido questionada a conformidade constitucional de tal construção jurídica!!!!
Mas isso são outros contos, cujo cabal desenvolvimento terá que ficar para um (eventual) futuro Tratado/Romance sobre os "mistérios" da concepção do Direito em Portugal...
Escreveu Fernando Tenreiro
A situação portuguesa está fora da lei e da praxis europeia.
Isto não é verdade.
Com efeito, o sistema desportivo português (e a sua praxis e regulamentação legal) têm equivalentes muito próximos em França, Espanha, Itália, Luxemburgo, Bélgica, Chipre, Malta, Grécia, etc...
Não se pode, por isso, dizer que o que se passa em Portugal nada tem que ver com o que se passa "na Europa".
A menos que se entenda por Europa apenas os países anglo-saxónicos e escandinavos.
a) José Manuel Chabert
Não sou jurista, mas lendo e interpretando o nº 6 do Artº 267 da Constituição e a Legislação sobre o Estatuto de Utilidade Pública Desportiva, designadamente o disposto no Artº 8º do Decreto-Lei 144/93, de 26 de Abril, concluo o seguinte:
As entidades privadas que exerçam "poderes públicos" podem ser sujeitas a fiscalização administrativa (apenas e só administrativa) e obviamente relativa ao contratualizado nos contratos-programa de financiamento;
O disposto no nº 1 do Artº 8º do referido Decreto-Lei sobre "Poderes das Federações que têm o estatuto de Utilidade Pública Desportiva" é tudo menos claro sobre o respectivo âmbito (intencionalmente?), parecendo tratar-se de fazer cumprir as regulamentações internacionais de cada modalidade, bem como no que respeita à disciplina desportiva; no nº 2 fica claro que pode haver lugar a recurso para os tribunais administrativos.
Julgo que a única coisa que a Administração Pública Desportiva pode fazer é cancelar ou suspender o estatuto de Utilidade Pública Desportiva (UPD), desde que por razões fundamentadas no incumprimento da Lei. No restante, as Federações são entidades completamente autónomas.
Curiosamente, o Despacho com que o Secretário de Estado suspendeu a UPD das Federações de Futebol e de Vela diz respeito apenas a alguns contratos programa, o que vai contra o estipulado nos Artigos 18-A e 18-B do referido Decreto, que prevê apenas o cancelamento ou suspensões na totalidade das actividades e não parcialmente.
Não sendo minimamente claro para uma pessoa mediamente letrada o que são os referidos "poderes públicos", é inaceitável que a Administração Pública se intrometa em assuntos disciplinares ou desportivos internos das Federações em que alegadamente delegou poderes que não pode nem deve exercer.
No caso do Futebol, ainda por cima, ao ter sido suspenso estatuto de UPD de forma ilegal (por parcial), muito menos o Estado se devia meter em assuntos que não lhe dizem respeito.
Quando muito, poderia recorrer para o Tribunal Administrativo dos acórdãos dos Conselhos de Disciplina e de Justiça das Federações.
Mas eu não sou jurista...
Liberalismo ou Dirigismo: Modelos de Estado (no Desporto)!
Talvez valha a pena explorar mais aprofundadamente a substância da intervenção tutelar do Estado nas instituições que dele não fazem parte integrante, antes são pertença daquilo que teoricamente se vem denominando de sociedade civil. E aí se verificará a completa divergência tradicional de todo o século vinte português, caracteristicamente dirigista ou intervencionista por parte do Estado, que mereceu a correspondente consagração constitucional primeiro em 1933 e depois também em 1976, e os modelos de cariz mais liberal e menos colectivista de outras paragens europeias e norte-americana. E esses modelos portugueses de prevalência das ideologias, respectivamente autoritária e socialista, tiveram consequentemente as suas devidas consagrações jurídicas regulamentares. Sendo certo que o direito e as suas normas, como ciência que constrói muitos dos seus quadros normativos através das suas características eminentemente passivas face às continuas dinâmicas societárias, ainda que muitos dos seus cultores científicos o pretendam frequentemente contraditar, não pode ser considerado nem a única interpretação nem muito menos a absoluta limitação para a inovação e a criação de novas relações da vida humana e institucional em sociedades abertas e livres. Mas em Portugal sucede muito o inverso desta criatividade e liberdade pela supremacia que a ciência jurídica e o nosso direito administrativo tem assumido ao longo das décadas. O Estado serve-se das normas e do direito para fazer a interpretação e legitimação do seu imenso poder e para determinar categoricamente a nossa vida social, económica e cultural. E também, como se vê agora aqui nas afirmações dos intervenientes nesta discussão, a do desporto competitivo. Só que as normas jurídicas valem tanto quanto devem valer e não delimitam ou cerceiam as fronteiras do pensamento político das nações. Mas tradição política e ideológica portuguesa desde a monarquia constitucional, nestes cento e tal anos, é infelizmente intervencionista e estatizante. Por isso, é tão facilmente possível que o Estado e os seus aparelhos e intérpretes ocasionais se arroguem direitos supremos sobre as iniciativas autónomas e independentes da sociedade, como é o caso do desporto e das suas associações, que ficou recentemente bem patente no caso Queirós com a superioridade da entidade governamental ADOP relativamente ao órgão jurisdicional autónomo da FPF. Toda esta matriz dirigista ou intervencionista do Estado na sociedade civil portuguesa e no desporto consequentemente, escuda-se também bem certamente na enorme dependência financeira das instituições autónomas daquela sociedade civil, o que depois permite definir quadros de intervenção legal do Estado que extremam o seu intervencionismo ou dirigismo mesmo. E em nome e submissão deste enormíssimo paternalismo estatal cometem os “homens do Estado” as conhecidas e reconhecidas intromissões na própria organização/estruturas autónomas das instituições desportivas associativas como as federações, nomeadamente. A legislação dará obviamente a indispensável cobertura a essas intromissões, sendo alterada ou reinventada quantas vezes for necessário para que tal tutela magnânime se operacionalize.
