Entendo que, nas escolas,
se reduza a carga horária da E.F. pois só assim se preserva a melancolia dos
alunos e da comunidade por inteiro. Aliás a historicidade das sucessivas
reformas dão-nos a todos cansaço que baste, uma depressividade contrária a toda
e qualquer actividade. A tomada de novos poderes sobre a escola pública
parece ser sempre feita pela via do ressentimento e, por causa disso, a escola
tornou-se o cemitério de todos os entusiasmos, nela jazem todos os projectos,
maior parte dos quais incompletos.
A formação que aposta na
variedade de performances cria corpos que sabiamente dominam a leitura de jogos
que, no campo, na tela, no palco ou no papel, artisticamente se reinventam.
Escolas com este tipo de formação almejam um espaço de vitalidade que não só de
moralidade, são um território de incitamento, resolvem inibições e, mais do que
olhar para trás, estes lugares dão visão e preparam para o futuro.
Contrariamente, se a aposta é numa formação que desvaloriza o próprio corpo
então vamos tornar todos os jovens herdeiros das
nossas frustrações mal vividas, das partes doidas da nossa história
colectiva. E, loucura insana, vamos desde já mostrar-lhes que são herdeiros de
coisa nenhuma porque nas ansias de tudo querer melhorar reside a
incapacidade de aceitar a parte da equação já resolvida. Este eterno retorno, de
tudo apagar até do rascunho, é também um modelo de rebeldia pueril
caracterizado pela vontade de vingar por via do esquecimento criador.
E em prol de um iluminismo
ressuscitado, que nos mostra uma ciência triste, vamos então todos imaginar
que, num esforço colectivo bem sucedido, criamos uma nova elite de sucesso na
matemática. Ora, para que necessitam estes génios de EF no seu currículo se
para resolver a função lhes basta dúzia e meia de neurónios mal medidos? A
mesma questão se aplica ao cirurgião que, na neurologia, dá um apertão a estes
neurónios ou ao engenheiro que concebe tão sofisticada aparelhagem usada na
operação. Indo mais longe, ao fulcro da questão, pergunto para que necessitam
eles do corpo por inteiro se apenas com a mente até prego enfiam na parede? A
resposta a todas estas questões encontra-se na fé, à qual qualquer um deles
recorre mal seja o sujeito a operar. E, aí sim, conscientes da falta das
rédeas no destino, todos rezam para que a mão do médico não trema, rezam para
que este tenha resistência e aguente o stress e o cansaço, rezam para que este
consiga gerar em torno do seu acto cirurgico uma energia emocional e uma grande
solidariedade por parte de toda a equipa que lidera. É nestes momentos de
profunda inquietação que todos descobrem o corpo que são!
Perante a crença
disparatada na dualidade “mente sã em corpo são” que tão só alimenta a dúvida
sobre o corpo uno que somos, também pouco mais nos resta do que ter fé. Rezemos
então para que a democracia aguente a estalada dada pela elite criada que,
impulsionada pelos trampolins privados suportados pelos capitais familiares, é
munida de performances polivalentes e, tendo passado com excelência em todos os
exames, emigra! E, embalados, rezemos também pela democracia e não nos deixemos
cair na tentação de pensar que são só os que têm maior sucesso nos exames
que politicamente nos servem e/ou governam. A tradição sempre foi o que era e,
para mandarim, basta nas hostes do partido parecê-lo – esperto – já não tem
sequer de sê-lo!
E, pejados de fé, vamos
todos a Fátima em procissão rezar por todas as famílias que não têm dinheiro
para pagar o inglês do Instituto, a música e/ou o teatro da Academia, as
actividades do Clube ou do Heath Club e, com isso, não têm os filhos agraciados
com as performances requeridas nas agências de emigração de talentos. Nesta
procissão, com andor aos ombros todos nós penitentes que não temos orçamento
para explicações e nem esperança no ensino individualizado por causa do aumento
de alunos por turma. Este aumento vem alegrar o fulgor e o desassossego da
idade, ao qual sempre se junta o mimo dado por progenitores mal amanhados
e, por via disto tudo, dar animo ao tempo doido gasto no mandar calar ou no
exaspero gritado do “já p’ra rua!”.
