Texto publicado no Público de 14 de Abril de 2013.
1.
Em Portugal, mas também em muitos outros países (somos maus, mas não somos
únicos), existem dois tipos de leis. Um é aquele que se sedimenta nos
procedimentos próprios e que exprime uma vontade política num dado sector da
actividade. Por exemplo, o desporto. Outro, bem diferente, é aquele que,
ignorando a realidade e a lei escrita, se verbaliza nas afirmações e prática
dos responsáveis públicos e políticos.
2.
Há não muito tempo atrás o então membro do Governo responsável (?) pela área do
desporto, Miguel Relvas, reagindo publicamente às acusações de conduta racista
por adeptos do FC do Porto num jogo europeu – pelas quais o clube veio a ser
sancionado pela UEFA – ditou verbalmente uma lei: em Portugal não racismo no
futebol. Se alguém ousa afirmar o contrário, só pode se mover por inveja e
resquícios de imperialismo e colonialismo do passado (Inglaterra). E, Mestre
Picanço, naturalmente, um homem da ética do desporto – e ainda do desporto com
todos e para todos (tipo bacalhau cozido) - quedou-se pelo silêncio.
3.
Recentemente, o Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol, aplicou
a sanção de um jogo a realizar à porta fechada a um clube que disputa a II Liga.
Num
jogo disputado em 27 de Outubro do ano passado, aquando da substituição de um
jogador da equipa adversária, o momento foi acompanhado de um coro
“uh-uh-uh-uh”, imitando um macaco, proferido pelos adeptos da casa, durante
largos segundos. A mesma atitude repetiu-se após o final do jogo, quando os
jogadores, após terem saudado os adeptos, regressavam aos balneários.
4.
No debate jurídico, o Conselho de Justiça veio a entender ser aplicável norma
do Regulamento Disciplinar da Liga que pune comportamentos discriminatórios em
função da raça, religião ou ideologia (artigo 113º), alterando, deste modo, o
sentido da decisão do Conselho Disciplinar.
Esta
decisão do Conselho de Justiça, que deveria ser publicitada pela Federação
Portuguesa de Futebol, por via da interposição de uma providência cautelar do
clube sancionado, encontra-se, por ora, suspensa na sua aplicação.
5.
Poupando o leitor ao meandro jurídico, o que nos parece ser de destacar é que,
a final, há mesmo atitudes racistas em Portugal e também no âmbito do desporto.
Por
outro lado, vista a reacção do clube sancionado, vê-se, cada vez mais, a tomada
de consciência da defesa dos direitos – junto dos tribunais – perante decisões
que não se têm por correctas.
Não
há volta a dar.
Por
fim, assinale-se o distanciamento, a ignorância, o laxismo, a omissão e o
irrealismo das “leis ditadas” verbalmente pelos responsáveis (?) públicos.
De
forma algo grosseira, dir-se-ia que, em grande medida, andam cá para ver a bola
passar.
PS:
Já não se encontra entre nós o pavoneante Secretário de Estado Mestre Picanço.
Paz à sua alma. É uma boa notícia para o desporto nacional. Quanto ao novo
Secretário de Estado, por ora, não há muito a dizer. Todavia há uma regra que
respeito, nos anos que levo disto, e que conta com muito limitadas excepções:
não tenho fé.
1 comentário:
Caro Prof. Meirim:
Só quem for ignorante ou estiver mal documentado é que diz que não há racismo no desporto em Portugal.
Tal como há descriminação de género (e outras), tal como há exploração infantil, tal como há violência, tal como há corrupção, tal como... ...
Mas como bem sabe, uma coisa é "haver" outra coisa é "conseguir provar"! "Há" compadrios, "há" oportunismos, "há" jogos de interesses...
Mas não generalizemos. O problema não está no "haver", está no "reproduzir" e no "alastrar"...
Abraço amigo!
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