José Pinto Correia
Atente-se nas sábias palavras de Aristóteles, na sua magistral “Política” de há muitos séculos em que ele se referia como se segue sobre as:
“Felicidade Privada e Felicidade Pública
Falta-nos explicar se a felicidade é idêntica para o Estado e para os indivíduos. Que felicidade se deve situar nas mesmas espécies de bens, é um ponto em que se está de acordo em todos os partidos. Aqueles que colocam a felicidade dos homens nas riquezas só consideram felizes os Estados ricos. Aqueles que colocam a felicidade no despotismo e na força fazem consistir a suprema felicidade do Estado na dominação sobre vários outros. Aqueles que não vêem felicidade para o homem senão na virtude só consideram feliz o Estado em que a virtude é honrada.
(…) Não há qualquer dúvida de que o melhor governo é aquele em que cada um melhor encontra aquilo de que necessita para viver feliz.
(…) É interessante lançar um olhar para todas as constituições das diversas regiões e verificar que, se as suas leis, na sua maioria bastante confusas, têm um fim particular, esse fim é sempre dominar” (fim de citação).
José Pinto Correia
Agradeço ao José Manuel Chabert o seu novo comentário mas discordo.No entanto estou disponível para corrigir o meu entendimento se me evidenciar duas ou três situações (ou as que quiser )para demonstrar que o regime tutela administrativa do Estado sobre as IPSS é bem maior que aquele que vigora sobre as federações desportivas. E pode deixar de fora as IPSS de génese religiosa.
Constate o que se passa com matérias como composição das assembleias-gerais eleitorais,organização, duração de mandatos e remunerações dos órgãos sociais, por exemplo.
E se pretender outros exemplos de menor regulação administrativa do Estado em entidades que têm competências públicas delegadas pode constatar o que se verifica com as ordens profissionais.
O que se passa é que a regulação das federações desportivas é bem maior que aquela que ocorre com “pessoas colectivas de utilidade pública administrativa"o que demonstra que a doutrina subjacente que invoca está bem desactualizada.
Uma vez mais. Grato.
Ao Fernando Tenreiro
Não penso que o caso "português" seja único no ordenamento juridico das organizações desportivas na Europa.Tem réplicas,do que conheço, muito próximas em França e em Espanha .
Ao José Correia
O seu prímeiro comentário é um excelente contributo à reflexão sobre o tema e ao grau de intervencão pública.
Obrigado a ambos
Caro Constantino
O objectivo do constitucionalismo foi sempre o de propor e preservar a liberdade política, orientada pela fórmula "democracia pelo direito", onde a democracia não se pode confundir com liberdade, pela simples razão de que ambos signos têm conteúdos específicos, embora aparentemente se nos afigure que o signo liberdade esteja contido no de democracia.
Não é o caso. O que se passa é que há um arreigamento à ideia de que o constitucionalismo se propõe democratizar as sociedades democráticas, que o mesmo é dizer, reforçar a influência dos cidadãos na gestão dos seus próprios recursos, em liberdade, o que nem sempre é possível. Como esclarece Montesquieu:
“A liberdade é o direito que se tem para fazer tudo quanto as leis permitem. Se um cidadão pudesse fazer o que as leis proíbem, deixaria de ser liberdade; porque os outros igualmente possuiriam esse poder.” (De l’esprit des lois, Paris: GF Flammarion, 1979).
Portanto o conceito de liberdade está associada ao conceito de “limites”. É uma liberdade condicionada que está na própria génese da Constituição, criada para cercear a soberania do monarca, primeiro, e regular a soberania popular, numa segunda fase.
Mas a Constituição é uma mão cheia de boas intenções, o que levou Arnaut a asseverar, em “Le Droit trahi par la Sociologie” (Paris: L.G.D.J., 1998), que “o Direito, do qual apreendemos que se compõe de um conjunto de regras confinado ao justo, e que, pela sua constância, permitiria a segurança e a saúde dos indivíduos, na realidade, nunca foi conseguido.”
Mas, como qualquer texto jurídico, é povoado de algumas interrogações, de que os próprios jurídicos dão conta quando são levados à sua interpretação pelas dúvidas que um ou outro articulado suscita; isto é dizer que as interrogações começam no Direito Constitucional, e não morrem nos normativos que, por norma - passe o pleonasmo - deveriam ser claros e precisos, sem omissões nem lacunas. Ou seja, o óbvio utópico do Direito, cabendo aos seus intérpretes a tarefa de encontrar a melhor solução para as divergentes soluções, já que a ciência do direito não é capaz de fornecer critérios seguros de decisão.
Isto para dizer que o descontentamento generalizado resulta de uma excessiva aproximação, ou ligação, do Direito Constitucional à Democracia, que resulta numa indevida e irreal sacralização do primeiro, como se puro e asséptico, precisamente porque a Democracia também não é pura e asséptica, nem os cidadãos, se me é permitida a redundância. E entramos num dédalo, sem saída. Estamos como o rato da fábula de Kafka, entre a armadilha e a boca do gato. Não há fuga possível. É o que diz o Anónimo das 12:34, quando interroga: “Só não conheço a alternativa que propõe. E até gostava de conhecer.”
Cordialmente
Escreve Luís Leite:
Curiosamente, o Despacho com que o Secretário de Estado suspendeu a UPD das Federações de Futebol e de Vela diz respeito apenas a alguns contratos programa, o que vai contra o estipulado nos Artigos 18-A e 18-B do referido Decreto, que prevê apenas o cancelamento ou suspensões na totalidade das actividades e não parcialmente.
Não é fácil discutir Direito com um arquitecto. Provavelmente, é tão difícil como discutir arquitectura com um jurista.
Bom, mas aqui vai:
- o actual regime jurídico das federações desportivas não é o Decreto-Lei nº 144/93, de 26 de Abril - com base no qual o Luís Leite fez os seus raciocínios e que expressamente cita - mas sim o Dec-Lei nº 248-B/2008, de 31 de Dezembro (que revogou aquele);
- este Dec-Lei nº 248-B/2008 não tem os artigos 18º-A e 18-B referidos pelo Luís Leite;
- os despachos do Secretário de Estado do Desporto devem ser analisados à luz deste Dec-Lei nº 248-B/2008 (o que está em vigor) e não de legislação há muito revogada;
- em conformidade, para o Luís Leite discutir (e eventualmente discordar) daqueles despachos do Secretário de Estado do Desporto tem que começar por ler a legislação ao abrigo da qual os msemos foram proferidos, e não invocar normas que já não estão em vigor.
