domingo, 27 de janeiro de 2013

O Tribunal Arbitral do Desporto: alguns mitos (2)


Texto publicado no Público de 27 de Janeiro de 2012.


1. No primeiro texto que dedicámos a este tema, adiantámos que quem justifica a criação de um TAD – e parece inevitável a sua criação em Portugal em face da maioria existente nos parlamentares -, vai adicionando, como pontos positivos para o desporto, a celeridade, especialização e uniformização. Tudo que, segundo os defensores desta solução, não se encontra na justiça estatal e, por via desse facto, não se coaduna com as especificidades do desporto e da competição desportiva. A adoptar o TAD ganha-se, também por isso, eficácia no sistema de resolução de litígios desportivos, com tudo de positivo que daí resulta para a vivência do sistema ou dos diversos sistemas, modalidade a modalidade desportiva.
2. Iniciemos pela especialização de quem julga as “questões desportivas”.
E, neste domínio, sem entrar em linha de conta com o mito da especialização daqueles que se encontram, nas diversas modalidades a aplicar as normas desportivas e com a “suposta” especialização dos futuros árbitros do TAD, o que se vem afirmando é que os magistrados não se encontram totalmente habilitados, porque desconhecedores, a decidir adequadamente em matéria desportiva. Ou, também por outras palavras, “não são sensíveis às particularidades do Direito Desportivo”.
3. Vários flancos débeis apresentam estas proposições. Concentremo-nos, neste espaço, somente em alguns.
O primeiro dos quais surge a montante. Mas o que é, a final, em Portugal o Direito do Desporto? De que se compõe que seja tão difícil, porventura impenetrável, aos magistrados dos tribunais do Estado?
Resumindo, penso que sem abuso, dir-se-á que o desporto é regulado por dois tipos de normas: umas de origem pública, outras provenientes das próprias organizações desportivas.
Sucede que, no caso português e em outros, geográfica e culturalmente próximos, aquilo que eram normas privadas das entidades desportivas, são normas públicas. Dê-se, como mero exemplo, os regulamentos disciplinares das federações desportivas. Ou seja, estamos no domínio do Direito Administrativo, para o qual o Estado até  possui uma ordem própria de tribunais. Quem melhor, então, para julgar questões de natureza administrativa que os juízes especializados?
4. A juntar a essa administrativização das regras fundamentais das federações desportivas, surge a transversalidade do Direito do Desporto. Questões laborais, fiscais, societárias, civis e tantas outras  em ramificações de ramos de Direito, abordadas, interpretadas e aplicadas pelos Tribunais, preenchem o espaço litigioso do desporto.
E. para muitas delas, o Estado emanou legislação específica – contrato de trabalho desportivo e sociedades desportivas, por exemplo – tendo como parâmetro a respectiva lei geral e subsidiária. Ora, que faltas de especialização têm, então os magistrados e os Tribunais do Estado?
E, se dúvidas houvesse, bastaria apreender o balanço de mais de uma centena de decisões dos tribunais superiores portugueses – nos últimos dez anos -, que tiveram o desporto como raiz, para concluir que as suas decisões revelam conhecimento da lei a interpretar e a aplicar, alcançando-se, de uma fora geral, respostas bem positivas e fundamentais para o próprio desenvolvimento do Direito do Desporto.
5. Dir-se-ia que os verdadeiros especialistas do Direito do Desporto, a existirem, também se encontram entre os magistrados portugueses, laborando nos tribunais do Estado.

6. PS: Foi descoberto o filão das irregularidades na utilização de jogadores da equipa “B” e dos problemas que se colocam nessa espécie de vaso comunicante com a equipa principal. Sendo certo que se trata de regulamento em aplicação pela primeira vez, não deixa de ser estranho o desconhecimento (aparente) dessas normas – pelos “especialistas do direito desportivo” –, com tudo o que de prejuízo implica para os clubes infractores. Haverá mais Caixas de Pandora prestes a abrir?

7 comentários:

Luís Leite disse...

Concordo com os argumentos de JM Meirim, embora seja de opinião de que, como referi em anterior comentário, os Tribunais em geral e o Tribunal Administrativo em particular, são um último recurso para litigância.
E os juízes de direito só têm que ser especialistas na interpretação da Lei e na sua aplicação.
Sempre que necessitem, podem chamar especialistas para esclarecer os Tribunais.

Anónimo disse...

É possível ter o link para o lugar da Assembleia da Repúbilca onde está o material que tem sido indicado nestes postes?

José Manuel Meirim disse...

Caro anónimo


Sugiro-lhe este percurso na página da AR.
a)Atividade Parlamentar e Processo Legislativo;

b)Iniciativas legislativas;

c)Coloca em branco o campo da Sessão Legislativa

d) no assunto escreve desporto

e) irá encontrar as duas iniciativas legislativas e um conjunto considerável de contributos e pareceres, e ainda a trasncrição vídeo de audiências realizadas.
JMMeirim

joão boaventura disse...

Caro anónimo

Pode encontrar o que procura aqui.

Anónimo disse...

obrigado pelo link para as actividades do parlamento

Anónimo disse...

Tal como dizia o Talvez aqui há muito tempo, vem agora um especialista dizer o seguinte: “Os Tribunais Arbitrais servem para legitimar atos de corrupção” (Marinho Pinto, na cerimónia pública de Abertura do Ano Judicial, 30 Jan 2013)

Talvez

Fernando Tenreiro disse...

Se o Sr. Marinho Pinto tem casos para denúncia de corrupção, não se deve coibir de os denunciar, sob pena de ao calar-se ser conivente com a corrupção do direito e de um dos seus instrumentos, os tribunais arbitrais.

Temos que ser coerentes naquilo que pensamos e dizemos, sob pena de perdermos o pé à realidade e demonstrarmos com exemplos simultaneamente fúteis e assertivos a pouca valia do afirmado publicamente.