Oremos também pelos alunos
oriundos de famílias descapitalizadas de academia e de economia que rapidamente
da escola, reprodutora de desigualdades, são “postos a mexer”.
Evoquemos também aquelas escolas que se empenham a gerar mecanismos de combate
ao abandono escolar e, nunca bem colocadas nos rankings do mérito de exame,
garantem a inclusão dos desfavorecidos e são exemplo de solidariedade social.
Sem preces, deixemos o elogio pronto dado a colégios afamados que, como a
equipa do Real Madrid, escolhem aqueles que lhes garantem os melhores
resultados marginalizando todos aqueles que têm ou dão chatices.
Rezemos também um terço em
prol do crescimento quantitativo das Associações de Mães, Pais e EE, para que
os 4 ou 5 (em geral familiares dos melhores alunos a matemática e piores a EF)
que, dada a automaticidade democrática, acabam por representar os 300 ou 400
que nunca participam e /ou querem saber (em geral familiares dos alunos pouco
dados a matemática mas que muito apreciam EF). Rezemos uma novena por inteiro
para que se restrinja o número de mandatos nas cúpulas das
respectivas Confederações para, na televisão, aparecerem caras novas com
discursos inovadores.
Rezemos, então, pelo
retirar da escola pública de quocientes da fé!
18 comentários:
Li agora este vosso comentário e revejo-me interramente nele. Na realidade revejo-me à 20 anos atrás numa luta equivalente. É verdadeiramente uma tristeza e agora ao cabo de 40 anos de trabalho (30 no ensino) e com 57 anos já não me sinto com a mesma coragem de lutar contra sempre o mesmo fantasma. O da ignorância e desprezo por valores que já não se diviam discutir em pleno séc. 21.Acho que, já que ainda me permitem, vou repensar se não está na altura de continuar a fazer o que gosto (como até agora) mas fora da escola, porque "esta escola" já não é a minha pela qual sempre lutei, penso que dignamente.
Ou então:
"Os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente.
E pela mesma razão."
Eça de Queiroz
Sou professora de educação física, já lá vão mais de 20 anos. Talvez por manter um corpo são capaz de albergar uma salutar dose de loucura AMO A ESCOLA. Ámen!
Sou Professora de Educação Física desde há 33 anos! Sou-o por devoção e convicção!...Se tudo passar a ser uma questão de Fé, e, porque o Fado é destino "... entrego ao vento os meus ais..." que são tão grandes que até a alma me dói!... Recuso-me a aceitar esta prepotência barata por parte de quem nos (des)governa! Obrigada pelo vosso texto!
Margarida Pires
Para quê a Escola, se ela agora é no Google, na Wikipedia, e na Internet (com videos, e prémios nóbeis a darem diretamente as aulas)?
Para quê o «corpo» se a vontade Humana é a desmaterializaçao, e a sustituição da matéria proteica por outro suporte muito mais durável e sem doenças?
Estes comentários, e o texto, são de Pessoas do Velho Mundo. Os «ais»,os «prantos», as «poéticas inflamadas», as «culpas atiradas para cima dos outros» não esconderão a incapacidade de acetar que o Mundo, tal como o concebiam, mudou?
FdoE
fDOe, nesse Novo Mundo que lhe é familiar, os rituais da procriação também prescindem do corpo e é "tudo" tratado via Skype?
A procriação passa a ser uma prática selvagem, de animais numa fase de evolução equivalente, para os humanos, por exemplo aos frangos ou às minhocas.