Para concluir o que acima vai dito nem sequer seria preciso ser jurista. Bastaria ler os despachos do SEJD que suspenderam as upd's em causa e ir ver a legislação que lá está expressamente invocada.
Ora, como o Luís Leite discute a legalidade de tais despachos e invoca uma legislação errada, só posso concluir que nem sequer leu os despachos do SEJD.
Mas tomei boa nota que, ainda assim, discorda deles.
Bem haja, portanto.
a) José Manuel Chabert
Diz José Manuel Constantino
Agradeço ao José Manuel Chabert o seu novo comentário mas discordo.No entanto estou disponível para corrigir o meu entendimento se me evidenciar duas ou três situações (ou as que quiser )para demonstrar que o regime tutela administrativa do Estado sobre as IPSS é bem maior que aquele que vigora sobre as federações desportivas.
Vejamos então:
- o nº 1 do artº 33º do Estatuto das IPSS estabelece que "os orçamentos e contas das instituições são aprovados pelos corpos gerentes nos termos estatutários, MAS CARECEM DE VISTO DOS SERVIÇOS COMPETENTES";
- o nº 1 do artº 35º estabelece que "quando se verifique a prática reiterada pelos corpos gerentes de actos de gestão prejudiciais aos interesses das instituições, OS ÓRGÃOS DE TUTELA PODERÃO PEDIR JUDICIALMENTE A DESTITUIÇÃO DOS CORPOS GERENTES";
- o artº 37º estabelece que "quando em inquérito ou sindicância se comprove que o funcionamento dos estabelecimentos e serviços das instituições decorre de modo ilegal (...), PODE SER DETERMINADO O SEU ENCERRAMENTO";
- o nº 1 do artº 18º estabelece que "o exercício de qualquer cargo nos corpos gerentes das instituições É GRATUITO, mas pode justificar o pagamento de despesas dele derivadas".
Não acha, José Manuel Constantino, que tudo isto é "ligeiramente" mais musculado do que toda a legislação desportiva?!!!
Cordialmente.
a) José Manuel Chabert
Obrigado pea sua nota JM Chabert
Fora da lei e da praxis, quero significar:
O modelo legislativo, a conformidade com as leis da república, as outras leis elas estão todas cá.
A forma de as fazer e principalmente os resultados obtidos são distintos.
O direito e a economia têm em conjunto a análise económica do direito.
Para a economia as federações eram entes privados sem finalidade lucrativa, assim como, os clubes e associações e ligas que as integravam.
Actualmente existem as sad's e existem empresas com finalidade lucrativa integradas nas estruturas federadas.
O problema da propriedade/iniciativa individual/assumpção do risco/responsabilidade individual não é clara.
As federações estão privadas da sua responsabilidade e propriedade privada que foi apropriada pelo Estado português, creio que nas Leis de Bases e nos Regimes Jurídicos.
A ideia central que tenho é que as federações devem ser remuneradas pelo Estado e pelos patrocinadores privados para competirem e obterem resultados superiores para melhorarem o bem-estar da população e no interesse particular dos parceiros privados.
São as federações etc que sabem produzir um campeão.
O processo legislativo nacional retira-lhes essa responsabilidade.
Elas naturalmente acomodam-se. Todos fazem isso em qualquer parte do mundo.
É esse o significado da minha lei e a minha praxis.
Quando produzirmos mais e melhor desporto chegaremos à Europa.
Precisamos do direito diferente destes vinte anos.
Os vinte anos que passaram foram a oportunidade do direito do desporto para levarem Portugal à média europeia.
Espero que algum governo e governantes proximamente tenha horizontes mais largos do que a via por onde estamos a seguir com o nosso direito desportivo.
Os resultados deste direito do desporo está a remunerar pouco o poder político.
O políticos portugueses poderão ser mais ambiciosos produzindo mais desporto ao mexer no paradigma legislativo actual e na sua praxis política diversificando-a.
Agradeço ao Dr. Chabert o esclarecimento que me prestou sobre a legislação em vigor (Decreto-Lei 248-B/2008), peço desculpa pelo lapso, que efectivamente permite à Administração Pública Desportiva pura e simplesmente mandar nas Federações.
As Federações deixaram, assim, de ter qualquer autonomia ou independência. Passaram a ter poderes públicos para fazerem aquilo que o Estado gostaria de fazer mas não pode nem sabe.
O Estado, através do Governo em funções passou a considerar as Federações e os seus órgãos como instituições pouco credíveis e muito fiscalizáveis. De acordo com os interesses políticos do Governo.
Este Decreto-Lei nem na Ditadura seria aceitável! Foi aprovado na Assembleia da República? Num regime dito democrático?
Só em Portugal.
Assim, é perfeitamente compreensível a inexistência prática da Confederação do Desporto de Portugal, cujo Presidente se limita a organizar uma festa politicamente correcta e estar ao lado do Governo e do COP nas inaugurações.
De resto não serve para nada.
Carlos Cardoso, como te compreendo... Porreiro, pá.
Escreveu José Manuel Constantino
E se pretender outros exemplos de menor regulação administrativa do Estado em entidades que têm competências públicas delegadas pode constatar o que se verifica com as ordens profissionais.
Já demonstrei - penso eu de que... - que o "espartilho legal" das IPSS é bem mais pesado do que o das federações desportivas.
Vamos agora às ordens profissionais.
Quanto a estas, que me desculpe o JM Costantino, a comparação é ainda mais absurda.
