Texto publicado no Público de 13 de Janeiro de 2013.
1.
Na Assembleia da República continua-se a debater, na especialidade, as duas
iniciativas legislativas – do Governo e do PS – sobre a criação de um Tribunal
Arbitral do Desporto (TAD).
Na
respectiva página web – e recomenda-se – encontram-se disponibilizados alguns
contributos para esse debate, provindos de entidades públicas e privadas, bem
como outros de natureza pessoal.
2.
Pondo agora de parte as críticas que já endereçámos às propostas em presença,
bem como juízos de inconstitucionalidade que sustentámos (não isoladamente),
dediquemos alguma atenção à questão inicial: é preciso um tribunal arbitral do
desporto ou os mecanismos de resolução de litígios existentes são suficientes?
O
ponto de partida de ambas as iniciativas é comum: é imprescindível a criação de
um TAD em Portugal.
2.
A arbitragem desportiva nasce – é indesmentível – a partir da constatação, por
parte do Comité Olímpico Internacional, de que os agentes desportivos já não se
sentiam seguros e satisfeitos com as respostas alcançadas no interior das
organizações desportivas, desde logo nas federações desportivas, internacionais
e nacionais. A «justiça desportiva» não se lhes afigurava dotada das
características que, a seus olhos, dessem respostas credíveis aos seus direitos
e legítimos interesses. Iniciava-se a “fuga para os tribunais do Estado” e
entrava em falência o vínculo de justiça absoluta que obrigava os operadores
desportivos a apenas recorrer aos meios internos das federações desportivas.
3.
Tal facto colocou em crise um alicerce essencial do movimento desportivo, todo
ele monopólio, inclusive na resolução dos seus litígios. Os desportistas
debilitaram aquilo que prosaicamente alguns retratavam com a máxima “ a roupa
suja lava-se em casa”.
A
reacção do movimento olímpico foi, então, na década 80 do século passado, a de
criar uma alternativa a que os “casos desportivos” se dirigissem para os
tribunais do Estado, erigindo uma forma de resolução dos conflitos que
recolhesse dignidade perante o direito dos diversos Estados. Daí, a arbitragem.
4.
A arbitragem, contudo, quando voluntária, é um meio alternativo (aos tribunais
estaduais) de resolução de conflitos que assenta em diversos pressupostos, num
dado ADN. Um deles é, sem dúvida, o facto de as partes envolvidas no litígio,
se apresentarem em plano de igualdade, não havendo nenhuma hierarquia entre
elas. De base contratual, a arbitragem voluntária, pressupõe essa igualdade,
essa relação horizontal entre os que se encontram em litígio.
Existirá
esse tipo de relação no desporto federado?
5.
Como bem notou o Tribunal Federal suíço em 2007, ao apreciar uma decisão do
Tribunal Arbitral do Desporto de Lausanne, o desporto é uma realidade
hierarquizada, um sistema vertical, com os praticantes e clubes na base e as
federações desportivas no topo. Não existe, pois, particularmente no domínio
disciplinar, qualquer posição horizontal, qualquer igualdade entre as partes.
Bem pelo contrário, o que se assiste é a uma posição dominante – das federações
desportivas – e uma posição subordinada – os praticantes e outros participantes
na competição.
Se
estamos certos nesta leitura, a primeira questão a que se deve dar resposta,
aquando da criação de um TAD em Portugal, é se verdadeiramente a arbitragem
representa a melhor resposta para o sistema desportivo, atentas as suas
características e modo de viver.
6. Celeridade,
especialização e uniformização. Vamos ter isso, na justiça desportiva, com o
TAD? Veremos na segunda parte.
1 comentário:
Há aqui um desvio de paralaxe
O que se pretende não é, como suposto e escrito, Tribunal Arbitral do Desporto, mas tão claramente, o Tribunal do Arbítrio do Desporto, ou mais límpido e ao gosto do poder, o Tribunal do Arbítrio do Estado, porque, porque ignorante do estatuto privado se apresenta.
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