sábado, 22 de dezembro de 2007

Paulo Bento: liberdade de expressão e disciplina

A Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) aplicou uma sanção disciplinar ao treinador Paulo Bento. A sua deliberação encontra-se acessível na página web da LPFP, em anexo ao comunicado relativo às decisões daquela Comissão (Deliberações da Comissão Disciplinar - 20/12/2007).
Segundo vem sendo relatado um dos efeitos dessa sanção disciplinar passa pela impossibilidade do referido agente desportivo "falar na condição de treinador do Sporting" enquanto durar a execução da sanção ( 12 dias).
O jornal Record, de hoje, reproduz breves afirmações de três constitucionalistas, questionando os jornalistas sobre a constitucionalidade desse efeito.
Em bom rigor, só um deles, o Professor Jorge Miranda, emite uma opinião mais firme: " é manifestamente anticonstitucional e contrário ao artigo 37º da Constituição. Podem proibi-lo de dar treinos, de falar do que quer que seja é que não".
Adiante, no mesmo jornal, dá-se conta do entendimento de uma fonte da LPFP sobre esta questão.
Não é este o espaço para tomar uma posição definitiva sobre o caso concreto.
Queremos somente registar a relevância da questão jurídica, desde logo para todos os agentes desportivos.
Com efeito, muitas normas federativas ou de ligas, nacionais e internacionais, incidem, directa ou indirectamente, sobre o exercício da liberdade de expressão dos seus filiados e daqueles que se encontram sujeitos ao seu poder disciplinar.
Muitas dessas organizações desportivas usam e abusam das infracções disciplinares no âmbito da livre crítica dos seus órgãos directivos, quer no momento da previsão do tipo disciplinar, quer no momento da sua aplicação em concreto.
Por exemplo, não é por acaso que o Comité Olímpico Internacional, embora existindo outras motivações, se prepare para "regulamentar" a criação de blogues durante a realização dos Jogos Olímpicos.
É positivo, pois, que se alargue a discussão desta temática e que os direitos fundamentais sejam "utilizados" no âmbito das relações que se estabelecem entre tais organizações e os diversos agentes desportivos.
Para breve encontra-se prevista a publicação de um artigo - pela primeira vez no nosso reduzido universo - sobre a liberdade de expressão dos praticantes desportivos profissionais.
Aproveita-se ainda este texto, e independentemente do acerto da decisão disciplinar que nos serviu de mote - para realçar a qualidade jurídica de muitas das decisões da Comissão Disciplinar da LPFP.
Já o afirmámos e agora reiteramos.
Essas decisões são peças jurídicas de muito valor e, de todo em todo, nada têm a ver com o passado.

2 comentários:

João Almeida disse...

Meu caro Prof. Meirim

Na minha opinião está em causa a ponderação entre dois direitos fundamentais: o direito ao bom nome e o direito à liberdade de expressão.

Ora, se é feita prova que um agente desportivo no uso da sua liberdade de expressão proferiu ofensas ao bom nome de um árbitro ou dirigente, pondo em causa o seu bom nome, existem regulamentos disciplinares com medidas adequadas para o punir.

Mas à luz da nossa lei fundamental não concebo qualquer regime disciplinar, desportivo e não só, que estabeleça um pena de suspensão a qual, directa ou indirectamente, coarcte a liberdade de expressão de um cidadão.

Perdoe-me a ligeireza do meu comentário a uma matéria delicada que mereceu um ácórdão profundo e rigoroso, mas a especificidade do desporto jamais poderá estar acima da Constituição.

Faço este comentário porque me preocupa o alcançe de normas de diversos regulamentos desportivos localizadas bem à margem dos principios elementares de um estado de direito democrático, tutelado pela CRP, que em nada contribuem para preservar os valores que presidiram à edificação do desporto moderno.

Anónimo disse...

Peço desculpa de interferir nos vossos pensamentos, mas por acaso já tiveram o trabalho de fazer um apanhado de situações anteriores, nomeadamente na politica.Existe uma certa analogia.
Na realidade temos de reflectir para onde vamos com este tipo de actitudes, ou será que a Democracia é uma palavra sem sentido.
É só um pequeno comentário.
JBarradas