Por três razões essenciais:
- ao contrário das IPSS e das federações desportivas (que são pessoas colectivas de direito privado, as ordens profissionais são "associações públicas", pessoas colectivas de direito público, e fazem parte da administração indirecta do Estado;
- por ser assim, não são criadas por iniciativa dos particulares, mas sim por iniciativa do Poder Político (através de lei ou decreto-lei), o qual estabelece quando, onde e de que forma é que se constituem este tipo de organizações;
- e não têm qualquer (quero dizer, a mais pequena) capacidade de auto-regulação: os seus estatutos (e respectivas modificações) são aprovados, caso a caso, por diploma legal (decreto-lei ou lei).
Veja-se, a este propósito, a Lei nº 6/2008, de 13 de Fevereiro (que aprovou o regime jurídico das associações públicas profissionais); O Dec-Lei 104/98, de 21 de Abril (que criou a Ordem dos Enfermeiros); o Dec-Lei 176/98, de 3 de Julho (que criou a Ordem dos Arquitectos); o Dec-Lei 119/92, de 30 de Junho (que criou a Ordem dos Engenheiros); o Dec-Lei 288/2001, de 10 de Novembro (que aprovou os estatutos da Ordem dos Farmacêuticos); o Dec-Lei nº 349/99, de 2 de Setembro (que criou a Associação Nacional dos Engenheiros Técnicos); ou a Lei 15/2005, de 26 de Janeiro (que aprovou os estatutos da Ordem dos Advogados). Entre outras.
a) José Manuel Chabert
Escreve Luís Leite
Este Decreto-Lei nem na Ditadura seria aceitável! Foi aprovado na Assembleia da República? Num regime dito democrático?
Só em Portugal.
Quer dizer: o Luís Leite, apanhado na "curva da estrada" a invocar diplomas que não estavam em vigor (e nos quais baseava a sua argumentação), confrontado com o facto de que os despachos do SEJD (que atacara) afinal eram (são) totalmente conformes à lei em vigor, resolve agora partir para outro tipo de argumentação. E, empurrando o problema "com a barriga" (perdõe-se-me a coloquialidade da expressão) vem afirmar que este diploma (Dec-Lei nº 248-B/2008) "nem na Ditadura"!!!
Só que, estamos - penso eu de que... - em democracia. Há um Parlamento a funcionar. E nenhum Partido da oposição - repito, nenhum - jamais tomou qualquer iniciativa para chamar o diploma a ratificação parlamentar!!!
Ou seja: nenhum Partido discordou do Governo e das suas soluções.
O que não impede, evidentemente, Luís Leite de entender que vivemos em pleno fascismo...
Este é, aliás, um dos direitos de Luís Leite, constitucionalmente consagrados: o direito à asneira.
a) José Manuel Chabert
Agradeço um vez mais a tréplica do José Manuel Chabert. Concordaria consigo face aos exemplos que indica se sobre eles dissesse tudo.O diploma sobre as IPSS não é um primor jurídico,permita-se a um não jurista afirmá-lo, tantas são as repetições de normas que já estâo, de um modo ou outro, no Código Civil.Mas vejamos:
As IPSS estabelecem livremente a sua organização, cf.nº2 do art.3ºdo decreto-lei, nº119/83º o que não acontece com as federações desportivas que estão obrigadas a um espartilho legal bem mais pesado;
O regime remuneratório previsto para as IPSS não é apenas o que indica. Refere o nº 1do art.18 mas esquece-se de referir o nº 2, a saber: “quando o volume do movimento financeiro ou a complexidade da administração das instituições exijam a presença prolongada de um ou mais membros dos corpos gerentes, podem estes ser remunerados, desde que os estatutos o permitam”.Não encontra no diploma qualquer limite a e essa remuneração como ocorre com as federações desportivas.
Refere o artº 35 que estabelece que “quando se verifique a prática reiterada pelos corpos gerentes de actos de gestão prejudiciais aos interesses das instituições, OS ÓRGÃOS DE TUTELA PODERÃO PEDIR JUDICIALMENTE A DESTITUIÇÃO DOS CORPOS GERENTES".Mas quem destitui não é a “tutela” é uma instância judicial. O que é perfeitamente natural. Numa federação desportiva um decisão administrativa e outra politica são suficientes para a retirada da UPD. Dir-me-á que é diferente.Formalmente.Sobre isso poderíamos discorrer sobre decisões dos tribunais sobre essa matéria(UPD)
O nº 1 do artº 33º do Estatuto das IPSS estabelece que "os orçamentos e contas das instituições são aprovados pelos corpos gerentes nos termos estatutários, MAS CARECEM DE VISTO DOS SERVIÇOS COMPETENTES";É verdade ,e bem menos que a carga administrativa e burocrática que as federações têm de suportar para prestar contas e bem assim para receberem dotações financeiras públicas.
E quanto aos mandatos, Jose Manuel Chabert ,consulte o nº 4do art.57.Lá estão os dois mandatos salvo se assembleia geral reconhecer expressamente que é impossível ou inconveniente proceder à sua substituição.
Não acha, José Manuel Chabert , que tudo isto é "ligeiramente" menos musculado do que toda a legislação desportiva?!
E aproveitando o balanço: sabe perfeitamente que o conceito de "entidades privadas que exercem poderes públicos", tem o amparo constitucional que tem no nº 6 do artigo 267º da Constituição precisamente porque à data ,Vital Moreira, então presidente da comissão de revisão chamou a atenção que para fazerem o controle que faziam sobre as federações desportivas era necessário resguardo constitucional coisa que até então se não verificava. É um disposição que pode ter várias aplicações mas tem claramente um destinatário: as federações desportivas.Uma nota final:a discussão jurídica não me motiva nem para ela estou preparado. Interessa-me a razão politica.Como jugo que sabe porque suponho que tem amabilidade de ler o que por aqui vou escrevendo no desporto português há direito a mais e politica a menos.E é politicamente que procuro uma resposta à quetão de saber se o modelo imposto às federações desportivas é aquele que melhor serve o desporto português,que lhes dá maior capacidade de exercicio das suas competências e da respectiva missão.Mas compreendo que essa seja uma resposta só ao alcance de quem politicamente deu orientações para que o ordenamneto juridico fosse o que é.
Um vez mais grato.
