terça-feira, 5 de junho de 2012

Na espuma destes tempos


É louvável a atitude de um clube que recupera e integra um cidadão com limitações funcionais. E o faz ao mais elevado patamar de competição desportiva entregando-lhe tarefas que estão ao nível das suas possibilidades. E é compreensível que a pessoa em causa viva com entusiamo essa tarefa. E que exteriorize esse entusiasmo. É o caso do cidadão Paulo Gama, vulgarmente conhecido por Paulinho, roupeiro da equipa de futebol do Sporting. Que, a partir de agora, tem um livro que lhe é dedicado.
Confesso que não sei se o seu trajeto de vida justifica um livro. Admito que sim. Quem o escreveu e quem o compra o saberão. Mas o que me chamou a atenção foram as suas declarações em relação a um seu ex-superior, concretamente o anterior treinador da equipa de futebol. E se as constantes manifestações de alegria do roupeiro e do carinho com que trata os jogadores, envolvendo-os em abraços e beijos, o compreendia à luz do sentimento que nutre pelo clube, zurzir sobre um ex-treinador e criticar as suas opções parece-me que ultrapassa as marcas. E como a opinião expressa já mereceu comentários de outras personalidades, não sobre a oportunidade do que disse mas sobre o que disse, o assunto justifica que se perca algum tempo de reflexão.
Que o roupeiro entre nas brincadeiras que antecedem os treinos, não é normal, mas pode ser acomodado a um entendimento generoso das particularidades e especificidades da pessoa. Que mereça um carinho especial de todos é meritório. Que aborde as qualidades dos treinadores é um abuso. E que aprecie o modo como por eles era tratado um assunto de foro privado do clube. E não são as suas limitações funcionais ou qualquer outra singularidade que o devem excluir de regras para com a entidade que serve.
O clube tem apoiado a pessoa. Prova disso é o facto de o ter escolhido para aquelas funções junto da equipa de futebol. Se no Sporting houve quem o ajudou importa agora que igualmente o prepare para outras exigências que, de repente, o seu estatuto parece exigir. Alguém vai ter de lhe explicar que as funções que exerce no clube o não habilitam, nessa qualidade, a emitir juízos de apreciação como aqueles que proferiu. E se como cidadão, e sportinguista é livre de emitir os juízos que entenda, deve sopesar as funções profissionais que exerce e avaliar que nem tudo o que se pensa sobre a vida do clube e os que o serviram pode ser emitido para a opinião pública. Porque não é facto de ser alguém especial que legitima que possa publicamente expressar o que lhe vai na alma sobre aqueles que, como ele, servem ou serviram o clube. Se existem críticas a fazer elas devem ser feitas em foro próprio, que são as instâncias internas do clube.
Preparar as pessoas para o exercício de tarefas como as de comunicar são hoje um problema que não pode deixar de preocupar todos quantos dirigem o desporto. E isto é tão válido paa este caso como para o do capitão da seleção nacional de futebol. Só essa preparação pode evitar que casos como o que ontem ocorreu, de Cristiano Ronaldo a tratar o Presidente da República por “você”, sejam evitáveis. Ate porque o talento desportivo não é incompatível com regras e boas maneiras!



13 comentários:

Luís Leite disse...

Quanto ao Cristiano Ronaldo, julgo que a responsabilidade pelo "você" é de quem o designou capitão e lhe deu a palavra numa cerimónia oficial.
Este jogador milionário não exibe características adequadas à função de capitão de uma Seleção Nacional.
Um capitão deve ser um exemplo para os demais.
Lembro-me de Mário Coluna, nos anos 60.
Mesmo Luís Figo nos anos 90.
Devemos porém reconhecer que é muito difícil escolher alguém naquele lote de jogadores com perfil para ser capitão ou líder seja do que for...

domingos estanislau disse...

Meu caro José Manuel Constantino, reparei de imediato nessa enorme gafe do capitão da selecção nacional. O facto de ser ele a exprimir o sentimento da equipa até admito como lógico, mas alguém devia-o ter preparado para a questão ética que é estar perante o Presidente da Republica. Creio que o Ronaldo acaba por ser o menos culpado.
Quanto ao seu post ele é de um ensinamento especial, tanto na questão do Paulinho como no você do Ronaldo. Estas questões deviam ser analisadas por jornalistas desportivos que para além dos comentários desportivos têm uma outra função que é a acção formativa. Vão longe os tempos em que, sobretudo o jornal "A Bola", tinha verdadeiros jornalistas, enciclopédias do saber e da formação intelectual.

Marina Albino disse...

O dinheiro não dá educação, mas a educação é algo que vai escasseando.
O problema é transversal na nossa sociedade e não está só no nosso futebol.
Jamais veria um Carlos Lisboa a reagir como reagiu...e fiquei decepcionada, tal como esperaria que um juiz que sistemáticamente chega atrasado ás diligências pedisse desculpa e não o faz...
O grande mal hoje em dia é que ninguém se dá ao trabalho de corrigir quem age incorrectamente e se o faz ou é intrometido ou é gozado.
Mas as boas maneiras, fazem parte da educação, que vem de casa e da familia.
Ninguém pois pode dar aquilo que não tem ... mas pode procurar ter.

Anónimo disse...