FdoE
Filmes à parte, a investigação recente mostra que, não obstante toda esta digitalização e comunicação multiplicada pelas redes sociais,a presença do corpo e da multidão são cada vez mais essenciais à força de qualquer causa. Sem falar nas multidões que se deslocam ao estádio porque não conseguirá ver nelas expressão das emoções colectivas,em The Global City, Sassen mostra-lhe que as grandes corporações procuram proximidade no espaço das grandes metrópoles porque a formalidade dos contratos assenta, por incrível que pareça, nas relações de confiança firmadas na informalidade de encontros sociais, como num restaurante ou, noutros casos de maior envolvência de negócio, num campo de golfe.
Isso são discursos para apaziguar as multidões, e dar-lhes conforto. O problema é sempre o mesmo, de sempre. Ficar, ou não conseguir ficar, no topo da cadeia predatória. As fêmeas humanas já não conseguem gerar (procriar) cérebros maiores desde há cerca de400mil anos. As cesarianas aumentam exponencialmente. Sem cérebros maiores os humanos perdem o topo da cadeia de adaptação e sobrevivência, sobretudo quando há excesso de população para os recursos dentro de um mesmo território. O tempo da procriação das femeas, e a sua utilidade para esse fim, está terminado (ver Relatórios sobre Fisiologia e Evolução Humana de Max Plank Institute, Univ Harvard, Cambridge, Oxford, China Science, etc, etc.). Só noutro suporte conseguiremos aumentar a capacidade de codificação. No passado, até recente, e noutros Habitats até neste preciso momento, ocorrem extinções em massa. Por isso é que essa questão da procriação, da proximidade, do corpo, são meras poesias que já não fazem sentido do modo como foram formuladas. É um Novo Mundo até para o modo de falar e escrever, o que já está a ocorrer.
FdoE
Fdoe, fico-me então pela poesia do presente deixando-lhe a si, visionário e erudito wiki, as inquietações dessa história disangélica.
A Ana está á altura dos acontecimentos….e eu tomo a liberdade de propôr publicamente o que já lhe segredei em privado…que todos os autores do blogue deleguem nela a responsabilidade de responder ao ex- FdE , a partir de agora justamente designado erudito wiki. Força Ana!
Pois teem toda a razao do mundo mas
ja dizia o velho mestre quem sabe mais ha muito quem faça melhor e que ha pouco ou seja ...... nada
Nos comentários que tiveram a amabilidade de me enviarem não se encontra quaisquer argumento, informação, ou ideia, que permitam ao leitor alterar o conteúdo do que escrevi. E isso é que era interessante a quem lê a discussão. Isso é que acrescentava valor á «Colectividade». Porque chamar «nomes» aos outros é o que fazem as crianças nos pátios das escolas, e nalgumas casas, sem qualquer proveito ou consequência útil. Sobre a «erudição» é necessário não andar distraído com o que se passa ao redor. Porque os relatórios a que me referi são «públicos», estão nos sítios internet das universidades que mencionei. Não estão é nas revistas-mundanas e na Wikipedia, ou no Google. Mas a isso não chamaria «erudição», chamaria apenas «outras leituras», ou «atenção para com outros assuntos».
FdoE
Ana, gostei muito de ler o teu texto. Bravo!
Um grande Ámen!
Senhor FdoE
Não se aborreça por não respondermos aquilo que deseja que respondamos por duas razões:
1 - O sr. não conversa, desconversa
2 - O sr. quer evidenciar-se, e como já conseguiu, sossegue agora o seu espírito por algum tempo.
EdoF (Estado do Funcionário)
Podia explicar...?!
Portanto, agora que vamos todos rezar muito para ganhar favores superiores das divindades, qual o sentido de historicidade que a doutora teve realmente em consideração para considerar nas diferentes reformas educativas? Ficaria muito encarecidamente agradecido se a professora/autora me fizesse o obséquio de explicar esse sentido...
J. Manageiro da Costa
Não tinha sentido único porque o que pretendia, mesmo, era dar uma volta turística pelas ruínas, ie, proponho mais uma visão do tempo do que da história das reformas.
Mas, claro, caso tenha um texto preparado sobre a história das ditas não hesite em partilhá-lo!
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