Ao José Manuel Constantino
1ª Nota: acho que fez uma boa tentativa de defender a sua dama (quanto às IPSS), em vez de "fugir" à questão. Agradeço-lhe o esforço.
2ª Nota: pessoalmente "trocava" quase toda a legislação desportiva pela possibilidade de "visar" (e consequentemente, "não visar"...) os orçamentos e contas das federações desportivas. Há muitas maneiras de caçar ratos; e esta é uma das mais eficazes.
3ª Nota: no plano político, a "armadura jurídica" construída para as IPSS é muito diferente da concebida para as Federações Desportivas. Essa diferença, na minha maneira de ver, assenta na circunstância de que as IPSS são organizações de "prestação de serviços", ao passo que as Federações Desportivas são "organizações de poder". E assim não faz sentido, por exemplo, preocuparmo-nos, nas IPSS, com a composição da assembleia geral, ao passo que, nas Federações Desportivas, essa é uma das questões fulcrais para o regular e transparente funcionamento destas organizações.
a) José Manuel Chabert
Caro Arquitecto Luís Leite:
Desta polémica retiro a única conclusão a tirar - afinal o Nuno Laurentino não é a única coisa que se aproveita na Secretaria de Estado da Juventude e do Desporto.
O Dr. Chabert que me desculpe (mais uma vez).
O direito à asneira não está consagrado na Constituição como tal.
O direito à opinião livre sim. Que pode ser asneira ou não.
Ao contrário do Dr. Chabert não passo os dias a olhar para Decretos-Lei nem a decorar os seus números.
O Decreto-Lei 248-B/2008 foi aprovado, não tenho a menor dúvida, de olhos fechados, pela Assembleia da República.
Onde de Desporto pouco ou nada se entende.
O que é interessante é comparar a anterior legislação com este Decreto-Lei do PS. E ver as diferenças.
Obviamente, mantenho todas as críticas que fiz. Este Governo quiz passar a mandar nas Federações Desportivas e pode!
O José Manuel Chabert não precisa de me agradecer o esforço em lhe responder. Faço-o por consideração a si, que se me dirige assinando por baixo o que não é irrelevante,(note a quantidade de anónimos que por vezes frequentam este local) mas também porque sei que o exercício de liberdade que pratica comporta riscos(tenho sempre presente o que ouvi o Dr.Laurentino Dias dizer de dois blogues um sobre ecomomia e outro sobre direito e da responsabilidade de dois técnicos do IDP).
Vamos por isso aos factos com um questão introdutória.
Trabalhei cerca de três anos numa IPSS.E em período equivalente numa federação desportiva. Não tem comparação o regime de prestação de contas . Na IPSS o orçamento era enviado e ponto final. Nem visto , nem com visto .Era recepcionado. Ignoro se sempre assim se passou ou se ainda se passa. E embora o regime das federações desportivas fosse outro (final dos anos 90) era já bem pesado. Reconheço que estamos perante entidades distintas mas o ponto central não é esse mas o de ter afirmado que o controle do Estado sobre as IPSS era bem mais musculado que aquele que se aplica às federações.
O problema a meu ver não é de âmbito cinegético: caçar ratos (o conceito é de resto bem musculado!) As engenharias financeiras e outras tropelias que as federações praticam são iguais às que se praticam no Estado ,nos institutos públicos e se quiser nos gabinetes governamentais. E o José Manuel Chabert pelos anos que leva de administração pública conhece o assunto bem melhor que eu. Não vamos mais longe: atente ao uso dos fundos permanentes dos gabinetes. E aos complementos remuneratórios pagos sobre a forma de horas extraordinárias. Ou as idas ao estrangeiro ao futebol pago com dinheiros públicos. O Estado não tem sobre esta matéria qualquer moral superior sobre o que se passa nos organismos desportivos.
Tem razão: “O problema das relações de poder nas federações desportivas é a questão a "armadura jurídica" construída para as IPSS é muito diferente da concebida para as Federações Desportivas. Essa diferença, na minha maneira de ver, assenta na circunstância de que as IPSS são organizações de "prestação de serviços", ao passo que as Federações Desportivas são "organizações de poder".E qual é o problema? Respondo:o problema é o futebol. Porque é ai que as alterações propostas podem alterar as relações existente.Nas restantes modalidades é indiferente. Ou as mudanças nas relações de poder são imperceptíveis. As relações de poder no futebol são a questão central. Não são a questão única, eu sei, mas o resto apanhou por tabela.
Só que o poder tem de se compaginar com a liberdade e para um republicano, como penso que é, o valor da liberdade associativa é bem maior que o da sua limitação. Sei que estou pouco acompanhado neste entendimento e respeito quem entende que o Estado se deve meter no assunto. Aqui ainda não abandonei o paradigma marxista de que o Estado é, ele mesmo, não um arbitro de vários poderes ou u poder superior mas um poder resultante de relações de força (poder) que num determinado contexto tornam dominante uma orientação. Porque razão de deve aceitar como mais válido o poder do Estado que o poder dos indivíduos?
Sobre as ordens profissioanis diz José manuel Chabert:
"Quanto a estas, que me desculpe o JM Constantino, a comparação é ainda mais absurda”.
Vejamos:
O regime geral de que fala, mesmo determinado pelo Estado é, ainda assim, porventura menos interventivo do que o sucede com as federações desportivas.A referência às ordens profissionais, entidades públicas, serve para demonstrar exactamente o quanto longe se foi na estruturação de entes privados como são as federações desportivas. Se para os entes públicos, o quadro é um, porque razão para entidades privadas, ainda que dotadas de poderes de natureza pública, o quadro é, em certo sentido, mais pesado e gravoso?
Ao José Manuel Constantino
Aqui chegados, estamos no cerne das opções políticas.
E principio por uma consideração prévia: sustentar que, no desporto, há Direito a mais e Política a menos, pode constituir um "soundbyte" inteligentemente contruído, mas não deixa de ser também uma afirmação que repousa num radical artificialismo.
Direito e Política não são conceitos antinómicos: o Direito é a concretização prática das opções políticas; a Política, para existir, não pode prescindir do Direito.