Totalmente de acordo com o conteúdo do post.
Infelizmente é este o nível educacional que, embora seja compreensível no percurso de um jogador de futebol, onde a bola se sobrepôs a tudo o mais, já não é aceitável num capitão duma, da nossa, Selecção Nacional!...
A gafe foi, infelizmente, notada em directo e ao vivo através das televisões, sem nenhum comentário!...
Confesso que, na minha actividade docente, corrijo a toda a hora, num esforço que quase se me afigura inglório, o tratamento por "você" que os alunos utilizam com a maior naturalidade em relação aos professores e sempre com manifesta difículdade de compreenderem a razão de ser da interpelação!...
Entretanto, no caso em apreço, a imprensa dita côr-de-rosa tem-se igualmente feito eco de outros presumíveis comportamentos e atitudes bem mais deploráveis!...

Claro que estas posições críticas são duras de assumir no momento em que se idolatram algumas figuras a quem atribuímos representatividade simbólica não compatível!...

João Queiroga

Armando Inocentes disse...

O Sporting acolheu e bem um cidadão com determinadas caraterísticas para desempenhar certas funções. Logo, é seu dever desempenher essas funções e limitar-se a elas. Mas é um cidadão com direito a poder exprimir-se... mas dentro de certos limites e nos locais próprios, tal como qualquer um de nós. Tem razão JM Constantino: a culpa não é do Paulinho, mas de quem permitiu que ele afirmasse o que afirmou em determinado local e contexto.

Neste país em que o desporto é futebol desculpa-se o «você» de CR ao PR... tal como se desculpou o seu dedo em riste no momento da sua substituição há uns anos quando o Chelsea veio à Luz... ou quando apertou o pescoço a um colega de profissão num amigável com o Brasil...

Mas como desculpamos uma criança (que até quer ser um CR) num jogo de futebol a fazer qualquer um destes gestos a um colega?

Penso que já não é uma questão de educação, pois cada um tem a que lhe é dada. É mais uma questão de respeito pelos outros. E se não respeitam os outros, como podem os outros respeitá-los? E se já nem a si próprios se respeitam...

Cumprimentos a todos!

josé manuel constantino disse...

Caro Luís Leite,de acordo.
Caro Domingos,igualmente de acordo.
Cara Maria Albina,assino também por baixo.
Caro João,como díziamos no tempo das nossas aventuras políticas:a luta continua!
Caro Armando ,boa memória...e oportuna!

Obrigado a todos!

joão boaventura disse...

O provérbio já é velho:

"O que o berço dá, a tumba o leva."

joão boaventura disse...

Isto para dizer que tanto o homem do Palácio de Belém como o do futebol têm em comum a interiorização da linguagem de origem humilde, onde ambos a absorveram na sua juventude, incluindo o tratamento por "você".

Daqui parte-se do princípio que o homem de Belém não se amofinou pelo tratamento do "você", como o homem do futebol nunca terá pretendido ofender o outro.

É provável que a vivência diária do jogador com o brasileiro Pepe que, como é sabido, usa o "você", como todos os brasileiros em vez do "tu", ajudem a entender o comportamento, cumulativamente com a origem do uso linguístico humilde do "você".

Luís Leite disse...

Caro João Boaventura:

Se bem o entendo, através dos 2 últimos comentários, você faz uma abordagem sociológica conformada.
Uma certa forma de resignação, em que relativiza a importância da forma, em função da validação do conteúdo.
Esta questão é um problema com que se debatem muitos dos professores do ensino público, confrontados com formas de comunicação (mensagens semióticas) muito diferentes, fruto de origens sociais muito diversas na escola pública, tanto de alunos como de professores.
Eu acho que compete às elites mais urbanas contribuir para educação das classes menos cultas.
Assim, defendo que a forma é tão importante como o conteúdo.

Cumprimentos.

Anónimo disse...

Lá estão outra vez os mui cultos e educados a açoitar os humildes.
O desporto, como organização, pelos vistos, tudo tem de corrigir, a saber: a educação caseira, os modos e posturas e até o verbo do roupeiro Paulinho que, certamente, pela primeira vez na vida teve a oportunidade de falar para um microfone, Paulinho que deve ouvir diaria e permanentemente os maiores dasaforos sobre treinadores e dirigentes actuais e passados. Fico, assim,a saber que ao desporto se deve exigir a correcção daquilo que a educação não moldou e até aquilo que a própria natureza desfavoreceu.
Este blog é cada vez mais uma agremiação em que todos assinam por baixo ou estão completa ou igualmente de acordo.Só o João Boaventura demonstra clarividência perante a terrível afronta de tratar alguém por você. Snobes da treta.

Anónimo disse...

Engano do anónimo das 16.56: o Presidente da República tem direito, por inerência do cargo, a um tratamento respeitoso, que não se coaduna como o "você", exigindo um "Vossa Excelência".

Pessoa menos culta ou com menor educação tratá-lo-ia (ou deveria saber tratá-lo) por "Senhor"...

Anónimo disse...

Cultura é o "melhor do mundo" não ter dado um autógrafo a uma fã de 10 anos por esta ter uma camisola do Barça vestida (durante o estágio em Óbidos).
Até foi notícia em Itália e na Suiça.
O problema de CR não é um problema de cultura nem de educação: é um problema de moral...

Luís Leite disse...

Não conheço outra modalidade, para além do Futebol, sobretudo em Portugal, em que a generalidade dos jogadores e a maioria dos treinadores passem os jogos a dizer palavrões, a cuspir para o chão, a agredir intencionalmente colegas da mesma profissão e a refilar, quase sempre, em relação às decisões dos árbitros.
E em que os dirigentes têm que se revelar rascas e corruptos.
O Futebol tem um sério problema.
De educação.