As quatro imagens remetem para ideários distintos e épocas diferentes. Transporte pessoal, lazer e aventura, corridas de competição e, claro, os media que propagam e também produzem estas dimensões de produção de significado da bicicleta.
Quem não tem uma história sobre a bicicleta? Mesmo que a história seja nunca ter consigo aprender a andar não deixa, por isso mesmo, de ser uma singularidade biográfica. Largar as rodinhas ou a mão que nos ampara o selim é um acto que tem tanto de libertação como de fé. Este afastar do controlo familiar é a antevisão de outros momentos de independência pessoal na qual, perante a incerteza no domínio do caos, a dúvida é o grande desafio no salto para o desconhecido e, anos mais tarde, não só rimos daquilo que para nós foi um grande feito como ainda comparamos a bicicleta à própria vida e citamos Einstein “para mantermos o equilíbrio temos de continuar em movimento!”.
A bicicleta começa também por ser um objecto de recreação quando inventada há pouco mais de cem anos para, já no fim do séc. XIX, ser considerada uma alegoria aos valores do progresso acoplados ao desenvolvimento da ciência. Comparada com o cavalo, a bicicleta realiza a súmula de valores sociais como a ordem e a limpeza, de virtudes de carácter como a elegância, o silêncio, a subtileza e a diligência e, ainda, de qualidades do corpo como a força, a ligeireza e os músculos de aço. O selim sintetiza também toda a relação de partilha de vocabulário, vestuário, regras e regulamentos desportivos entre o hipismo e o ciclismo.
A bicicleta vai para além do utilitário, fertiliza imaginários de aventura e preenche a visão personalizada e emocional romantica de frequentação da paisagem pelos passeios de cicloturismo. Nos hipódromos é uma inovação e serve a distinção de classe, no velódromo com guiador rebaixado que curva o corpo para ganhar mais velocidade é dada a quem tem mais força. Esta postura, contrária ao porte aristocrático de cabeça erguida promovida pelo hipismo, é associada ao trabalho da forja, ao trabalho do operário na fábrica. A bicicleta populariza-se e o espectáculo da corrida também, o hipódromo e o hipismo reforçam a distinção social e a bicicleta, neste contexto de afirmação bacoca, é considerada o "cavalo dos pobres".
É o grande Tour de bicicleta que, em 1903, mostra como uma corrida de bicicletas na relação com o território apresenta versões nacionalizadas da cultura de um povo e, ao mesmo tempo, divulga novos modos de acelerar a mobilidade e de contactar com o outro que lhe era distante. É também este Tour que hoje celebra a abertura das fronteiras e festeja o poder da topografia da centralidade geográfica da França. E, qualquer que seja a escala de visibilidade mediática da corrida de bicicletas, o pódio é sempre a síntese de hierarquias sociais de poder político, económico e, também, desportivo.
É no pódio que a história da bicicleta dá sinais da sua vitalidade revelando, primeiro, o sucesso da produção artesanal a patrocinar a grande corrida e, depois no período de entre-guerras, automatiza-se para responder à produção de grande escala inspirando-se no fordismo e na “gestão científica” de recursos taylorista; até meados da década de 60 o uso da bicicleta floresce, especialmente ao nível utilitário da mobilidade pessoal. E, em menos de duas décadas, o automóvel sucede a bicicleta ainda com mais sucesso que a mota Famel.
A década de 80 convive com o aumento exponencial do automóvel enquanto assiste à emergência do ambientalismo e à produção marginal do imaginário de aventura com a invenção de um modelo robusto de bicicleta que se adapte ao re-encontro com a natureza. É na montanha a bicicleta se "salva" e, literalmente, se afasta do significado utilitário no uso da mobilidade urbana. Depois de um século de existência a bicicleta cumpriu um ciclo, oriunda do lazer aristocrático está agora no lazer de massas lutando para ocupar o lugar que já teve na mobilidade pessoal. É também na margem que a inovação acontece e se produzem modelos versáteis como a bicicleta Brompton (nas imagens cimeiras) que desdobra o campo da adaptabilidade da bicicleta e de produção de novas culturas de entendimento dos usos da bicicleta.
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