Deixemos, por ora, estas considerações mais ou menos filosóficas e vamos directamente aos factos.
O debate que, de forma larvar e, por vezes, de forma mais assumida, se assiste em Portugal, é sobre o "modelo de sistema desportivo" (grosso modo).
E, periodicamente, questiona-se a legislação desportiva, por se entender que ela seria excessiva. Quem o faz, propugna, com maior ou menor elegância e clareza de argumentos, uma "desregulação" do desporto ou, em ao menos, uma "regulação mínima" (aferida pelos parâmetros do Código Civil para o comum das associações privadas).
Sustentar isto, porém, é fazer tábua rasa da circunstância de que as associações privadas (do Código Civil) apenas funcionam tendo por escopo os interesses dos seus próprios associados e, por via disso, não prosseguem fins de interesse geral.
Muito diversa é a situação das organizações desportivas (federações desportivas), que assentam em verdadeiros "monopólios de facto", não juridicamente regulados, derivados da sua filiação nas correspondentes organizações internacionais; organizam espectáculos desportivos, por vezes com entradas pagas de milhares de espectadores, sem garantias de efectiva lisura na obtenção dos resultados desportivos; têm uma postura compreensiva e tolerante para com práticas que atentam contra a saúde pública (doping e outras); não promovem a formação de praticantes nacionais; não procuram garantir a formação de quem enquadra tecnicamente os praticantes; toleram (ou estimulam) atentados à ordem pública, não sancionando devidamente os apelos clubísticos à violência; são coniventes com práticas de lavagem de dinheiro e branqueamento de capitais; estão minadas por fenómenos de nepotismo e compadrio; etc...etc...
Em suma: no desporto existem um conjunto de áreas onde se jogam interesses públicos muito sensíveis.
Defender a desregulação ou a regulação mínima é pois - e não pode deixar de o ser - indirectamente, ser também conivente com as perversões de funcionamento destas organizações.
Do que acima vai dito não se deve concluir que defendamos a atribuição de mais poderes para a Administração Pública Desportiva. O Direito é suficientemente rico e criativo para propor soluções que não passem pelo aumento de poderes da máquina administrativa do Estado...
a) José Manuel Chabert
Para o José Manuel Constantino
No plano estritamente técnico, garanto-lhe, posso substituir toda a legislação desportiva por outra que assente:
- ou na possibilidade de visar os orçamentos e contas das federações, combinada com a possibilidade de mandar encerrar os respectivos estabelecimentos (como nas IPSS);
- ou na possibilidade de autorizar, caso a caso, a criação de federações desportivas e de aprovar os respectvos estatutos (como no caso das Ordens Profissionais).
Teria a vantagem de ficar bem mais curta!
Mas então é que gostaria de saber se as federações desportivas achariam que o Estado estava a ser "menos interventivo", como sustenta o José Manuel Constantino...
Bem interessante (e estimulante…) o último comenraio que assina.Tem razão não pode haver politica sem direito. Mas é uma parte subordinada. É a política que determina o direito mas o direito não pode determinar a política. A questão é não deixar o direito ser senhor da política mas seu servo.
Sobre as organizações desportivas elenca um conjunto da patologias umas de âmbito desportivo outras de natureza extra-desportiva que ,no seu entender recomendam uma crescida intervenção do Estado sob pena de se assim não suceder podermos ser “coniventes com as perversões de funcionamento destas organizações”
Sobre as segundas deixe que o direito já existente trate delas.Espectáculos desportivos com entradas pagas de milhares dê espectadores sem garantias de lisura na obtenção de resultados desportivos, atentados à ordem pública, não sancionando devidamente os apelos clubísticos à violência; conivência com práticas de lavagem de dinheiro e branqueamento de capitais; fenómenos de nepotismo e compadrio são ocorrências para as quais o universo legislativo, fiscalizador e sancionatório bastam .Se são eficientes ou não é outra coisa.Não são comportamentos exclusivamente desportivos mas que ocorrem também em contextos desportivos.Deixe que esse tipo de fenómenos sejam tratados por quem tem eesa incumbência no palno legislativo,fiscalizador e sancionatório.
As matérias estritamente desportivas com certeza que devem ser reguladas embora a colocação de tópico da saúde que indica seja uma concessão á vulgaridade da opinião corrente porque é obvio que o desporto não se construiu para garantir a saúde e em certas expressões é mesmo um atentado à saúde dos praticantes Mas percebo o alcance do pretendido e não é este o lugar próprio para polemizar sobre um dos mitos da modernidade desportiva.
E claro subscrevo afirmação de que “no desporto existem um conjunto de áreas onde se jogam interesses públicos muito sensíveis e que importa defender.
Ou seja aparentemente o que nos separa,neste último comentário,não é o diagnóstico é a terapêutica.
Grato.
E que tal uma legislação que obrigue o IDP a avaliar as Federações em função do financiamento e objectivos, sejam eles desportivos ou outros.
Uma PRACE no IDP e colocar a maioria dos funcionários espalhados por essas delegações a trabalhar.
Podiam fazer .... mas não era a mesma coisa.
Menos teoria e mais prática precisasse.
Eu, se fosse Federação Desportiva, com este quadro legislativo de ingerência descarada do Poder político governamental nas Federações, limitava-me a entregar a chave da porta ao Prof. Sardinha e que fossem para lá ele e os seus técnicos pôr as modalidades a funcionar como deve ser...
Felizmente não estou interessado em ir para lá.
Mas há quem esteja disposto a continuar até à eternidade...
No fundo acaba por haver um conluio entre o poder político intervencionista e os presidentes dinossaurios subservientes e dependentes que não sabem nem querem fazer mais nada.
Vamos ver os resultados de Londres 2012!...
Aí se vai ver o brilhantismo desta política desportiva!
Pessoalmente, tenho muita dificuldade (passe o eufemismo...) em passar da discussão teórica das questões para um debate "fulanizado", seja em torno dos funcionários do IDP, do Prof. Sardinha ou dos "dinossáurios" federativos resistentes às mudanças...
Por isso, e como diria o Perry Mason, "the defense, rests!"
a) José Manuel Chabert
PS: por lapso, esqueci-me de subscrever o comentário das 16:28, que é obviamente meu.
Caro João Boaventura
Citas Montesquieu. Recorro também a ele.:”as leis inúteis enfraquecem as leis necessárias.O frenesim normativo não dá bons resultados Escrevi um dia: a ideia de que a modernização e o desenvolvimento do sistema desportivo é um acto que, antes de tudo, pede uma modernização normativa é muito comum. Todos quantos têm vocação governativa ou parlamentar o defendem. É o mais fácil, mesmo que depois o que se legisla se não aplique. E, por isso, governos atrás de governos, gastam tempo e energias a produzir legislação, parte significativa da qual, nunca chega a ter qualquer efeito prático porque dependente de posterior regulamentação, o que num número significativo de casos não ocorre”.
Tens razão: a ciência do direito não é capaz de fornecer critérios seguros de decisão. Uma qualquer norma tem o espírito de quem a elaborou, o entendimento de quem aprovou ,a interpretação de quem a aplica e o juízo de quem a fiscaliza .Não são necessariamente coincidentes .E a sacralização da norma é uma concessão da politica.
Para o José Manuel Constantino
Para aligeirar um pouco esta nossa excursão sobre os mistérios da política desportiva
Atrás, dei conta de uma antiga e recorrente tentação de vir a escrever algo que se poderia intitular como "Prolegómenos a um Breviário sobre a Política do Desporto em Portugal, post-25 de Abril".
E, para não ferir susceptibilidades, recuemos um pouco, aos idos de 1973.
Em 3 de Março de 1973 foi publicada uma lei orgânica da Direcção-Geral dos Desportos - Dec-Lei 82/73 -, na qual se podia ler o seguinte:
Artigo 4º
1. No âmbito do desporto federado, compete à Direcção-Geral da Educação Física e Desportos:
a) Orientar e regulamentar, directamente ou através dos organismos da hierarquia desportiva, as actividades do sector;
b) Escolher ou homologar a escolha das pessoas que em relação às representações desportivas nacionais hajam de desempenhar funções técnicas ou de direcção;
c) Conhecer directamente ou em recurso das questões que se suscitem no âmbito das actividades gimnodesportivas, quando não existam órgãos da hierarquia desportiva competentes ou, existindo, não estejam em condições de funcionar;
d) Exercer acção disciplinar sobre os organismos desportivos e, bem assim, sobre os dirigentes, técnicos, praticantes e entidades que nas competições exerçam funções de decisão, consulta ou fiscalização;
e) Avocar a apreciação e decisão dos assuntos relativos à actividade gimnodesportiva quando o justifique o interesse do desporto nacional.
2. Mediante autorização ministerial, a competência referida na alínea d) do número anterior poderá ser delegada nos organismos desportivos.
a) José Manuel Chabert (continua)
CONCLUSÃO
Entretanto, em 1974, ocorre o 25 de Abril e, em 1976 é aprovada uma nova Constituição que consagra o princípio da liberdade de associação.
Em 31 de Dezembro de 1977 foi então publicada uma nova lei orgânica da Direcção-Geral dos Desportos - Dec-Lei nº 553/77 - onde se procuraram fazer reflectir os novos princípios constitucionais.
O que foi feito da seguinte forma:
Artigo 32º
São revogados o Decreto n.º 82/73, de 3 de Março, com excepção do respectivo artigo 4.º(...).
O pior foi que esta ressalva do artigo 4º foi muito mal acolhida pela Oposição, especialmente pelo PCP que, indignado, chamou o diploma a ratificação parlamentar.
Efectuada a respectiva discussão, aquele Decreto-Lei veio a ser ratificado, mas com profundíssimas alterações, pela Lei nº 63/78, de 29 de Setembro.
Na parte que nos interessa (o destino que foi dado aquela manutenção em vigor do artigo 4º), foi aprovado o seguinte:
Artigo 33º
1 - No prazo de noventa dias o Governo promoverá a apresentação à Assembleia da República de uma proposta de lei que redefina o regime jurídico das relações entre o Estado e os organismos não governamentais de carácter desportivo adequado ao disposto na Constituição da República.
2 - Transitoriamente, até à entrada em vigor de nova legislação sobre o previsto no n.º 1, a Direcção-Geral dos Desportos exercerá, em relação às associações de clubes e em relação às federações, as competências previstas na legislação respectiva em tudo o que não contrarie a Constituição e a lei.
Artigo 34º
São revogados o Decreto n.º 82/73, de 3 de Março, com excepção do respectivo artigo 4.º, que se manterá em vigor até à publicação da lei prevista no artigo 33.º do presente decreto-lei (...)
Ou seja:
- manteve-se em vigor o odiado artigo 4º;
- mas incumbiu-se o Governo de apresentar ao Parlamento uma lei que redefinisse as relações entre o Estado e o Associativismo;
- até lá, só se poderia aplicar o artigo 4º "em tudo o que não contrariasse a Constituição"!!!!
O problema é que todas e cada uma das alíneas do artigo 4º contrariavam a Constituição; e aquele prazo de 90 dias veio a ser ligeiramente excedido - só em Janeiro de 1990 (!) é que veio a ser aprovada a tal lei (Lei nº 1/90, de 13 de Janeiro).
Olhando retrospectivamente para o que foi o comportamento do Governo e o da Oposição em toda esta questão relativa ao artigo 4º do Dec-Lei nº 82/73, o mínimo que se poderá dizer é que "tão boa era a gaita, como o tambor"!!!........
a) José Manuel Chabert
Caro Dr. Chabert,
Com o devido respeito, compreendo que, estando do lado de dentro, não lhe interesse fulanizar. Mas eu estou do lado de fora e apetece-me fulanizar.
Não me chega o debate teórico. Interessa-me (estive lá dentro) a realidade e o pragmatismo cru do dia-a-dia.
Apesar de tudo o que se tem visto por aí, ainda existe alguma liberdade de expressão nesta partidocracia. Mesmo que às vezes saiam asneiras, minhas (assumidas) ou suas quando afirma que eu entendo que vivemos em pleno fascismo. Será que confunde tendências ditatoriais e de silenciamento político de pessoas incómodas com fascismo?
O que nos divide é que você acha que o Estado deve intervir nas Federações e em tudo o que mexa sempre que interesse ao poder político e eu acho que não. E convido as Federações à revolução, entregando as chaves das respectivas portas ao Prof. Sardinha, com o Carlos Cardoso a assistir, placidamente, ao acto.
Quanto a preferências televisivas prefiria o "Boston Legal", mas já acabou.
Apetece-me lembrar o Alan Shore, com o Denny Crane ao lado: "Enough is enough!".
Cumprimentos cordiais.
Escreve Luís Leite
O que nos divide é que você acha que o Estado deve intervir nas Federações e em tudo o que mexa sempre que interesse ao poder político e eu acho que não.
Já atrás tive oportundade de demonstrar que, pelo menos naquele caso concreto, V. criticava asperamente decisões governamentais - que não lera.
E agora vem-me imputar dizeres e propósitos que não tive - para melhor os rejeitar, de forma não menos assertiva.
O que nos divide é, portanto e tão só, uma diferente concepção da utilidade ou indispensabilidade de ler previamente, com atenção, aquilo que "o outro" sustenta.
Cervantes, num livro "que me não atrevo a nomear", já explicou, há muito, o mecanismo mental em que assentam estas inolvidáveis "batalhas".
Está V. no seu direito, claro. Mas não conte comigo para tal peditório.
Cordialmente
a) José Manuel Chabert
Para o José Manuel Constantino
A pequena história do artigo 4º do Dec-Lei nº 82/73, que atrás contei, está na origem directa da postura que o Estado adoptou entre 1977 e 1990 quanto ao relacionamento com o Associativismo: se o Parlamento só aceitava que se aplicasse o artº 4º "em tudo o que não contrariasse a Constituição", se qualquer aplicação do artº 4º contrariava a Constituição, então o melhor seria nada fazer e deixar o Movimento Desportivo andar em "roda livre".
Isto criou, entre 1977 e 1990, entre as federações desportivas a (errada) convicção de que não estavam, nem poderiam vir a estar, sujeitas a qualquer tipo de tutela e que todas as tutelas seriam "anti-constitucionais" (no gracioso jargão de alguns pensadores federativos e de alguns funcionários capitulacionistas).
Entretanto chegou a Lei nº1/90, de 13 de Janeiro - Lei de Bases do Sistema Desportivo - e a sua horribilis inovação: o estatuto de utilidade pública desportiva.
Na altura, tal inovação provocou muita emoção e debates apaixonados: afinal, era técnicamente possível conciliar a liberdade de associação (do artº 46º da CRP) e a tutela administrativa (sucedânea do esquecido artigo 4º).
E como o Movimento Associativo nada aprende, nem nada esquece, de tudo o que se passou guardou a nostalgia de um tempo em que o Estado se auto-paralisara (1977-1990) por contraponto a um tempo em que os Poderes Públicos, finalmente, assentaram num modelo de relacionamento entre o Estado e as Federações desportivas, agora assente na upd (post-1990).
O que temos vindo a assitir, em Portugal, no debate sobre o Modelo de Desenvolvimento Desportivo, é ao periódico ressurgimento de apelos para o regresso ao passado. Por alguma razão, neste País, fez tanto sucesso a canção do António Mourão "Ó tempo! Volta para trás!"...
Obrigado.
Suponho estar a agradecer ao José Manuel Chabert.
E se assim é a quem se refere quando afirma que "o que temos vindo a assitir, em Portugal, no debate sobre o Modelo de Desenvolvimento Desportivo, é ao periódico ressurgimento de apelos para o regresso ao passado." Francamente não me tenho apercebido que haja um debate sobre o modelo de desenvolvimento desportivo e que nele caiba a questão do relacionamento do Estado com as federações desportivas.Que debate é esse e quem são as pessoas que defendem esse "regresso ao passado".Apesar de tudo ,se bem entendo,um passado democrático.
Grato.
Escreve J.M. Chabert:
"Já atrás tive oportunidade de demonstrar que, pelo menos naquele caso concreto, V. criticava asperamente decisões governamentais que não lera".
A verdade é que eu tinha lido os Despachos que suspendiam a utilidade pública desportiva. O meu lapso foi, ter ido à procura do Decreto-Lei através do motor de busca Google e, como não memorizo os números dos Decretos-Lei, ter consultado e feito referências ao antigo e não ao novo.
Por isso pedi desculpa.
A questão aqui é política e o J.M. Constantino já o demonstrou.
Portanto, não vale a pena vir com subterfúgios ou demonstrações de que a legislação anterior, pré e pós-democrática já previa as ingerências do Estado na autonomia das Federações Desportivas.
O princípio em si está errado e é provavelmente inconstitucional, pelo menos em parte, com excepção do não cumprimento daquilo que é imposto (não acordado, dada a dependência financeira) nos contratos-programa de financiamento das Federações.
A Lei existe mas não presta, embora tenha sido aprovada e promulgada, o que lhe dá uma legitimidade formal, embora não moral.
Por isso, convidei as Federações a entregarem a chave e acho que o deviam fazer, em bloco.
Quanto ao Cervantes, se é ao D. Quixote que se refere e às investidas inglórias contra os moinhos, acho a alusão imprópria, inadequada e excessivamente "assertiva", para não dizer mais.
Podemos não concordar uns com os outros mas temos que nos respeitar, independentemente das críticas que possamos fazer e das divergências que possamos ter.
Cordialmente
No Colectividade Desportiva, sem desprimor, o único que se aproveita é o Dr José Manuel Chabert
...e respectivos heterónimos.
Caro Anónimo,
de 17 de Setembro de 2010 17:07
Independentemente da valoração comparativa que faz e não discuto, ela recordou-me a popular quadra com que os soldados, no final final da recruta, resolveram brindar-me:
Neste maldito quartel
Calçado de pedra dura
O melhor que conheço
É o alferes Boaventura.
Cordialmente
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